Charles Evaldo Boller
A Maçonaria, em seu percurso de mais de trezentos anos na forma
especulativa e de milênios em sua gênese operativa e simbólica, apresenta-se
como uma instituição em constante metamorfose. Sua vitalidade depende da
fidelidade aos princípios imemoriais e, ao mesmo tempo, da capacidade de inovar
em meios, métodos e linguagens. No limiar do terceiro milênio, com a aceleração
das transformações tecnológicas, sociais e culturais, urge refletir sobre o
futuro da Ordem, não como exercício profético, mas como prática filosófica e
educativa, ancorada no livre pensar que constitui a essência da chamada Arte
Real.
Raízes da Arte Real e sua Atualidade
Historicamente, a Arte Real foi associada tanto às práticas
construtivas dos pedreiros medievais quanto ao cultivo filosófico de nobres e
sacerdotes da Grécia e do Egito. A ideia central permanece: o ócio criativo[1]
como espaço privilegiado para a elevação espiritual e o planejamento da vida em
sociedade.
O maçom moderno, reunido em loja, atualiza esse legado. Ao
vivenciar símbolos e rituais, ensaia uma microssociedade utópica, fundada na
liberdade, na fraternidade e na busca pela Verdade. Este ensaio, mais que
representação, é laboratório: no convívio ritualístico e no debate filosófico,
os indivíduos experimentam formas de organização que pretendem irradiar para a
sociedade profana.
A Liberdade como Valor Fundante
A Maçonaria exige do candidato que seja "livre e de bons costumes". Essa
cláusula pétrea, presente em todas as obediências, expressa uma realidade: só
o adulto consciente, autônomo e responsável pode trilhar o caminho iniciático.
O escravo, seja de vícios, de ideologias ou de sistemas de dominação, não está
apto a exercitar o livre pensar.
Liberdade, contudo, não é apenas independência individual. Na
filosofia maçônica, ela é raiz de todas as virtudes: da liberdade brotam a
justiça, a solidariedade, a tolerância e a dignidade. O futuro da Ordem depende
de como os maçons traduzem essa liberdade em práticas concretas de cidadania e
transformação social.
Conflitos, Diversidade e o Caos Criativo
A história da Maçonaria é marcada por cisões, disputas de poder
e multiplicação de obediências. Longe de ser sinal de decadência, essa
diversidade pode ser lida como reflexo do caos criativo que a própria filosofia
maçônica cultiva. Assim como o Universo, que aparenta desordem, mas obedece a
leis sutis, a Ordem se fortalece na pluralidade.
O futuro, portanto, não repousa na uniformidade, mas na
capacidade de acolher correntes distintas sob a égide do livre pensar. A
unidade, na Maçonaria, é mais simbólica do que institucional: consiste no
reconhecimento recíproco dos princípios que sustentam a Arte Real.
Tecnologia, Passividade e Desafios de Engajamento
Vivemos um paradoxo. A sociedade nunca teve tanto acesso à
informação, mas também nunca esteve tão passiva
diante de estímulos audiovisuais. Plataformas digitais transformam cidadãos em
consumidores de distrações, reduzindo o espaço para a introspecção e a reflexão
crítica.
Nesse contexto, a Maçonaria corre o risco de perder atratividade
se não oferecer experiências intelectuais e espirituais significativas. O
adulto moderno exige retorno claro do investimento de tempo e recursos: deseja
evolução pessoal, reconhecimento social, apoio emocional e estímulo à
criatividade.
Daí decorre a urgência de reformular métodos de transmissão do
saber maçônico, com técnicas adequadas à aprendizagem de adultos, a Andragogia.
Andragogia e Filosofia Maçônica
Ao contrário da pedagogia, técnica de ensino focada na criança,
que pressupõe dependência e heteronomia[2], a
andragogia parte do princípio de que o adulto é autônomo, traz bagagens prévias
e só aprende aquilo que percebe como útil. Malcolm Knowles, pioneiro nesse
campo, destacou que a aprendizagem adulta se motiva pela relevância prática,
pela resolução de problemas e pela aplicação imediata.
Transportada para a loja maçônica, essa teoria sugere mudanças:
·
Instruções ritualísticas não podem ser
lidas mecanicamente, mas discutidas em debates orientados.
·
O mestre deixa de ser mero repetidor e torna-se facilitador
do processo, incentivando a dúvida e a reflexão crítica.
·
Os obreiros são tratados como sujeitos ativos,
capazes de contribuir com suas experiências profissionais, culturais e
existenciais.
·
A motivação nasce quando os temas filosóficos
se conectam às demandas reais da vida social, política e espiritual.
O Valor do Debate
A prática do debate é o mais poderoso instrumento de
aprendizagem maçônica. O templo torna-se espaço dialógico, em que teses,
antíteses e sínteses se sucedem num ciclo de enriquecimento mútuo.
William Glasser[3],
em sua pirâmide de aprendizagem, aponta o debate com 70% de aprendizagem,
enquanto o método de simples leitura, aparece apenas com 10% de aproveitamento;
já o ensino, obrigação de todo mestre maçom, possibilita 95% de
aprendizagem.
O debate como dinâmica de grupo tem efeito psicológico profundo:
gera pertencimento, desperta a criatividade e transforma a loja em lugar de
prazer intelectual. Não é à toa que muitos mestres se cansam da leitura
mecânica de instruções e anseiam por debates vivos. O futuro da Maçonaria
depende de quanto se conseguirá transformar as sessões em laboratórios de
ideias.
O Estudo Pessoal e o Acompanhamento Formativo
Aprendizes e companheiros necessitam de acompanhamento próximo.
Reuniões paralelas de estudo, conduzidas por mestres preparados, atuando como
facilitadores, fortalecem a base filosófica e garantem a formação de líderes. O
ritual, em si, é apenas ponto de partida: precisa ser interpretado,
debatido e aplicado.
Esse processo demanda método: fragmentação de temas, uso da
dúvida como estímulo cognitivo, aplicação prática de símbolos e alegorias. A
instrução maçônica só se torna significativa quando traduzida em soluções para
dilemas pessoais e sociais.
O Hábito da Frequência em Todas as Sessões
Para incutir o hábito saudável e disciplinado da frequência em
todas as sessões, é recomendável que aprendizes e companheiros se façam
presentes inclusive nas reuniões destinadas aos companheiros e mestres, ocasião
em que se reúnem com um mestre designado e preparado para o estudo operando
como facilitador. Tal prática não apenas os atualiza em relação à ritualística
e à legislação maçônica, como também lhes permite remover dúvidas, consolidar
ensinamentos e ampliar horizontes intelectuais.
A presença constante nas sessões é uma forma de internalizar
a vivência maçônica em sua plenitude: observar os trabalhos dos mestres,
participar de debates filosóficos, assimilar discussões sobre temas diversos e
testemunhar a aplicação prática dos princípios da Ordem. Trata-se de uma
oportunidade insubstituível de educação continuada, em que o contato com
diferentes perspectivas fortalece tanto a formação intelectual quanto a
maturidade espiritual.
Ao integrar-se regularmente aos trabalhos da loja, aprendiz e
companheiro desenvolvem não apenas o senso de pertencimento, mas também
o compromisso ético e iniciático com a instituição. Frequentar é aprender pelo
exemplo, é vivenciar o simbolismo aplicado à prática cotidiana e é, sobretudo,
preparar-se para assumir responsabilidades mais amplas no futuro. Assim, a
constância de presença não se reduz a mera formalidade, mas converte-se em
exercício de aperfeiçoamento pessoal e coletivo, sustentado pelo diálogo, pela
reflexão e pela convivência fraterna.
O Futuro e a Inovação Filosófica
O futuro da Ordem não está na multiplicação de cargos ou
títulos, mas na arte de filosofar. O piso em mosaico da loja simboliza
esse parque de diversão intelectual, onde se joga com ideias que não se provam
empiricamente, mas que mobilizam a imaginação e constroem sentido.
O grande desafio é conjugar tradição e inovação: preservar a
sacralidade do rito sem abrir mão das ferramentas modernas de comunicação e das
metodologias didáticas contemporâneas.
Se a ordem "ouvir" as demandas do homem moderno,
em busca de pertencimento, sentido e evolução, continuará a cumprir sua missão
de ser escola de liberdade e fraternidade.
Conclusão
A Maçonaria do futuro será o reflexo da coragem de seus
líderes em aplicar técnicas de ensino voltadas para adultos, fomentar
debates, investir no estudo filosófico e valorizar a liberdade como matriz de
todas as virtudes.
A evasão dos templos não se reverterá por mera propaganda ou
ritual repetitivo. Exige-se formação sólida de mestres como facilitadores,
motivação prática para os obreiros e o cultivo de uma cultura de debate que
transforme cada sessão em experiência transformadora.
O futuro da Ordem, no Brasil e no mundo, é do tamanho dos
sonhos dos que ousam filosofar. Enquanto houver homens dispostos a pensar
livremente e a trabalhar pela construção do seu templo interior, a chama da
Maçonaria permanecerá acesa sobre a Terra.
Bibliografia
1.
AQUINO, Carlos Tasso Eira de. Como Aprender,
Andragogia e as Habilidades de Aprendizagem. Pearson. Obra fundamental para
compreender os princípios da aprendizagem adulta, aplicáveis diretamente ao
ensino maçônico;
2.
ARIBO. Andragogia. Simplíssimo, Livros Digitais.
Texto introdutório que oferece visão prática sobre o tema, com sugestões
aplicáveis a contextos de formação continuada;
3.
BELLAN, Zezina. Andragogia em Ação. Socep
Editora. Manual de práticas andragógicas, útil para dirigentes de loja que
desejam aplicar métodos eficazes no ensino maçônico;
4.
KAROLCZAK, Maria Eloisa; KAROLCZAK, Marcio.
Andragogia, Liderança, Administração e Educação. Relaciona técnicas de ensino
adulto à liderança e administração, pontos essenciais para o exercício do
ofício maçônico;
5.
LARANJEIRA, Darcy. Andragogia na Educação
Formal. Clube de Autores. Debate a inserção da andragogia em ambientes
educacionais formais, inspiração para sua adaptação à ritualística maçônica;
6.
MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. Rio de
Janeiro: Sextante, 2000. Um clássico que articula lazer, trabalho e
aprendizado, conceito crucial para entender a Maçonaria como espaço de ócio
construtivo;
7.
MOREIRA, Ivelise de Maria Mena Barreto.
Importância da Andragogia no Ensino Superior da Ciência Contábil. Apesar de
aplicada à contabilidade, traz reflexões úteis para qualquer processo educativo
adulto, incluindo a Maçonaria;
8.
RUSSELL, Bertrand. O Elogio ao Ócio. Rio de
Janeiro: Sextante, 1935. Ensaio filosófico que legitima o valor do ócio como
fonte de criatividade e progresso, alinhando-se à noção maçônica de Arte Real;
[1] O ócio
criativo, conceito desenvolvido pelo sociólogo italiano Domenico De Masi,
refere-se à prática de usar o tempo livre, ou ócio, de forma produtiva, explorando
a criatividade e a inovação. Em vez de ver o ócio como simples descanso ou
inatividade, o ócio criativo a enxerga como oportunidade para gerar novas
ideias e soluções, integrando lazer e aprendizado com o trabalho e a vida
pessoal;
[2] Heteronomia,
de origem grega, é um conceito que foi criado por Kant para denominar a
sujeição do indivíduo e à vontade de terceiros ou até de uma coletividade;
[3]
William Glasser, doutor em psiquiatria e mestre em psicologia clínica de
nacionalidade norte-americana. Nasceu em 11 de maio de 1925. Faleceu em 23 de
agosto de 2013. Criador da Pirâmide de Aprendizagem. Desenvolveu as ideias de
W. Edwards Deming no local de trabalho e defendeu a terapia da realidade e a
teoria da escolha;
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