segunda-feira, 18 de agosto de 2025

O Futuro da Maçonaria no Brasil e no Mundo: um Ensaio Filosófico-andragógico

 Charles Evaldo Boller

A Maçonaria, em seu percurso de mais de trezentos anos na forma especulativa e de milênios em sua gênese operativa e simbólica, apresenta-se como uma instituição em constante metamorfose. Sua vitalidade depende da fidelidade aos princípios imemoriais e, ao mesmo tempo, da capacidade de inovar em meios, métodos e linguagens. No limiar do terceiro milênio, com a aceleração das transformações tecnológicas, sociais e culturais, urge refletir sobre o futuro da Ordem, não como exercício profético, mas como prática filosófica e educativa, ancorada no livre pensar que constitui a essência da chamada Arte Real.

Raízes da Arte Real e sua Atualidade

Historicamente, a Arte Real foi associada tanto às práticas construtivas dos pedreiros medievais quanto ao cultivo filosófico de nobres e sacerdotes da Grécia e do Egito. A ideia central permanece: o ócio criativo[1] como espaço privilegiado para a elevação espiritual e o planejamento da vida em sociedade.

O maçom moderno, reunido em loja, atualiza esse legado. Ao vivenciar símbolos e rituais, ensaia uma microssociedade utópica, fundada na liberdade, na fraternidade e na busca pela Verdade. Este ensaio, mais que representação, é laboratório: no convívio ritualístico e no debate filosófico, os indivíduos experimentam formas de organização que pretendem irradiar para a sociedade profana.

A Liberdade como Valor Fundante

A Maçonaria exige do candidato que seja "livre e de bons costumes". Essa cláusula pétrea, presente em todas as obediências, expressa uma realidade: só o adulto consciente, autônomo e responsável pode trilhar o caminho iniciático. O escravo, seja de vícios, de ideologias ou de sistemas de dominação, não está apto a exercitar o livre pensar.

Liberdade, contudo, não é apenas independência individual. Na filosofia maçônica, ela é raiz de todas as virtudes: da liberdade brotam a justiça, a solidariedade, a tolerância e a dignidade. O futuro da Ordem depende de como os maçons traduzem essa liberdade em práticas concretas de cidadania e transformação social.

Conflitos, Diversidade e o Caos Criativo

A história da Maçonaria é marcada por cisões, disputas de poder e multiplicação de obediências. Longe de ser sinal de decadência, essa diversidade pode ser lida como reflexo do caos criativo que a própria filosofia maçônica cultiva. Assim como o Universo, que aparenta desordem, mas obedece a leis sutis, a Ordem se fortalece na pluralidade.

O futuro, portanto, não repousa na uniformidade, mas na capacidade de acolher correntes distintas sob a égide do livre pensar. A unidade, na Maçonaria, é mais simbólica do que institucional: consiste no reconhecimento recíproco dos princípios que sustentam a Arte Real.

Tecnologia, Passividade e Desafios de Engajamento

Vivemos um paradoxo. A sociedade nunca teve tanto acesso à informação, mas também nunca esteve tão passiva diante de estímulos audiovisuais. Plataformas digitais transformam cidadãos em consumidores de distrações, reduzindo o espaço para a introspecção e a reflexão crítica.

Nesse contexto, a Maçonaria corre o risco de perder atratividade se não oferecer experiências intelectuais e espirituais significativas. O adulto moderno exige retorno claro do investimento de tempo e recursos: deseja evolução pessoal, reconhecimento social, apoio emocional e estímulo à criatividade.

Daí decorre a urgência de reformular métodos de transmissão do saber maçônico, com técnicas adequadas à aprendizagem de adultos, a Andragogia.

Andragogia e Filosofia Maçônica

Ao contrário da pedagogia, técnica de ensino focada na criança, que pressupõe dependência e heteronomia[2], a andragogia parte do princípio de que o adulto é autônomo, traz bagagens prévias e só aprende aquilo que percebe como útil. Malcolm Knowles, pioneiro nesse campo, destacou que a aprendizagem adulta se motiva pela relevância prática, pela resolução de problemas e pela aplicação imediata.

Transportada para a loja maçônica, essa teoria sugere mudanças:

·         Instruções ritualísticas não podem ser lidas mecanicamente, mas discutidas em debates orientados.

·         O mestre deixa de ser mero repetidor e torna-se facilitador do processo, incentivando a dúvida e a reflexão crítica.

·         Os obreiros são tratados como sujeitos ativos, capazes de contribuir com suas experiências profissionais, culturais e existenciais.

·         A motivação nasce quando os temas filosóficos se conectam às demandas reais da vida social, política e espiritual.

O Valor do Debate

A prática do debate é o mais poderoso instrumento de aprendizagem maçônica. O templo torna-se espaço dialógico, em que teses, antíteses e sínteses se sucedem num ciclo de enriquecimento mútuo.

William Glasser[3], em sua pirâmide de aprendizagem, aponta o debate com 70% de aprendizagem, enquanto o método de simples leitura, aparece apenas com 10% de aproveitamento; já o ensino, obrigação de todo mestre maçom, possibilita 95% de aprendizagem.

O debate como dinâmica de grupo tem efeito psicológico profundo: gera pertencimento, desperta a criatividade e transforma a loja em lugar de prazer intelectual. Não é à toa que muitos mestres se cansam da leitura mecânica de instruções e anseiam por debates vivos. O futuro da Maçonaria depende de quanto se conseguirá transformar as sessões em laboratórios de ideias.

O Estudo Pessoal e o Acompanhamento Formativo

Aprendizes e companheiros necessitam de acompanhamento próximo. Reuniões paralelas de estudo, conduzidas por mestres preparados, atuando como facilitadores, fortalecem a base filosófica e garantem a formação de líderes. O ritual, em si, é apenas ponto de partida: precisa ser interpretado, debatido e aplicado.

Esse processo demanda método: fragmentação de temas, uso da dúvida como estímulo cognitivo, aplicação prática de símbolos e alegorias. A instrução maçônica só se torna significativa quando traduzida em soluções para dilemas pessoais e sociais.

O Hábito da Frequência em Todas as Sessões

Para incutir o hábito saudável e disciplinado da frequência em todas as sessões, é recomendável que aprendizes e companheiros se façam presentes inclusive nas reuniões destinadas aos companheiros e mestres, ocasião em que se reúnem com um mestre designado e preparado para o estudo operando como facilitador. Tal prática não apenas os atualiza em relação à ritualística e à legislação maçônica, como também lhes permite remover dúvidas, consolidar ensinamentos e ampliar horizontes intelectuais.

A presença constante nas sessões é uma forma de internalizar a vivência maçônica em sua plenitude: observar os trabalhos dos mestres, participar de debates filosóficos, assimilar discussões sobre temas diversos e testemunhar a aplicação prática dos princípios da Ordem. Trata-se de uma oportunidade insubstituível de educação continuada, em que o contato com diferentes perspectivas fortalece tanto a formação intelectual quanto a maturidade espiritual.

Ao integrar-se regularmente aos trabalhos da loja, aprendiz e companheiro desenvolvem não apenas o senso de pertencimento, mas também o compromisso ético e iniciático com a instituição. Frequentar é aprender pelo exemplo, é vivenciar o simbolismo aplicado à prática cotidiana e é, sobretudo, preparar-se para assumir responsabilidades mais amplas no futuro. Assim, a constância de presença não se reduz a mera formalidade, mas converte-se em exercício de aperfeiçoamento pessoal e coletivo, sustentado pelo diálogo, pela reflexão e pela convivência fraterna.

O Futuro e a Inovação Filosófica

O futuro da Ordem não está na multiplicação de cargos ou títulos, mas na arte de filosofar. O piso em mosaico da loja simboliza esse parque de diversão intelectual, onde se joga com ideias que não se provam empiricamente, mas que mobilizam a imaginação e constroem sentido.

O grande desafio é conjugar tradição e inovação: preservar a sacralidade do rito sem abrir mão das ferramentas modernas de comunicação e das metodologias didáticas contemporâneas.

Se a ordem "ouvir" as demandas do homem moderno, em busca de pertencimento, sentido e evolução, continuará a cumprir sua missão de ser escola de liberdade e fraternidade.

Conclusão

A Maçonaria do futuro será o reflexo da coragem de seus líderes em aplicar técnicas de ensino voltadas para adultos, fomentar debates, investir no estudo filosófico e valorizar a liberdade como matriz de todas as virtudes.

A evasão dos templos não se reverterá por mera propaganda ou ritual repetitivo. Exige-se formação sólida de mestres como facilitadores, motivação prática para os obreiros e o cultivo de uma cultura de debate que transforme cada sessão em experiência transformadora.

O futuro da Ordem, no Brasil e no mundo, é do tamanho dos sonhos dos que ousam filosofar. Enquanto houver homens dispostos a pensar livremente e a trabalhar pela construção do seu templo interior, a chama da Maçonaria permanecerá acesa sobre a Terra.

Bibliografia

1.      AQUINO, Carlos Tasso Eira de. Como Aprender, Andragogia e as Habilidades de Aprendizagem. Pearson. Obra fundamental para compreender os princípios da aprendizagem adulta, aplicáveis diretamente ao ensino maçônico;

2.      ARIBO. Andragogia. Simplíssimo, Livros Digitais. Texto introdutório que oferece visão prática sobre o tema, com sugestões aplicáveis a contextos de formação continuada;

3.      BELLAN, Zezina. Andragogia em Ação. Socep Editora. Manual de práticas andragógicas, útil para dirigentes de loja que desejam aplicar métodos eficazes no ensino maçônico;

4.      KAROLCZAK, Maria Eloisa; KAROLCZAK, Marcio. Andragogia, Liderança, Administração e Educação. Relaciona técnicas de ensino adulto à liderança e administração, pontos essenciais para o exercício do ofício maçônico;

5.      LARANJEIRA, Darcy. Andragogia na Educação Formal. Clube de Autores. Debate a inserção da andragogia em ambientes educacionais formais, inspiração para sua adaptação à ritualística maçônica;

6.      MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. Um clássico que articula lazer, trabalho e aprendizado, conceito crucial para entender a Maçonaria como espaço de ócio construtivo;

7.      MOREIRA, Ivelise de Maria Mena Barreto. Importância da Andragogia no Ensino Superior da Ciência Contábil. Apesar de aplicada à contabilidade, traz reflexões úteis para qualquer processo educativo adulto, incluindo a Maçonaria;

8.      RUSSELL, Bertrand. O Elogio ao Ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 1935. Ensaio filosófico que legitima o valor do ócio como fonte de criatividade e progresso, alinhando-se à noção maçônica de Arte Real;



[1] O ócio criativo, conceito desenvolvido pelo sociólogo italiano Domenico De Masi, refere-se à prática de usar o tempo livre, ou ócio, de forma produtiva, explorando a criatividade e a inovação. Em vez de ver o ócio como simples descanso ou inatividade, o ócio criativo a enxerga como oportunidade para gerar novas ideias e soluções, integrando lazer e aprendizado com o trabalho e a vida pessoal;

[2] Heteronomia, de origem grega, é um conceito que foi criado por Kant para denominar a sujeição do indivíduo e à vontade de terceiros ou até de uma coletividade;

[3] William Glasser, doutor em psiquiatria e mestre em psicologia clínica de nacionalidade norte-americana. Nasceu em 11 de maio de 1925. Faleceu em 23 de agosto de 2013. Criador da Pirâmide de Aprendizagem. Desenvolveu as ideias de W. Edwards Deming no local de trabalho e defendeu a terapia da realidade e a teoria da escolha;

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