sexta-feira, 15 de agosto de 2025

A Salvação do Homem Livre, a Jornada Maçônica e o Ideal de Salvação

 Charles Evaldo Boller

A Maçonaria, no Rito Escocês Antigo e Aceito, apresenta-se como via de aperfeiçoamento humano que transcende fronteiras religiosas, políticas ou culturais. Seu ideal supremo não é salvar o homem segundo dogmas estabelecidos, mas sim conduzi-lo a uma experiência de autossalvação, fundada na liberdade de pensar, na fraternidade universal e no cultivo das virtudes.

O maçom não se submete a um credo obrigatório, nem a uma ortodoxia que lhe imponha verdades imutáveis. Ele busca nascer para si mesmo, o que implica morrer simbolicamente para uma vida condicionada pela ignorância, preconceito e servidão intelectual. Em cada elevação ou exaltação de grau, ocorre um renascimento simbólico, que representa não apenas a assimilação de novos conhecimentos, mas a libertação de prisões mentais.

No Rito Escocês Antigo e Aceito, essa jornada se constrói por etapas, desde os graus simbólicos até os filosóficos e administrativos, formando uma espiral de ascensão, onde cada volta amplia a consciência, a autonomia e a responsabilidade do iniciado. Esse é o caminho que o conduz a uma "salvação" laica e racional, que se distingue das concepções tradicionais por estar ancorada na liberdade e no amor fraterno.

Filosofia da Morte e do Renascimento no Rito Escocês Antigo e Aceito

O "Morrer para Viver"

A expressão "morrer para viver melhor" não é mero recurso retórico, mas um dos fundamentos do simbolismo maçônico. A morte simbólica, representada nos rituais, convida o iniciado a deixar para trás velhos padrões de pensamento e comportamento que o mantêm preso à "menoridade", termo que Kant utilizou para designar a dependência intelectual e moral de outrem.

A "vida nova" que se segue a essa morte ritual é marcada pela disposição de assumir o comando da própria existência, construindo sentido e propósito através do uso ativo da razão e da ética.

O Mito da Ressurreição Simbólica

As ressurreições simbólicas sucessivas nos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito não se destinam a iludir com promessas místicas, mas a exercitar a consciência para a aceitação da finitude e para o fortalecimento moral diante dela. Esse processo integra elementos filosóficos estoicos, epicuristas e cristãos primitivos, reinterpretados à luz do humanismo iluminista.

Liberdade: Pilar da Salvação Maçônica

Liberdade de Pensar

Para o maçom, a liberdade não é um adorno da vida feliz, mas o núcleo da própria dignidade humana. Ela não se resume à liberdade política ou civil, mas se expressa, sobretudo, como liberdade interior: o poder de julgar, decidir e crer ou não crer, conforme a própria consciência.

Essa liberdade intelectual exige coragem para confrontar sistemas que, embora ofereçam segurança psicológica ou comunitária, cobram o alto preço da submissão mental. É nesse ponto que o maçom se afasta de concepções religiosas dogmáticas e de materialismos fechados, mantendo-se aberto tanto ao transcendente quanto à crítica racional.

Fé Raciocinada

A Maçonaria não nega a fé, mas a submete ao crivo da razão. A fé raciocinada é aquela que dialoga com o conhecimento e se recusa a ser cega, pois reconhece que a credulidade acrítica serve de instrumento ao poder escravocrata, seja religioso, científico ou político.

Filosofar como Arte da Libertação

Filosofia Maçônica e Autoconhecimento

Filosofar, para o maçom, é exercitar a arte de pensar livremente, buscando não apenas compreender o mundo, mas, sobretudo, conhecer-se a si mesmo. Essa máxima délfica, "gnôthi seautón[1]" é essencial ao método maçônico, que propõe a construção de uma autoimagem digna e uma autoestima equilibrada como antídotos à angústia existencial.

A Morte como Horizonte da Razão

A consciência da morte, longe de paralisar, impulsiona o iniciado a viver com plenitude. Grandes pensadores presentes na tradição maçônica, de Epicuro a Montaigne, concordam que compreender a morte é libertar-se do medo, abrindo espaço para uma vida mais justa e fraterna.

A Salvação como Serenidade

A salvação do homem livre no Rito Escocês Antigo e Aceito não é promessa de um paraíso pós-morte, mas a conquista da serenidade diante da finitude. Essa serenidade nasce da harmonia entre liberdade de pensamento, amor fraterno e ação justa no mundo.

Tal concepção aproxima-se da ética de Espinosa, que identificava a liberdade com a compreensão das leis necessárias da Natureza, e da noção estoica de viver de acordo com a razão universal (logos[2]).

Dimensão Social e Prática da Salvação Maçônica

Convivência Fraterna

As reuniões filosóficas maçônicas criam espaços de convivência sem conflitos destrutivos, onde se exercita a escuta, a argumentação respeitosa e o diálogo construtivo. Tais práticas não apenas consolidam o tecido fraternal interno, mas se refletem na atuação do maçom em sua comunidade.

Resistência ao Sistema Massificador

Ao cultivar independência intelectual e emocional, o maçom resiste à homogeneização cultural e moral promovida por estruturas de poder que visam transformar cidadãos em meros consumidores ou seguidores.

Prática de Virtudes

A liberdade e o amor fraterno traduzem-se em ações concretas: auxílio aos necessitados, defesa da justiça, promoção da educação e incentivo ao pensamento crítico.

Aplicações Práticas Contemporâneas

·         Na vida pessoal: a filosofia maçônica auxilia o indivíduo a superar crises existenciais, ansiedades e conflitos de identidade.

·         No trabalho: desenvolve liderança ética, tomada de decisão baseada em princípios e habilidades de mediação de conflitos.

·         Na sociedade: promove engajamento cívico, defesa das liberdades fundamentais e combate a todo tipo de opressão ideológica.

Considerações Metafísicas e Esotéricas

Embora mantenha seu discurso no campo da razão, a Maçonaria não ignora o mistério. O maçom admite a plausibilidade de formas de existência pós-morte em termos energéticos ou espirituais, sem se prender a narrativas fixas. Esse espaço aberto ao mistério reforça a humildade intelectual e o respeito à diversidade de crenças.

A Justificativa de Ser

O homem livre encontra sua salvação na certeza racional de que sua vida tem um sentido, mesmo que tal sentido não seja revelado em detalhes. Essa convicção, nutrida por liberdade e amor, liberta-o tanto da escravidão espiritual quanto da alienação materialista, permitindo-lhe viver e morrer em paz.

Bibliografia

  1. KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é o Esclarecimento? Fundamenta a ideia de "saída da menoridade" e da coragem de pensar por si mesmo, central à liberdade maçônica;
  2. ESPINOSA, Baruch. Ética Demonstrada segundo a Ordem Geométrica. Relaciona liberdade e necessidade, mostrando que compreender as leis da Natureza é condição para a verdadeira salvação;
  3. PLATÃO. Apologia de Sócrates. Reflete sobre a morte e a virtude, ecoando no ideal maçônico de serenidade diante da finitude;
  4. MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Trata da morte como aprendizado para viver, perspectiva assimilada pela Maçonaria;
  5. EPICURO. Carta a Meneceu. Aponta que a morte não deve ser temida, pois enquanto vivemos ela não está presente, e quando ela chega já não existimos;
  6. PIMENTEL, José Castellani. História do Rito Escocês Antigo e Aceito no Brasil. Contextualiza o REAA, seu simbolismo e filosofia, conectando-os ao ideal de liberdade;
  7. MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry. Reúne conceitos e símbolos relevantes para compreender a noção maçônica de salvação e renascimento;
  8. HUXLEY, Aldous. Filosofia Perene. Apresenta a convergência de tradições espirituais na busca de libertação interior, paralela ao ideal maçônico;



[1] "Gnothi Seautón" é uma frase grega antiga que significa "conhece-te a ti mesmo". É uma das máximas délficas inscritas no Templo de Apolo em Delfos. A frase tem sido interpretada de diversas maneiras ao longo da história, mas geralmente se refere à importância do autoconhecimento e da introspecção;

[2] "Logos", do grego, é um conceito com múltiplos significados, geralmente traduzido como palavra, discurso, razão ou ordem. Na filosofia, refere-se a uma ordem racional subjacente ao Universo ou à razão divina. Na retórica, logos é uma técnica persuasiva que apela à lógica e à razão, utilizando fatos e evidências para convencer o público;

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