Charles Evaldo Boller
A Maçonaria, no Rito Escocês Antigo e Aceito, apresenta-se como
via de aperfeiçoamento humano que transcende fronteiras religiosas, políticas
ou culturais. Seu ideal supremo não é salvar o homem segundo dogmas
estabelecidos, mas sim conduzi-lo a uma experiência de autossalvação, fundada
na liberdade de pensar, na fraternidade universal e no cultivo das virtudes.
O maçom não se submete a um credo obrigatório, nem a uma
ortodoxia que lhe imponha verdades imutáveis. Ele busca nascer para si mesmo,
o que implica morrer simbolicamente para uma vida condicionada pela
ignorância, preconceito e servidão intelectual. Em cada elevação ou
exaltação de grau, ocorre um renascimento simbólico, que representa não apenas
a assimilação de novos conhecimentos, mas a libertação de prisões mentais.
No Rito
Escocês Antigo e Aceito, essa jornada se constrói por etapas, desde os
graus simbólicos até os filosóficos e administrativos, formando uma espiral de
ascensão, onde cada volta amplia a consciência, a autonomia e a responsabilidade
do iniciado. Esse é o caminho que o conduz a uma "salvação" laica e racional, que se distingue das concepções
tradicionais por estar ancorada na liberdade e no amor fraterno.
Filosofia da Morte e do Renascimento no Rito Escocês Antigo e Aceito
O "Morrer para Viver"
A expressão "morrer
para viver melhor" não é mero recurso retórico, mas um dos fundamentos
do simbolismo maçônico. A morte simbólica, representada nos rituais, convida o
iniciado a deixar para trás velhos padrões de pensamento e comportamento que o
mantêm preso à "menoridade",
termo que Kant utilizou para designar a dependência intelectual e moral de
outrem.
A "vida nova"
que se segue a essa morte ritual é marcada pela disposição de assumir o comando
da própria existência, construindo sentido e propósito através do uso ativo da
razão e da ética.
O Mito da Ressurreição Simbólica
As ressurreições simbólicas sucessivas nos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito
não se destinam a iludir com promessas místicas, mas a exercitar a consciência
para a aceitação da finitude e para o fortalecimento moral diante dela. Esse
processo integra elementos filosóficos estoicos, epicuristas e cristãos
primitivos, reinterpretados à luz do humanismo iluminista.
Liberdade: Pilar da Salvação Maçônica
Liberdade de Pensar
Para o maçom, a liberdade não é um adorno da vida feliz, mas o
núcleo da própria dignidade humana. Ela não se resume à liberdade política ou
civil, mas se expressa, sobretudo, como liberdade interior: o poder de
julgar, decidir e crer ou não crer, conforme a própria consciência.
Essa liberdade intelectual exige coragem para confrontar
sistemas que, embora ofereçam segurança psicológica ou comunitária, cobram o
alto preço da submissão mental. É nesse ponto que o maçom se afasta de
concepções religiosas dogmáticas e de materialismos fechados, mantendo-se
aberto tanto ao transcendente quanto à crítica racional.
Fé Raciocinada
A Maçonaria não nega a fé, mas a submete ao crivo da razão. A fé
raciocinada é aquela que dialoga com o conhecimento e se recusa a ser cega,
pois reconhece que a credulidade acrítica serve de instrumento ao poder
escravocrata, seja religioso, científico ou político.
Filosofar como Arte da Libertação
Filosofia Maçônica e Autoconhecimento
Filosofar, para o maçom, é exercitar a arte de pensar
livremente, buscando não apenas compreender o mundo, mas, sobretudo,
conhecer-se a si mesmo. Essa máxima délfica, "gnôthi seautón[1]"
é essencial ao método maçônico, que propõe a construção de uma autoimagem digna
e uma autoestima equilibrada como antídotos à angústia existencial.
A Morte como Horizonte da Razão
A consciência da morte, longe de paralisar, impulsiona o
iniciado a viver com plenitude. Grandes pensadores presentes na tradição
maçônica, de Epicuro a Montaigne, concordam que compreender a morte é libertar-se
do medo, abrindo espaço para uma vida mais justa e fraterna.
A Salvação como Serenidade
A salvação do homem livre no Rito Escocês Antigo e Aceito não é promessa de um
paraíso pós-morte, mas a conquista da serenidade diante da finitude. Essa
serenidade nasce da harmonia entre liberdade de pensamento, amor fraterno e
ação justa no mundo.
Tal concepção aproxima-se da ética de Espinosa, que identificava
a liberdade com a compreensão das leis necessárias da Natureza, e da noção
estoica de viver de acordo com a razão universal (logos[2]).
Dimensão Social e Prática da Salvação Maçônica
Convivência Fraterna
As reuniões filosóficas maçônicas criam espaços de convivência
sem conflitos destrutivos, onde se exercita a escuta, a argumentação respeitosa
e o diálogo construtivo. Tais práticas não apenas consolidam o tecido fraternal
interno, mas se refletem na atuação do maçom em sua comunidade.
Resistência ao Sistema Massificador
Ao cultivar independência intelectual e emocional, o maçom
resiste à homogeneização cultural e moral promovida por estruturas de poder que
visam transformar cidadãos em meros consumidores ou seguidores.
Prática de Virtudes
A liberdade e o amor fraterno traduzem-se em ações concretas:
auxílio aos necessitados, defesa da justiça, promoção da educação e incentivo
ao pensamento crítico.
Aplicações Práticas Contemporâneas
·
Na vida pessoal: a filosofia maçônica
auxilia o indivíduo a superar crises existenciais, ansiedades e conflitos de
identidade.
·
No trabalho: desenvolve liderança ética,
tomada de decisão baseada em princípios e habilidades de mediação de conflitos.
·
Na sociedade: promove engajamento cívico,
defesa das liberdades fundamentais e combate a todo tipo de opressão
ideológica.
Considerações Metafísicas e Esotéricas
Embora mantenha seu discurso no campo da razão, a Maçonaria não
ignora o mistério. O maçom admite a plausibilidade de formas de existência
pós-morte em termos energéticos ou espirituais, sem se prender a narrativas
fixas. Esse espaço aberto ao mistério reforça a humildade intelectual e o
respeito à diversidade de crenças.
A Justificativa de Ser
O homem livre encontra sua salvação na certeza racional de
que sua vida tem um sentido, mesmo que tal sentido não seja revelado em
detalhes. Essa convicção, nutrida por liberdade e amor, liberta-o tanto da
escravidão espiritual quanto da alienação materialista, permitindo-lhe viver e
morrer em paz.
Bibliografia
- KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é o Esclarecimento? Fundamenta a ideia de "saída da menoridade" e da coragem de pensar por si mesmo, central à liberdade maçônica;
- ESPINOSA, Baruch. Ética Demonstrada segundo a Ordem Geométrica. Relaciona liberdade e necessidade, mostrando que compreender as leis da Natureza é condição para a verdadeira salvação;
- PLATÃO. Apologia de Sócrates. Reflete sobre a morte e a virtude, ecoando no ideal maçônico de serenidade diante da finitude;
- MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Trata da morte como aprendizado para viver, perspectiva assimilada pela Maçonaria;
- EPICURO. Carta a Meneceu. Aponta que a morte não deve ser temida, pois enquanto vivemos ela não está presente, e quando ela chega já não existimos;
- PIMENTEL, José Castellani. História do Rito Escocês Antigo e Aceito no Brasil. Contextualiza o REAA, seu simbolismo e filosofia, conectando-os ao ideal de liberdade;
- MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry. Reúne conceitos e símbolos relevantes para compreender a noção maçônica de salvação e renascimento;
- HUXLEY, Aldous. Filosofia Perene. Apresenta a convergência de tradições espirituais na busca de libertação interior, paralela ao ideal maçônico;
[1] "Gnothi
Seautón" é uma frase grega antiga que significa "conhece-te a
ti mesmo". É uma das máximas délficas inscritas no Templo de Apolo em
Delfos. A frase tem sido interpretada de diversas maneiras ao longo da
história, mas geralmente se refere à importância do autoconhecimento e da
introspecção;
[2] "Logos",
do grego, é um conceito com múltiplos significados, geralmente traduzido como
palavra, discurso, razão ou ordem. Na filosofia, refere-se a uma ordem racional
subjacente ao Universo ou à razão divina. Na retórica, logos é uma técnica
persuasiva que apela à lógica e à razão, utilizando fatos e evidências para
convencer o público;
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