sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Grau 4, a Ética da Discrição de um Guardião da Fidelidade

 Charles Evaldo Boller

O grau 4 do Rito Escocês Antigo e Aceito, denominado Mestre Secreto, marca a transição do simbolismo para os graus filosóficos e administrativos. Este grau introduz ao maçom um novo patamar de responsabilidade moral, intelectual e espiritual. Deixa de ser apenas um operário da pedra e passa a ser um guardião do conhecimento, confiável, vigilante e comprometido com o aperfeiçoamento humano. Esta nova condição simbólica impõe ao adulto iniciado a tarefa de integrar na sua existência os valores que sustentam a liberdade, a ética, a autonomia, o autoconhecimento e o serviço à coletividade.

Este é um enfoque erudito e andragógico dos principais valores práticos do grau 4, relacionando-os com as exigências da vida adulta no século XXI, abordando suas repercussões no campo econômico, educacional, emocional, cultural, espiritual e familiar.

A Ética da Discrição e o Compromisso com a Verdade

O principal símbolo do grau 4 é a chave dourada, representando o segredo, a discrição, a responsabilidade e a guarda do saber. A filosofia deste grau está profundamente vinculada à ética da verdade interior, à vigilância dos impulsos e à construção do caráter. Ao tornar-se Mestre Secreto, o maçom compreende que a liberdade não é ausência de limites, mas responsabilidade perante o saber adquirido e maturidade na escolha dos caminhos a seguir.

Essa lição é particularmente relevante para o adulto que busca liberdade e autonomia: valores que não são concedidos, mas construídos pela reflexão ética, pela disciplina interior e pela capacidade de tomar decisões com base em princípios sólidos. A autonomia, segundo Immanuel Kant, só é possível quando o indivíduo age conforme a lei moral dentro de si (Kant, 2004).

Aplicações Econômicas e o Controle Financeiro com Ética

No contexto contemporâneo, a simbologia do segredo pode ser entendida como domínio das emoções e dos impulsos imediatistas, inclusive no plano financeiro. O Mestre Secreto, ao ser o guardião dos tesouros simbólicos, cultiva o controle financeiro, a prudência nos gastos e o planejamento a longo prazo, elementos essenciais para a vida do adulto, quer como proprietário, gerente ou funcionário.

A educação financeira, quando iluminada por princípios éticos, transforma o indivíduo em um agente de estabilidade para si, sua família e sua comunidade. Nesse sentido, o valor da ética econômica se alinha com o ensinamento do grau 4: saber guardar, usar com sabedoria, investir com consciência e partilhar com justiça.

Edificação Moral e Desenvolvimento da Liderança

O grau 4 inicia o maçom na edificação moral ampla, fundamento da liderança eficiente. O adulto, no mundo profano ou iniciático, é chamado a exercer liderança transformadora, aquela que não apenas organiza, mas inspira, que não apenas manda, mas serve.

A liderança maçônica deve estar ancorada na moralidade, na coerência entre discurso e prática, no exemplo e na vigilância constante de si. O Mestre Secreto lidera pelo silêncio fecundo e pelo saber ponderado, como ensina Platão em sua doutrina da paideia[1]: formar líderes éticos é formar almas ordenadas (Platão, 1991).

Desenvolvimento Humano na Família

Outro campo fundamental da atuação do Mestre Secreto é a família. A vigilância simbólica exercida na loja se traduz, no lar, em presença afetiva, escuta ativa, apoio ao crescimento dos filhos e respeito à companheira. A maturidade emocional do adulto é testada, sobretudo, nas relações íntimas, e exige inteligência emocional (Goleman, 1995) para mediar conflitos, sustentar vínculos e promover um ambiente de crescimento mútuo.

O maçom não é um asceta[2] isolado do mundo: ele está presente na vida familiar como formador, cuidador e exemplo de integridade.

Inteligência Como Virtude Filosófica e Prática

A inteligência, no grau 4, não é mera acuidade mental, mas sabedoria aplicada. É o saber que se cala quando o silêncio edifica, e que fala quando o silêncio omite. A inteligência aqui é sinônimo de discernimento, de ponderação e de capacidade de julgar retamente.

No adulto, essa inteligência é desenvolvida pela experiência, pelo estudo contínuo, pelo diálogo com as humanidades e as ciências. A filosofia maçônica valoriza a formação do livre-pensador, aquele que sabe pensar por si mesmo, que se liberta das amarras do dogmatismo e do conformismo.

Incremento Cultural e Vida Acadêmica

O Mestre Secreto é um estudioso por natureza. Ele compreende que o conhecimento é Luz, e que só há progresso com cultura, ciência e estudo. Assim, ele se engaja na vida acadêmica, científica e social, não como mero observador, mas como alguém que busca compreender e transformar o mundo.

O adultocentrismo[3] andragógico (Knowles, 1980) postula que a motivação do adulto para aprender está intrinsecamente relacionada à aplicabilidade do saber em sua realidade concreta. O maçom, nesse sentido, é um eterno estudante[4], motivado por objetivos práticos e existenciais.

Educação Emocional e Ciências Humanas

O aprendizado emocional é essencial para o grau 4. O segredo a ser guardado não é apenas intelectual, mas também afetivo. Saber o que se sente, nomear emoções, compreender reações e cultivar empatia são habilidades indispensáveis ao Mestre Secreto.

O diálogo com as ciências humanas (psicologia, sociologia, antropologia) e com as religiões comparadas fortalece essa formação integral. O maçom é chamado a ser um homem universal, que reconhece a pluralidade dos caminhos espirituais e aprende com todos.

Aprendizado Contínuo e Andragogia

O Método Andragógico se fundamenta na premissa de que o adulto aprende de modo diferente da criança: ele necessita compreender o "porquê" de aprender, deseja autonomia no processo e valoriza experiências concretas (Knowles, 1980).

No grau 4, o maçom inicia uma fase de aprendizagem contínua e profunda, marcada por um saber estruturado, sistemático e voltado à transformação interior. Este grau, portanto, se alinha ao aprendizado da interiorização, que busca a maturação do ser por meio do autoconhecimento e da reflexão crítica.

Transformação Interna, Despertar da Consciência e do Ser Sagrado

A filosofia do grau 4 não se limita à moral externa, mas propõe uma verdadeira transformação interna. Guardar o segredo é guardar o fogo interior que ilumina a consciência. A chave dourada é símbolo da alma em processo de iluminação.

Este processo implica o despertar do ser sagrado dentro do homem — não como adesão a um dogma específico, mas como reencontro com o Mistério, o Inefável[5], o Transcendente. A espiritualidade é vivida como busca, como abertura ao invisível, como escuta interior e como ética da compaixão.

Aplicações na Vida Profissional e Social

No ambiente profissional, seja como proprietário, funcionário ou gerente, o Mestre Secreto é exemplo de eficiência ética. Ele sabe guardar informações sensíveis, administrar conflitos, promover a justiça organizacional e cultivar a confiança. Sua liderança é solidária, estratégica e discreta.

Na vida social, ele é chamado à ação consciente, seja no voluntariado, nas associações culturais, nas universidades, ou nos conselhos comunitários. Sua missão é construir pontes, ampliar horizontes e cultivar a paz onde houver desordem.

Conclusão

O grau 4 do Rito Escocês Antigo e Aceito representa um marco de profundidade moral e intelectual na jornada do maçom. Ele convida o adulto a viver com responsabilidade, discrição, sabedoria e espiritualidade. Os valores trabalhados neste grau — liberdade, autonomia, ética, liderança, inteligência, cultura, educação emocional, espiritualidade e transformação interior — não são abstrações, mas ferramentas práticas para uma existência plena e coerente com os ideais da Maçonaria.

A filosofia deste grau é um chamado à guarda do sagrado que habita em cada ser humano e ao compromisso com um mundo mais justo, mais consciente e mais iluminado.

Referências Bibliográficas

1.      ELIAS, Norbert, O Processo Civilizador, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994;

2.      GOLEMAN, Daniel, Inteligência emocional, Rio de Janeiro, Objetiva, 1995;

3.      GUSDORF, Georges, O Saber e a Cultura, São Paulo, Editora Pedagógica Universitária, 2002;

4.      HARRIS, Robert, Transforming Leadership, Spirituality, Integrity and Professionalism in the Workplace, New York, Paulist Press, 2003;

5.      KANT, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos costumes, Tradução de J. A. Cruz Macedo, Lisboa, Edições 70, 2004;

6.      KNOWLES, Malcolm, The Modern Practice of Adult Education, From Pedagogy to Andragogy, Cambridge, Cambridge Books, 1980;

7.      MACKEY, Albert Galatin, The Symbolism of Freemasonry, New York, Masonic Publishing and Manufacturing Company, 1869;

8.      PLATÃO, A República, Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1991;

9.      STEIN, Robert, Maçonaria Filosófica, uma análise simbólica dos graus filosóficos do Rito Escocês Antigo e Aceito, São Paulo, Madras, 2011;



[1] Paideia refere-se ao sistema de educação e formação na Grécia Antiga. Mais do que um simples processo de aprendizado, a paideia buscava a formação integral do indivíduo, abrangendo tanto aspectos intelectuais quanto morais e físicos, com o objetivo de criar cidadãos virtuosos e capazes de participar ativamente na sociedade;

[2] Aceta, antes da instituição dos mosteiros, devoto dedicado a orações, privações e mortificações, sem ter pronunciado votos. Pessoa que se consagra a exercícios espirituais de autodisciplina;

[3] O adultocentrismo é uma prática social em que a sociedade é organizada a partir da perspectiva e dos interesses dos adultos, muitas vezes em detrimento das crianças e jovens, que são vistos como inferiores ou menos importantes. Isso se manifesta em diversas situações, como na desvalorização das opiniões e experiências infantis, na restrição de espaços e oportunidades para crianças, e na crença de que os adultos sempre sabem mais e devem ser obedecidos;

[4] Nunca um eterno aprendiz; chegará o momento em que o maçom torna-se mestre de si mesmo na iniciação interna;

[5] Que não se pode nomear ou descrever em razão de sua natureza, força, beleza; indizível, indescritível. Que causa imenso prazer; inebriante, delicioso, encantador;

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