Charles Evaldo Boller
O grau 4 do Rito Escocês Antigo e Aceito,
denominado Mestre Secreto, marca a transição do simbolismo para os graus
filosóficos e administrativos. Este grau introduz ao maçom um novo patamar de
responsabilidade moral, intelectual e espiritual. Deixa de ser apenas um
operário da pedra e passa a ser um guardião do conhecimento, confiável,
vigilante e comprometido com o aperfeiçoamento humano. Esta nova condição
simbólica impõe ao adulto iniciado a tarefa de integrar na sua existência os
valores que sustentam a liberdade, a ética, a autonomia, o autoconhecimento e o
serviço à coletividade.
Este é um enfoque erudito e andragógico dos
principais valores práticos do grau 4, relacionando-os com as exigências da
vida adulta no século XXI, abordando suas repercussões no campo econômico,
educacional, emocional, cultural, espiritual e familiar.
A Ética da Discrição e o Compromisso com a Verdade
O principal símbolo do grau 4 é a chave dourada,
representando o segredo, a discrição, a responsabilidade e a guarda do saber. A
filosofia deste grau está profundamente vinculada à ética da verdade interior,
à vigilância dos impulsos e à construção do caráter. Ao tornar-se Mestre
Secreto, o maçom compreende que a liberdade não é ausência de limites, mas
responsabilidade perante o saber adquirido e maturidade na escolha dos caminhos
a seguir.
Essa lição é particularmente relevante para o
adulto que busca liberdade e autonomia:
valores que não são concedidos, mas construídos pela reflexão ética, pela
disciplina interior e pela capacidade de tomar decisões com base em princípios
sólidos. A autonomia, segundo Immanuel Kant, só é possível quando o indivíduo
age conforme a lei moral dentro de si (Kant, 2004).
Aplicações Econômicas e o Controle Financeiro com Ética
No contexto contemporâneo, a simbologia do segredo
pode ser entendida como domínio das emoções e dos impulsos imediatistas,
inclusive no plano financeiro. O Mestre Secreto, ao ser o guardião dos tesouros
simbólicos, cultiva o controle
financeiro, a prudência nos gastos e o planejamento a longo prazo,
elementos essenciais para a vida do adulto, quer como proprietário, gerente ou
funcionário.
A educação financeira, quando iluminada por
princípios éticos, transforma o indivíduo em um agente de estabilidade para si,
sua família e sua comunidade. Nesse sentido, o valor da ética econômica se alinha com o ensinamento do grau 4: saber
guardar, usar com sabedoria, investir com consciência e partilhar com justiça.
Edificação Moral e Desenvolvimento da Liderança
O grau 4 inicia o maçom na edificação moral ampla, fundamento da liderança eficiente. O
adulto, no mundo profano ou iniciático, é chamado a exercer liderança transformadora, aquela que
não apenas organiza, mas inspira, que não apenas manda, mas serve.
A liderança maçônica deve estar ancorada na
moralidade, na coerência entre discurso e prática, no exemplo e na vigilância
constante de si. O Mestre Secreto lidera pelo silêncio fecundo e pelo saber
ponderado, como ensina Platão em sua doutrina da paideia[1]:
formar líderes éticos é formar almas ordenadas (Platão, 1991).
Desenvolvimento Humano na Família
Outro campo fundamental da atuação do Mestre
Secreto é a família. A
vigilância simbólica exercida na loja se traduz, no lar, em presença afetiva,
escuta ativa, apoio ao crescimento dos filhos e respeito à companheira. A
maturidade emocional do adulto é testada, sobretudo, nas relações íntimas, e
exige inteligência emocional (Goleman, 1995) para mediar conflitos, sustentar
vínculos e promover um ambiente de crescimento mútuo.
O maçom não é um asceta[2]
isolado do mundo: ele está presente na vida familiar como formador, cuidador e
exemplo de integridade.
Inteligência Como Virtude Filosófica e Prática
A inteligência,
no grau 4, não é mera acuidade mental, mas sabedoria aplicada. É o saber que se
cala quando o silêncio edifica, e que fala quando o silêncio omite. A
inteligência aqui é sinônimo de discernimento, de ponderação e de capacidade de
julgar retamente.
No adulto, essa inteligência é desenvolvida pela
experiência, pelo estudo contínuo, pelo diálogo com as humanidades e as
ciências. A filosofia maçônica valoriza a formação do livre-pensador, aquele que sabe pensar por si mesmo,
que se liberta das amarras do dogmatismo e do conformismo.
Incremento Cultural e Vida Acadêmica
O Mestre Secreto é um estudioso por natureza. Ele
compreende que o conhecimento é Luz, e que só há progresso com cultura, ciência
e estudo. Assim, ele se engaja na vida
acadêmica, científica e social, não como mero observador, mas como
alguém que busca compreender e transformar o mundo.
O adultocentrismo[3]
andragógico (Knowles, 1980) postula que a motivação do adulto para aprender
está intrinsecamente relacionada à aplicabilidade do saber em sua realidade
concreta. O maçom, nesse sentido, é um eterno estudante[4],
motivado por objetivos práticos e existenciais.
Educação Emocional e Ciências Humanas
O aprendizado emocional é essencial para o grau 4.
O segredo a ser guardado não é apenas intelectual, mas também afetivo. Saber o
que se sente, nomear emoções, compreender reações e cultivar empatia são
habilidades indispensáveis ao Mestre Secreto.
O diálogo com as ciências humanas (psicologia, sociologia, antropologia) e com as religiões comparadas fortalece essa
formação integral. O maçom é chamado a ser um homem universal, que reconhece a
pluralidade dos caminhos espirituais e aprende com todos.
Aprendizado Contínuo e Andragogia
O Método Andragógico se fundamenta na premissa de
que o adulto aprende de modo diferente da criança: ele necessita compreender o "porquê"
de aprender, deseja autonomia no processo e valoriza experiências concretas (Knowles,
1980).
No grau 4, o maçom inicia uma fase de aprendizagem
contínua e profunda, marcada por um saber estruturado, sistemático e voltado à
transformação interior. Este grau, portanto, se alinha ao aprendizado da
interiorização, que busca a maturação do ser por meio do autoconhecimento e da
reflexão crítica.
Transformação Interna, Despertar da Consciência e do Ser Sagrado
A filosofia do grau 4 não se limita à moral
externa, mas propõe uma verdadeira transformação
interna. Guardar o segredo é guardar o fogo interior que ilumina a
consciência. A chave dourada é símbolo da alma em processo de iluminação.
Este processo implica o despertar do ser sagrado dentro do homem — não como adesão a um
dogma específico, mas como reencontro com o Mistério, o Inefável[5],
o Transcendente. A espiritualidade é vivida como busca, como abertura ao
invisível, como escuta interior e como ética da compaixão.
Aplicações na Vida Profissional e Social
No ambiente profissional, seja como proprietário,
funcionário ou gerente, o Mestre Secreto é exemplo de eficiência ética. Ele sabe guardar informações sensíveis,
administrar conflitos, promover a justiça organizacional e cultivar a
confiança. Sua liderança é solidária, estratégica e discreta.
Na vida social, ele é chamado à ação consciente, seja no voluntariado,
nas associações culturais, nas universidades, ou nos conselhos comunitários.
Sua missão é construir pontes, ampliar horizontes e cultivar a paz onde houver
desordem.
Conclusão
O grau 4 do Rito Escocês Antigo e Aceito representa
um marco de profundidade moral e intelectual na jornada do maçom. Ele convida o
adulto a viver com responsabilidade, discrição, sabedoria e espiritualidade. Os
valores trabalhados neste grau — liberdade, autonomia, ética, liderança,
inteligência, cultura, educação emocional, espiritualidade e transformação
interior — não são abstrações, mas ferramentas práticas para uma existência
plena e coerente com os ideais da Maçonaria.
A filosofia deste grau é um chamado à guarda do
sagrado que habita em cada ser humano e ao compromisso com um mundo mais justo,
mais consciente e mais iluminado.
Referências Bibliográficas
1.
ELIAS, Norbert, O Processo Civilizador, Rio de
Janeiro, Jorge Zahar, 1994;
2.
GOLEMAN, Daniel, Inteligência emocional, Rio de
Janeiro, Objetiva, 1995;
3.
GUSDORF, Georges, O Saber e a Cultura, São Paulo,
Editora Pedagógica Universitária, 2002;
4. HARRIS, Robert, Transforming Leadership,
Spirituality, Integrity and Professionalism in the Workplace, New York, Paulist
Press, 2003;
5.
KANT, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos
costumes, Tradução de J. A. Cruz Macedo, Lisboa, Edições 70, 2004;
6.
KNOWLES, Malcolm, The Modern Practice of Adult
Education, From Pedagogy to Andragogy, Cambridge, Cambridge Books, 1980;
7. MACKEY, Albert Galatin, The Symbolism of
Freemasonry, New York, Masonic Publishing and Manufacturing Company, 1869;
8.
PLATÃO, A República, Tradução de Maria Helena da
Rocha Pereira, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1991;
9.
STEIN, Robert, Maçonaria Filosófica, uma análise
simbólica dos graus filosóficos do Rito Escocês Antigo e Aceito, São Paulo,
Madras, 2011;
[1]
Paideia refere-se ao sistema de educação e formação na Grécia Antiga. Mais do
que um simples processo de aprendizado, a paideia buscava a formação integral
do indivíduo, abrangendo tanto aspectos intelectuais quanto morais e físicos,
com o objetivo de criar cidadãos virtuosos e capazes de participar ativamente
na sociedade;
[2]
Aceta, antes da instituição dos mosteiros, devoto dedicado a orações, privações
e mortificações, sem ter pronunciado votos. Pessoa que se consagra a exercícios
espirituais de autodisciplina;
[3]
O adultocentrismo é uma prática social em que a sociedade é organizada a partir
da perspectiva e dos interesses dos adultos, muitas vezes em detrimento das
crianças e jovens, que são vistos como inferiores ou menos importantes. Isso se
manifesta em diversas situações, como na desvalorização das opiniões e
experiências infantis, na restrição de espaços e oportunidades para crianças, e
na crença de que os adultos sempre sabem mais e devem ser obedecidos;
[4]
Nunca um eterno aprendiz; chegará o momento em que o maçom torna-se mestre de
si mesmo na iniciação interna;
[5]
Que não se pode nomear ou descrever em razão de sua natureza, força, beleza;
indizível, indescritível. Que causa imenso prazer; inebriante, delicioso,
encantador;
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