terça-feira, 10 de outubro de 2023

Abertura do Livro da Lei

Pesquisa a respeito do procedimento ritualístico de abertura do livro da lei nas sessões maçônicas.

Charles Evaldo Boller


Razão para abrir o livro da lei

A abertura do livro da lei, no Rito Escocês Antigo e Aceito, em lojas onde prevalece a orientação cristã, em todas as circunstâncias e oportunidades, segue o pensamento de Albert Galatin Mackey (1807-1881). Nesse arrazoamento, a Bíblia Judaico-cristã nas lojas deveria permanecer sempre aberta, mesmo nos intervalos. Quando a loja é colocada em família para debates o conjunto deveria permanecer aberto e montado porque representa a influência da Grande Luz que ilumina os pensamentos. Só se desmontaria a cobertura do esquadro e do compasso, em presença de profanos e em intervalos de uma sessão e até isso pode ser considerado desnecessário, pois o símbolo composto é conhecido universalmente nos meios de comunicação e em diversas formas de mídia.

O temor de manter o livro da lei montado é compartilhado por minoria maçônica que apresenta como única justificativa a possibilidade remota de a Grande Loja Unida da Inglaterra deixar de reconhecer a obediência. Entretanto, essa mesma grande loja permite que suas atividades litúrgicas sejam filmadas e apresentadas na Internet e nestas o símbolo composto aparece em sua íntegra.

Paul Naudon (1915-2001), oferecendo sugestão para a solução das controvérsias suscitadas na França, escreve:

"O que conta, essencialmente, é a presença da Bíblia, mesmo fechada, como expressão da vontade revelada de Deus".

A Maçonaria anglo-saxônica exige que o livro da lei permaneça aberto e esteja coberto pelo esquadro e pelo compasso.

Albert Galatin Mackey (1807-1881) afirma que se trata de antigo uso da fraternidade que quer o livro da lei sempre aberto na loja. Como em tudo na Maçonaria, há nisto um simbolismo apropriado. O livro da lei é a grande luz da Maçonaria. Fechá-lo seria interceptar os raios da luz divina que dele emanam. Estando aberto indica que a loja não está nas trevas, mas sob a influência de um poder iluminativo; de uma emanação energética transcendental, divina.


Textos a Serem Lidos nos Diversos Graus

O livro da lei não está aberto a esmo. Para cada grau há passagens alusivas à finalidade do grau ou algum trecho do seu ritual, por isto o livro deve estar aberto naquelas passagens.

Usos maçônicos nem sempre são constantes e universais a respeito das passagens que devem ser lidas em cada grau.

Nos Estados Unidos da América, no primeiro grau, a bíblia judaico-cristã abre-se na eloquente descrição da beleza do amor fraternal, e, por esta razão, muito mais apropriada para ilustrar uma sociedade cuja existência depende daqueles nobres princípios.

"Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos! É como o óleo precioso sobre a cabeça, o qual desce para a barba, a barba de Arão, e desce para a gola de suas vestes. É como o orvalho do Hermom, que desce sobre os montes de Sião. Ali, ordena o Senhor a sua bênção e a vida para sempre." Salmos 133:1-3.

No segundo grau é feita alusão evidente ao prumo, emblema importante daquele grau:

"Mostrou-me também isto: eis que o Senhor estava sobre um muro levantado a prumo; e tinha um prumo na mão. O Senhor me disse: Que vês tu, Amós? Respondi: Um prumo. Então, me disse o Senhor: Eis que eu porei o prumo no meio do meu povo de Israel; e jamais passarei por ele." Amós 7:7,8.

No terceiro grau a descrição da velhice e da morte é aplicada, apropriadamente, ao sagrado objetivo do grau:

"Melhor é a boa fama do que o unguento precioso, e o dia da morte, melhor do que o dia do nascimento. Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração. Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração. O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria. Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ouvir a canção do insensato. Pois, qual o crepitar dos espinhos debaixo de uma panela, tal é a risada do insensato; também isto é vaidade. Verdadeiramente, a opressão faz endoidecer até o sábio, e o suborno corrompe o coração." Eclesiastes 7:1-7.

No Brasil, as grandes lojas adotaram o sistema da Maçonaria Norte-americana, relativamente à abertura da bíblia e à leitura dos versículos apropriados a cada grau, o mesmo faz o Grande Oriente do Brasil. Nem sempre foi assim nos Estados Unidos da América. Outrora, a Bíblia Judaico-cristã era aberta em outras passagens como: Para primeiro grau, trata da divisão com outrem do que se possuir:

"Este era, outrora, o costume em Israel, quanto a resgates e permutas: o que queria confirmar qualquer negócio tirava o calçado e o dava ao seu parceiro; assim se confirmava negócio em Israel." Rute 4:7.

Em Gênesis 28, que se refere à visão da Escada de Jacó:

"Partiu Jacó de Berseba e seguiu para Harã. Tendo chegado a certo lugar, ali passou a noite, pois já era sol-posto; tomou uma das pedras do lugar, fê-la seu travesseiro e se deitou ali mesmo para dormir. E sonhou: Eis posta na terra uma escada cujo topo atingia o céu; e os anjos de Deus subiam e desciam por ela. Perto dele estava o Senhor e lhe disse: Eu sou o Senhor, Deus de Abraão, teu pai, e Deus de Isaque. A terra em que agora estás deitado, eu ta darei, a ti e à tua descendência. A tua descendência será como o pó da terra; estender-te-ás para o Ocidente e para o Oriente, para o Norte e para o Sul. Em ti e na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra. Eis que eu estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei voltar a esta terra, porque te não desampararei, até cumprir eu aquilo que te hei referido." Gênesis 28:10-15.

Em Gênesis 22 onde é narrado o sacrifício de Isaac:

"Chegaram ao lugar que Deus lhe havia designado; ali edificou Abraão um altar, sobre ele dispôs a lenha, amarrou Isaque, seu filho, e o deitou no altar, em cima da lenha; e, estendendo a mão, tomou o cutelo para imolar o filho. Mas do céu lhe bradou o Anjo do Senhor: Abraão! Abraão! Ele respondeu: Eis-me aqui! Então, lhe disse: Não estendas a mão sobre o rapaz e nada lhe faças; pois agora sei que temes a Deus, porquanto não me negaste o filho, o teu único filho. Tendo Abraão erguido os olhos, viu atrás de si um carneiro preso pelos chifres entre os arbustos; tomou Abraão o carneiro e o ofereceu em holocausto, em lugar de seu filho." Gênesis 22:9-13.

Para o segundo grau, foi adotada a passagem de 2 Crônicas como uma alusão à igualdade:

"Levantou as colunas diante do templo, uma à direita, e outra à esquerda; a da direita, chamou-lhe Jaquim, a da esquerda, Boaz." 2 Crônicas 3:17.

E também em que há referência à escada em caracol e ao segundo andar do templo:

"São estes os seus nomes: Ben-Hur, nas montanhas de Efraim;" 1 Reis 4:8.

Para o terceiro grau, em que há referência à estrela de um Deus, que não é bastante compreensível:

"Apresentastes-me, vós, sacrifícios e ofertas de manjares no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel? Sim, levastes Sicute, vosso rei, Quium, vossa imagem, e o vosso deus-estrela, que fizestes para vós mesmos." Amós 5:25,26.

Também:

"Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho neles prazer;" Eclesiastes 12:1; "e o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu." Eclesiastes 12:7.

E também:

"E disse: Ó Senhor, Deus de Israel, não há Deus como tu, nos céus e na terra, como tu que guardas a aliança e a misericórdia a teus servos que de todo o coração andam diante de ti; que cumpriste para com teu servo Davi, meu pai, o que lhe prometeste; pessoalmente, o disseste e, pelo teu poder, o cumpriste, como hoje se vê. Agora, pois, ó Senhor, Deus de Israel, faze a teu servo Davi, meu pai, o que lhe declaraste, dizendo: Não te faltará sucessor diante de mim, que se assente no trono de Israel, contanto que teus filhos guardem o seu caminho, para andarem na lei diante de mim, como tu andaste. Agora, também, ó Senhor, Deus de Israel, cumpra-se a tua palavra que disseste a teu servo Davi. Mas, de fato, habitaria Deus com os homens na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei. Atenta, pois, para a oração de teu servo e para a sua súplica, ó Senhor, meu Deus, para ouvires o clamor e a oração que faz o teu servo diante de ti. Para que os teus olhos estejam abertos dia e noite sobre esta casa, sobre este lugar, do qual disseste que o teu nome estaria ali; para ouvires a oração que o teu servo fizer neste lugar. Ouve, pois, a súplica do teu servo e do teu povo de Israel, quando orarem neste lugar; ouve do lugar da tua habitação, dos céus; ouve e perdoa." 2 Crônicas 6:14-21.

Na Inglaterra, a escolha é diferente, sendo, no primeiro grau:

"Este era, outrora, o costume em Israel, quanto a resgates e permutas: o que queria confirmar qualquer negócio tirava o calçado e o dava ao seu parceiro; assim se confirmava negócio em Israel." Rute 4:7.

No segundo grau, Juízes que alude à atenção e astúcia:

"Foi o número dos que lamberam, levando a mão à boca, trezentos homens; e todo o restante do povo se abaixou de joelhos a beber a água." Juízes 7:6.

No terceiro grau 1 Reis se refere a Hiram:

"Enviou o rei Salomão mensageiros que de Tiro trouxessem Hirão. Era este filho de uma mulher viúva, da tribo de Naftali, e fora seu pai um homem de Tiro que trabalhava em bronze; Hirão era cheio de sabedoria, e de entendimento, e de ciência para fazer toda obra de bronze. Veio ter com o rei Salomão e fez toda a sua obra." 1 Reis 7:13,14.

Na França, algumas lojas abrem o livro da lei na primeira página do Evangelho de São João, considerado o Evangelho do Espírito, como o faziam antigamente. Várias lojas mesmo leem os primeiros versículos deste evangelho, quando da abertura dos trabalhos. Outras, porém, abrem o livro da lei em 1 Reis 6 ou em Crônicas 2 e 3, pelas alusões simbólicas que lá são feitas sobre a construção do Templo.

"A casa que o rei Salomão edificou ao Senhor era de sessenta côvados de comprimento, vinte de largura e trinta de altura. O pórtico diante do templo da casa media vinte côvados no sentido da largura do Lugar Santo, contra dez de fundo. Para a casa, fez janelas de fasquias fixas superpostas. Contra a parede da casa, tanto do santuário como do Santo dos Santos, edificou andares ao redor e fez câmaras laterais ao redor. O andar de baixo tinha cinco côvados de largura, o do meio, seis, e o terceiro, sete; porque, pela parte de fora da casa em redor, fizera reentrâncias para que as vigas não fossem introduzidas nas paredes. Edificava-se a casa com pedras já preparadas nas pedreiras, de maneira que nem martelo, nem machado, nem instrumento algum de ferro se ouviu na casa quando a edificavam. A porta da câmara do meio do andar térreo estava ao lado Sul da casa, e por caracóis se subia ao segundo e, deste, ao terceiro. Assim, edificou a casa e a rematou, cobrindo-a com um tabuado de cedro. Os andares que edificou contra a casa toda eram de cinco côvados de altura, e os ligou com a casa com madeira de cedro." 1 Reis 6:2-10.

A definição de qual texto bíblico deve ser lido em cada grau do Rito Escocês Antigo e Aceito passou por evolução e adaptação ao longo do tempo. Assim como acontece com os rituais, leis e regulamentos de cada obediência todos sempre foram modificados. O conservador está inclinado a se utilizar dos textos mais antigos, o liberal é de opinião que tudo se modifica na linha do tempo e nada permanece igual, nem mesmo o rio, cujas águas passam por baixo da ponte: é sempre outro rio e são outras águas. No que diz respeito aos textos bíblicos que inspiram os trabalhos e têm sua leitura recomendada aplica-se o mesmo princípio: basta estudar sua história.

Todas as escrituras sagradas, em suas mais diversas vertentes ideológicas e religiosas, devem servir de inspiração ao diligente maçom que busca a Luz. Não apenas aqueles textos e versículos recomendados e aplicados na atividade do filosofar maçônico, mas todos os livros sábios dos quais verte a Luz da sabedoria são aplicáveis e possuem potencial de motivação para o bem. Nenhuma parte do livro da lei, independente de qual seja, deve ser excluído de leitura do estudioso maçom. Na interpretação de homens espiritualizados é recomendado que, mesmo em presença de compilações de livros elaboradas pelas mãos de homens, o pensamento, a energia sutil que os gerou possui a inspiração do Grande Arquiteto do Universo.


Bibliografia

1. ALMEIDA, João Ferreira de, Bíblia Sagrada, ISBN 978-85-311-1134-1, Sociedade Bíblica do Brasil, 1268 páginas, Baruerí, 2009;

2. CAMINO, Rizzardo da, Dicionário Maçônico, ISBN 85-7374-251-8, primeira edição, Madras Editora limitada., 414 páginas, São Paulo, 2001;

3. CASTELLANI, José, Dicionário Etimológico Maçônico, A-B-C, Coleção Biblioteca do Maçom, ISBN 85-7252-169-0, segunda edição, Editora Maçônica a Trolha Limitada, 143 páginas, Londrina, 2003;

4. COUTO, Sérgio Pereira, Dicionário Secreto da Maçonaria, Decifrando a Maçonaria, ISBN 85-99187-17-1, primeira edição, Universo dos Livros Limitada, 128 páginas, São Paulo, 2006;

5. FIGUEIREDO, Joaquim Gervásio de, Dicionário de Maçonaria, Seus Mistérios, seus Ritos, sua Filosofia, sua História, quarta edição, Editora Pensamento Cultrix Limitada, 550 páginas, São Paulo, 1989;

6. GHEERBRANT, Alain; CHEVALIER, Jean, Dicionário de Símbolos, Mitos, Sonhos, Costumes, Gestos, Formas, Figuras, Cores, Números, título original: Dictionaire des Symboles, tradução: Vera da Costa e Silva, ISBN 85-03-00257-4, 20ª edição, José Olympio Editora, 996 páginas, Rio de Janeiro, 1982;

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