Pesquisa a respeito do procedimento ritualístico de abertura do livro da lei nas sessões maçônicas.
Charles Evaldo Boller
Razão para abrir o livro da lei
A abertura do livro da lei, no Rito Escocês Antigo e Aceito, em lojas onde prevalece a orientação cristã, em todas as circunstâncias e
oportunidades, segue o pensamento de Albert Galatin Mackey (1807-1881). Nesse
arrazoamento, a Bíblia Judaico-cristã nas lojas deveria permanecer sempre
aberta, mesmo nos intervalos. Quando a loja é colocada em família para debates
o conjunto deveria permanecer aberto e montado porque representa a influência
da Grande Luz que ilumina os pensamentos. Só se desmontaria a cobertura do
esquadro e do compasso, em presença de profanos e em intervalos de uma sessão e
até isso pode ser considerado desnecessário, pois o símbolo composto é
conhecido universalmente nos meios de comunicação e em diversas formas de
mídia.
O temor de manter o livro da lei montado é compartilhado por
minoria maçônica que apresenta como única justificativa a possibilidade remota
de a Grande Loja Unida da Inglaterra deixar de reconhecer a obediência.
Entretanto, essa mesma grande loja permite que suas atividades litúrgicas sejam
filmadas e apresentadas na Internet e nestas o símbolo composto aparece em sua
íntegra.
Paul Naudon (1915-2001), oferecendo sugestão para a solução
das controvérsias suscitadas na França, escreve:
"O que conta, essencialmente, é a presença da Bíblia,
mesmo fechada, como expressão da vontade revelada de Deus".
A Maçonaria anglo-saxônica exige que o livro da lei
permaneça aberto e esteja coberto pelo esquadro e pelo compasso.
Albert Galatin Mackey (1807-1881) afirma que se trata de
antigo uso da fraternidade que quer o livro da lei sempre aberto na loja. Como
em tudo na Maçonaria, há nisto um simbolismo apropriado. O livro da lei é a
grande luz da Maçonaria. Fechá-lo seria interceptar os raios da luz divina que
dele emanam. Estando aberto indica que a loja não está nas trevas, mas sob a
influência de um poder iluminativo; de uma emanação energética transcendental,
divina.
Textos a Serem Lidos nos Diversos Graus
O livro da lei não está aberto a esmo. Para cada grau há
passagens alusivas à finalidade do grau ou algum trecho do seu ritual, por isto
o livro deve estar aberto naquelas passagens.
Usos maçônicos nem sempre são constantes e universais a
respeito das passagens que devem ser lidas em cada grau.
Nos Estados Unidos da América, no primeiro grau, a bíblia
judaico-cristã abre-se na eloquente descrição da beleza do amor fraternal, e,
por esta razão, muito mais apropriada para ilustrar uma sociedade cuja
existência depende daqueles nobres princípios.
"Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos! É
como o óleo precioso sobre a cabeça, o qual desce para a barba, a barba de
Arão, e desce para a gola de suas vestes. É como o orvalho do Hermom, que desce
sobre os montes de Sião. Ali, ordena o Senhor a sua bênção e a vida para
sempre." Salmos 133:1-3.
No segundo grau é feita alusão evidente ao prumo, emblema
importante daquele grau:
"Mostrou-me também isto: eis que o Senhor estava sobre
um muro levantado a prumo; e tinha um prumo na mão. O Senhor me disse: Que vês
tu, Amós? Respondi: Um prumo. Então, me disse o Senhor: Eis que eu porei o
prumo no meio do meu povo de Israel; e jamais passarei por ele." Amós
7:7,8.
No terceiro grau a descrição da velhice e da morte é
aplicada, apropriadamente, ao sagrado objetivo do grau:
"Melhor é a boa fama do que o unguento precioso, e o
dia da morte, melhor do que o dia do nascimento. Melhor é ir à casa onde há
luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os
homens; e os vivos que o tomem em consideração. Melhor é a mágoa do que o riso,
porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração. O coração dos sábios
está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria. Melhor é ouvir
a repreensão do sábio do que ouvir a canção do insensato. Pois, qual o crepitar
dos espinhos debaixo de uma panela, tal é a risada do insensato; também isto é
vaidade. Verdadeiramente, a opressão faz endoidecer até o sábio, e o suborno
corrompe o coração." Eclesiastes 7:1-7.
No Brasil, as grandes lojas adotaram o sistema da Maçonaria
Norte-americana, relativamente à abertura da bíblia e à leitura dos versículos
apropriados a cada grau, o mesmo faz o Grande Oriente do Brasil. Nem sempre foi
assim nos Estados Unidos da América. Outrora, a Bíblia Judaico-cristã era
aberta em outras passagens como: Para primeiro grau, trata da divisão com
outrem do que se possuir:
"Este era, outrora, o costume em Israel, quanto a
resgates e permutas: o que queria confirmar qualquer negócio tirava o calçado e
o dava ao seu parceiro; assim se confirmava negócio em Israel." Rute 4:7.
Em Gênesis 28, que se refere à visão da Escada de Jacó:
"Partiu Jacó de Berseba e seguiu para Harã. Tendo
chegado a certo lugar, ali passou a noite, pois já era sol-posto; tomou uma das
pedras do lugar, fê-la seu travesseiro e se deitou ali mesmo para dormir. E
sonhou: Eis posta na terra uma escada cujo topo atingia o céu; e os anjos de
Deus subiam e desciam por ela. Perto dele estava o Senhor e lhe disse: Eu sou o
Senhor, Deus de Abraão, teu pai, e Deus de Isaque. A terra em que agora estás
deitado, eu ta darei, a ti e à tua descendência. A tua descendência será como o
pó da terra; estender-te-ás para o Ocidente e para o Oriente, para o Norte e
para o Sul. Em ti e na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da
terra. Eis que eu estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te
farei voltar a esta terra, porque te não desampararei, até cumprir eu aquilo
que te hei referido." Gênesis 28:10-15.
Em Gênesis 22 onde é narrado o sacrifício de Isaac:
"Chegaram ao lugar que Deus lhe havia designado; ali
edificou Abraão um altar, sobre ele dispôs a lenha, amarrou Isaque, seu filho,
e o deitou no altar, em cima da lenha; e, estendendo a mão, tomou o cutelo para
imolar o filho. Mas do céu lhe bradou o Anjo do Senhor: Abraão! Abraão! Ele
respondeu: Eis-me aqui! Então, lhe disse: Não estendas a mão sobre o rapaz e
nada lhe faças; pois agora sei que temes a Deus, porquanto não me negaste o
filho, o teu único filho. Tendo Abraão erguido os olhos, viu atrás de si um
carneiro preso pelos chifres entre os arbustos; tomou Abraão o carneiro e o
ofereceu em holocausto, em lugar de seu filho." Gênesis 22:9-13.
Para o segundo grau, foi adotada a passagem de 2 Crônicas
como uma alusão à igualdade:
"Levantou as colunas diante do templo, uma à direita, e
outra à esquerda; a da direita, chamou-lhe Jaquim, a da esquerda, Boaz." 2
Crônicas 3:17.
E também em que há referência à escada em caracol e ao
segundo andar do templo:
"São estes os seus nomes: Ben-Hur, nas montanhas de
Efraim;" 1 Reis 4:8.
Para o terceiro grau, em que há referência à estrela de um
Deus, que não é bastante compreensível:
"Apresentastes-me, vós, sacrifícios e ofertas de
manjares no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel? Sim, levastes Sicute,
vosso rei, Quium, vossa imagem, e o vosso deus-estrela, que fizestes para vós
mesmos." Amós 5:25,26.
Também:
"Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade,
antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho
neles prazer;" Eclesiastes 12:1; "e o pó volte à terra, como o era, e
o espírito volte a Deus, que o deu." Eclesiastes 12:7.
E também:
"E disse: Ó Senhor, Deus de Israel, não há Deus como
tu, nos céus e na terra, como tu que guardas a aliança e a misericórdia a teus
servos que de todo o coração andam diante de ti; que cumpriste para com teu
servo Davi, meu pai, o que lhe prometeste; pessoalmente, o disseste e, pelo teu
poder, o cumpriste, como hoje se vê. Agora, pois, ó Senhor, Deus de Israel,
faze a teu servo Davi, meu pai, o que lhe declaraste, dizendo: Não te faltará
sucessor diante de mim, que se assente no trono de Israel, contanto que teus
filhos guardem o seu caminho, para andarem na lei diante de mim, como tu
andaste. Agora, também, ó Senhor, Deus de Israel, cumpra-se a tua palavra que
disseste a teu servo Davi. Mas, de fato, habitaria Deus com os homens na terra?
Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta
casa que eu edifiquei. Atenta, pois, para a oração de teu servo e para a sua
súplica, ó Senhor, meu Deus, para ouvires o clamor e a oração que faz o teu
servo diante de ti. Para que os teus olhos estejam abertos dia e noite sobre
esta casa, sobre este lugar, do qual disseste que o teu nome estaria ali; para
ouvires a oração que o teu servo fizer neste lugar. Ouve, pois, a súplica do
teu servo e do teu povo de Israel, quando orarem neste lugar; ouve do lugar da
tua habitação, dos céus; ouve e perdoa." 2 Crônicas 6:14-21.
Na Inglaterra, a escolha é diferente, sendo, no primeiro
grau:
"Este era, outrora, o costume em Israel, quanto a
resgates e permutas: o que queria confirmar qualquer negócio tirava o calçado e
o dava ao seu parceiro; assim se confirmava negócio em Israel." Rute 4:7.
No segundo grau, Juízes que alude à atenção e astúcia:
"Foi o número dos que lamberam, levando a mão à boca,
trezentos homens; e todo o restante do povo se abaixou de joelhos a beber a
água." Juízes 7:6.
No terceiro grau 1 Reis se refere a Hiram:
"Enviou o rei Salomão mensageiros que de Tiro
trouxessem Hirão. Era este filho de uma mulher viúva, da tribo de Naftali, e
fora seu pai um homem de Tiro que trabalhava em bronze; Hirão era cheio de
sabedoria, e de entendimento, e de ciência para fazer toda obra de bronze. Veio
ter com o rei Salomão e fez toda a sua obra." 1 Reis 7:13,14.
Na França, algumas lojas abrem o livro da lei na primeira
página do Evangelho de São João, considerado o Evangelho do Espírito, como o
faziam antigamente. Várias lojas mesmo leem os primeiros versículos deste
evangelho, quando da abertura dos trabalhos. Outras, porém, abrem o livro da
lei em 1 Reis 6 ou em Crônicas 2 e 3, pelas alusões simbólicas que lá são
feitas sobre a construção do Templo.
"A casa que o rei Salomão edificou ao Senhor era de
sessenta côvados de comprimento, vinte de largura e trinta de altura. O pórtico
diante do templo da casa media vinte côvados no sentido da largura do Lugar
Santo, contra dez de fundo. Para a casa, fez janelas de fasquias fixas
superpostas. Contra a parede da casa, tanto do santuário como do Santo dos
Santos, edificou andares ao redor e fez câmaras laterais ao redor. O andar de
baixo tinha cinco côvados de largura, o do meio, seis, e o terceiro, sete;
porque, pela parte de fora da casa em redor, fizera reentrâncias para que as
vigas não fossem introduzidas nas paredes. Edificava-se a casa com pedras já
preparadas nas pedreiras, de maneira que nem martelo, nem machado, nem
instrumento algum de ferro se ouviu na casa quando a edificavam. A porta da
câmara do meio do andar térreo estava ao lado Sul da casa, e por caracóis se
subia ao segundo e, deste, ao terceiro. Assim, edificou a casa e a rematou,
cobrindo-a com um tabuado de cedro. Os andares que edificou contra a casa toda
eram de cinco côvados de altura, e os ligou com a casa com madeira de
cedro." 1 Reis 6:2-10.
A definição de qual texto bíblico deve ser lido em cada grau
do Rito Escocês Antigo e Aceito passou por evolução e adaptação ao longo do
tempo. Assim como acontece com os rituais, leis e regulamentos de cada
obediência todos sempre foram modificados. O conservador está inclinado a se
utilizar dos textos mais antigos, o liberal é de opinião que tudo se modifica
na linha do tempo e nada permanece igual, nem mesmo o rio, cujas águas passam
por baixo da ponte: é sempre outro rio e são outras águas. No que diz respeito
aos textos bíblicos que inspiram os trabalhos e têm sua leitura recomendada
aplica-se o mesmo princípio: basta estudar sua história.
Todas as escrituras sagradas, em suas mais diversas
vertentes ideológicas e religiosas, devem servir de inspiração ao diligente
maçom que busca a Luz. Não apenas aqueles textos e versículos recomendados e
aplicados na atividade do filosofar maçônico, mas todos os livros sábios dos
quais verte a Luz da sabedoria são aplicáveis e possuem potencial de motivação
para o bem. Nenhuma parte do livro da lei, independente de qual seja, deve ser
excluído de leitura do estudioso maçom. Na interpretação de homens
espiritualizados é recomendado que, mesmo em presença de compilações de livros
elaboradas pelas mãos de homens, o pensamento, a energia sutil que os gerou
possui a inspiração do Grande Arquiteto do Universo.
Bibliografia
1. ALMEIDA, João Ferreira de, Bíblia Sagrada, ISBN 978-85-311-1134-1,
Sociedade Bíblica do Brasil, 1268 páginas, Baruerí, 2009;
2. CAMINO, Rizzardo da, Dicionário Maçônico, ISBN
85-7374-251-8, primeira edição, Madras Editora limitada., 414 páginas, São
Paulo, 2001;
3. CASTELLANI, José, Dicionário Etimológico Maçônico, A-B-C,
Coleção Biblioteca do Maçom, ISBN 85-7252-169-0, segunda edição, Editora
Maçônica a Trolha Limitada, 143 páginas, Londrina, 2003;
4. COUTO, Sérgio Pereira, Dicionário Secreto da Maçonaria,
Decifrando a Maçonaria, ISBN 85-99187-17-1, primeira edição, Universo dos
Livros Limitada, 128 páginas, São Paulo, 2006;
5. FIGUEIREDO, Joaquim Gervásio de, Dicionário de Maçonaria,
Seus Mistérios, seus Ritos, sua Filosofia, sua História, quarta edição, Editora
Pensamento Cultrix Limitada, 550 páginas, São Paulo, 1989;
Nenhum comentário:
Postar um comentário