domingo, 8 de outubro de 2023

A Iniciação Iluminada

Uma jornada infindável ao interior de si mesmo, em busca da Iluminação que conduz para a Liberdade e felicidade da Humanidade.

Charles Evaldo Boller


Ver numa pedra bruta apenas as rugosidades externas sem visualizar a beleza interna da pedra polida é limitação daquele que ainda não se iniciou na Maçonaria. É de conhecimento geral que mesmo aquele que passou pela cerimônia de iniciação e apenas enxerga as imperfeições do homem, ainda permanece ligado a vícios humanos e escravo do vil sistema humano materialista. Continua carente da iniciação iluminada pelo filosofar maçônico.

No mais absoluto sigilo, o processo começa com a proposta de iniciação de um cidadão de valor por iniciativa de um mestre maçom. Efetuam-se investigações. Só pessoa de destacadas características é desejada e introduzida na ordem maçônica. O intento é melhorar o que já é bom. Passa então por uma cerimônia especial determinada a testar seu valor. Considera-se que o indivíduo é cortado de uma hipotética pedreira, a sociedade. E mesmo com suas qualidades e erudição reconhecidas, em presença da filosofia maçônica, por obvio, ele ainda apresenta uma forma tosca de construção interna, que apresenta imperfeições. Isso porque lhe falta liberdade devida a seu condicionamento social. A busca de independência implica em livrar-se de crenças surreais que outras pessoas, ao longo da vida, o fizeram acreditar. Urge tomar conta de seus próprios pensamentos, livres da imposição social e dos exageros do politicamente correto.

A caminhada para a iluminação, segundo modelo de vetustas escolas herméticas, se dá em cegueira profunda, total inexistência de Luz. Em termos maçônicos é a representação de condição do homem em estado bruto dentro da erudição filosófica, intelectual e espiritual. A obstrução da visão do iniciando representam os primeiros passos em total dependência, ignorância e castrado de iniciativa. É similar à vida de cidadão algemado pelos poderes humanos que limitam sua evolução. A falta de Luz demonstra onde e como o sistema humano o submete aos poderes que lhe tomam os metais, posses, roupa e força vital. Para demonstrar o seu lastimável destino, um laço no pescoço, à semelhança de um enforcado, o provoca a pensar sua existência à semelhança de um condenado a viver como animal sem inteligência e sabedoria, para o qual a vida apenas passa vazia e sem gosto. Sua total dependência dos outros o incentiva a sorver com ansiedade goles de liberdade para tomar conta de sua vida em sentido lato e sem ser conduzido por terceiros. Para demonstrar sua miserabilidade, o homem não iniciado anda calçado apenas com ordinário e rústico chinelo. Não significa humildade, pois é retrato lastimável do homem dentro do sistema: homem explorando homem em seu próprio prejuízo!

Faz seu testamento. Depois de armado e municiado para libertar-se, entende que o beneficiário é ele mesmo. Como já morreu para o mundo, ele jaz sepulto na caverna que representa a sua consciência. Naquele local lúgubre responde perguntas que o levam a pensar a respeito da vida que teve até ali. Na solidão da sepultura o homem de sensibilidade desperta para princípios de vida com elevado significado existencial. Com a sua morte simbólica rompe definitivamente com a materialidade herdada e que o aprisionavam ao sistema humano de coisas. Prepara-se para reviver na cerimônia de iniciação para uma nova oportunidade de vida. O renascimento exemplificado na Páscoa, no Natal e nos solstícios solares o ajudarão a entender e organizar a sua vida. É o ponto de entrada para uma fantástica jornada em busca da liberdade. Utilizará da sabedoria de vetustas civilizações que ficaram no anonimato para se protegerem de perseguição e proibição. O iniciado usa de todas as culturas, a sua Arte Real, para racionalmente louvar a Criação, obra do Grande Arquiteto do Universo.

É jornada nova! É renascimento que ele escolheu racionalmente quando e onde. Nasceu dentro de si mesmo a partir de sua livre iniciativa e capacidade de pensar e sentir. É a resposta corajosa ao que vê pelas ruas da cidade onde a maioria não está satisfeita com o lugar e o tempo em que vive. Onde os insatisfeitos mais ativos mudam de emprego, família, cidade e país em busca de felicidade para, em curto espaço de tempo, ficar irrequieto novamente e iniciar nova jornada ao léu. É insensatez! Acontece que estes não têm tempo para pensar nos temas certos. Sem concentração e meditação, os andarilhos não encontram respostas para suas angústias. Permanecem infelizes! E a resposta está tão perto! Bastaria olhar para dentro de si mesmo. Modificar-se. Evoluir! Libertar-se! Ser feliz e contagiar a Humanidade em ser feliz também.

Para entender o mapa da caminhada efetuam-se viagens simbólicas. É submetido compulsoriamente às provas que envolvem os quatro elementos da Natureza: terra, água, ar e fogo.

São apresentados seus deveres básicos: absoluto silêncio e fidelidade; vencer paixões prejudiciais; praticar a solidariedade, socorrendo outros ao encaminha-los a praticarem o bem; é-lhe exigida a crença num Princípio Criador, baseado no conceito de Grande Arquiteto do Universo; sujeitar-se às leis.

Depois disto lhe é simbolicamente revelada a Luz. Luz que ilumina o interior do templo sagrado que é o próprio corpo do iniciado.

No dia da iniciação o maçom inicia uma jornada que dura o resto de sua vida. E não vai longe! Ao menos não em termos de deslocamento. O seu destino é ao interior de si mesmo. Bem perto, mas tão longe! Para ver a Luz é necessário desobstruir a entrada da caverna de sua consciência, arrancar as lascas das rugosidades externas e internas da simbólica pedra que ele é. Deixar a Luz entrar na pedra. Ele viaja ao interior de si mesmo. Passa a destruir e a reconstruir a si próprio por utilizar-se das ferramentas que estão espalhadas pelas oficinas maçônicas.

A Maçonaria propicia as ferramentas, o iniciado a matéria prima: a pedra. Ele é a pedra. E somente ele a pode trabalhar. No Universo apenas ele mesmo tem o poder e a capacidade de modificá-la. Nem mesmo o Grande Arquiteto do Universo interfere, pois dotou a criatura com a capacidade do livre-arbítrio, portanto, nunca o cobrará se ele foi ou não bem comportado durante o privilégio de usufruir da vida. Afasta o medo do castigo eterno. Afasta a falsidade da barganha com o Supremo Arquiteto com vistas a obter prazeres eternos. Significa liberdade! E responsabilidade! O pensamento expresso no conceito de Grande Arquiteto do Universo para o maçom não é crença, o que implicaria em dúvida; o maçom tem certeza da manifestação do Criador através de suas obras. O iniciado sente-se privilegiado por merecer essa experiência de vida. A pedra burilada por quem tem o interesse maior resulta num ser humano que sabe equilibrar amor, vontade e intelecto. Constitui o centro do grande tema da Ordem Maçônica.

A grande provocação da cerimônia de iniciação aponta para a liberdade. Durante o início da jornada existe a figura do condutor. Quando revelada a Luz, o iniciado deixa de ser conduzido e daí em diante passa a tomar conta de seus próprios passos, de seu caráter, de sua consciência, de sua vida, e em todos os aspectos que o levam a evoluir. Está focado essencialmente na destruição interior dos embustes nos quais foi condicionado a acreditar. Trabalha agora na edificação de valores virtuosos que revelam potências nunca antes percebidas porque estavam imersas na hipocrisia do mundo de ilusão criado por religiões, escolas, amigos, governos, usos e outras influências. Andar e pensar com liberdade implica em duvidar de velhos hábitos e costumes. Faz do questionamento geral uma Arte Real, praticada no ócio criativo. Aprende a desfrutar da vida de forma comedida e tranquila, aproveita desse paraíso de delícias, chamado Terra, de forma respeitosa e tranquila.

Desbastar a pedra bruta é tarefa individual que os maçons perseguem em sentido moral, ético e mais acentuado na dimensão da elevação espiritual com aprimoramento de caráter e consciência. A Luz do livre pensamento passa a brilhar dentro do templo que a pedra representa. As lascas, o cascalho, que caem neste trabalho são os defeitos e imperfeições como preconceitos, ignorância, fanatismo, tirania, arrogância, orgulho e outros. Assim, mesmo que viva entre as trevas do mundo idealizado pelo homem material, ele aprende a conviver com elas sem se contaminar com as impurezas que vigoram fora do templo, fora de si mesmo. O seu templo interno permanece imaculado. Depois de disciplinada e diligente atividade no desbaste da pedra bruta o iniciado encontra dentro de si o espírito, o transcendental, a assinatura indelével do Grande Arquiteto do Universo, origem da Luz que guarda e guia os iniciados pelos caminhos dos augustos mistérios das antigas escolas iniciáticas.


Bibliografia

1. CLIFFORD, Anthony; A Arte de Questionar, a Filosofia do Dia-a-dia, ISBN 978-85-395-0588-3, 1ª edição, Editora Fundamento, 320 páginas, São Paulo, 2014;

2. Paraná, Grande Loja do; Ritual do Grau 01, Aprendiz Maçom, Rito Escocês Antigo e Aceito, 3ª edição, Grande Loja do Paraná, 98 páginas, Curitiba, 2001;

3. ZIJDERVELD, Anton; BERGER, Peter; Em Favor da Dúvida, Como Ter Convicções sem se Tornar Fanático, In Prise of Doubt, traduzido por YAMAGAMI, Cristina; ISBN 978-0-06-177817-9, 1ª edição, Elsevier Editora Limitada, 172 páginas, São Paulo, 2012;

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