Vivemos como navegantes que confiam apenas no farol mais
próximo, esquecendo que o mar é maior do que a luz que alcança nossos olhos. A
realidade que tocamos, vemos e medimos é útil, mas não é inteira. A filosofia
maçônica sempre ensinou que o mundo sensível é um mapa, não o território. Os
símbolos não foram criados para enfeitar rituais, mas para acordar a mente e
afinar o olhar. Lapidar a pedra é aprender a ver; edificar o templo é
aprender a viver.
Os sentidos são ferramentas extraordinárias, porém limitadas.
Eles nos protegem, orientam e organizam a experiência cotidiana, mas também nos
iludem quando passam a ditar sozinhos o que é verdadeiro. Platão, ao falar da
caverna, descreveu homens acorrentados às sombras, convencidos de que aquilo
era o real. Libertar-se, para ele, não era destruir as sombras, mas voltar-se
para a fonte da luz. A Maçonaria repete essa lição ao convidar o iniciado a
caminhar do Ocidente ao Oriente: da aparência à essência, do efeito à causa.
A ciência moderna, longe de negar essa visão, a reforça. Quando
a física contemporânea afirma que a matéria é energia organizada e que o
observador participa do fenômeno observado, ela confirma, com números, aquilo
que os antigos sábios intuíam por símbolos. Einstein lembrava que "a mente intuitiva é um dom sagrado, e a
mente racional é um servo fiel". O problema começa quando o servo toma
o lugar do mestre. Conhecer não é apenas medir; é integrar. Não basta contar
partículas se não aprendemos a escutar o sentido do Todo.
Na linguagem maçônica, a pedra bruta representa mais do que
falhas morais: ela simboliza a percepção grosseira, o olhar apressado, a
certeza rígida. O cinzel não serve apenas para corrigir excessos, mas para
revelar a forma que já está lá. Assim também é a consciência: não se cria do
nada; descobre-se. A cada golpe consciente, uma reflexão, um silêncio, uma
atitude ética, a forma essencial se torna mais visível.
Metáforas ajudam a entender esse processo. Imagine a realidade
como um vitral. De fora, vemos apenas cores fragmentadas; de dentro, a luz
organiza o desenho. Os sentidos são o lado de fora; a consciência, o interior
do templo. Quando aprendemos a entrar, percebemos que cada cor tem lugar, cada
sombra tem função, e a luz não se perde, apenas se transforma. Aristóteles já
afirmava que o conhecimento começa pelos sentidos, mas não termina neles. A
inteligência busca as causas, não se satisfaz com os efeitos.
Essa visão tem consequências práticas. Se tudo participa de um
mesmo campo energético, de relações, influências e ressonâncias, então
pensamentos, palavras e ações importam mais do que imaginamos. A ética deixa de
ser um conjunto de regras e passa a ser uma exigência do próprio ser. Agir com
retidão não é apenas "ser correto";
é preservar o equilíbrio do campo energético comum. Um gesto injusto pesa; uma
palavra justa alivia. Como ensinava Marco Aurélio, "o que não é bom para a colmeia não pode ser bom para a abelha".
Há sugestões simples para quem deseja aplicar essas ideias no
cotidiano. A primeira é cultivar pausas. O silêncio é um mestre
discreto: ele afina a escuta e reduz o ruído das reações automáticas. A segunda
é exercitar a analogia: observar a natureza, os ciclos, as relações
humanas, e perguntar o que eles ensinam sobre si mesmo. A terceira é integrar
saberes: ler ciência sem desprezar a espiritualidade; estudar filosofia sem
abandonar a vida prática. O maçom constrói pontes, não muros.
Por fim, é preciso lembrar que a iniciação não afasta o homem do
mundo; devolve-o a ele com mais clareza. O iniciado retorna ao cotidiano como
quem voltou da fonte: não carrega discursos grandiosos, mas uma água mais
limpa. Age melhor, julga menos, escuta mais. Como dizia Sócrates, a sabedoria
começa quando reconhecemos o quanto ainda temos a aprender. Ver além da forma
não é fugir da realidade; é habitá-la com lucidez, responsabilidade e sentido.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola,
2002. Obra central para compreender a busca pelas causas e princípios além da
aparência sensível;
2.
AURÉLIO, Marco. Meditações. São Paulo: Penguin
Classics Companhia das Letras, 2019. Síntese prática de ética, responsabilidade
e integração do indivíduo com o Todo;
3.
EINSTEIN, Albert. Como vejo o mundo. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1981. Reflexões acessíveis sobre ciência, intuição e
responsabilidade ética do conhecimento;
4.
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. Leitura fundamental para entender o papel dos
símbolos na ampliação da consciência;
5.
PLATÃO. A República. São Paulo: Martins Fontes,
2006. A alegoria da caverna permanece uma das mais claras metáforas sobre
aparência e essência;

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