sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

Ver Além da Forma: um Convite à Consciência

 Charles Evaldo Boller

Vivemos como navegantes que confiam apenas no farol mais próximo, esquecendo que o mar é maior do que a luz que alcança nossos olhos. A realidade que tocamos, vemos e medimos é útil, mas não é inteira. A filosofia maçônica sempre ensinou que o mundo sensível é um mapa, não o território. Os símbolos não foram criados para enfeitar rituais, mas para acordar a mente e afinar o olhar. Lapidar a pedra é aprender a ver; edificar o templo é aprender a viver.

Os sentidos são ferramentas extraordinárias, porém limitadas. Eles nos protegem, orientam e organizam a experiência cotidiana, mas também nos iludem quando passam a ditar sozinhos o que é verdadeiro. Platão, ao falar da caverna, descreveu homens acorrentados às sombras, convencidos de que aquilo era o real. Libertar-se, para ele, não era destruir as sombras, mas voltar-se para a fonte da luz. A Maçonaria repete essa lição ao convidar o iniciado a caminhar do Ocidente ao Oriente: da aparência à essência, do efeito à causa.

A ciência moderna, longe de negar essa visão, a reforça. Quando a física contemporânea afirma que a matéria é energia organizada e que o observador participa do fenômeno observado, ela confirma, com números, aquilo que os antigos sábios intuíam por símbolos. Einstein lembrava que "a mente intuitiva é um dom sagrado, e a mente racional é um servo fiel". O problema começa quando o servo toma o lugar do mestre. Conhecer não é apenas medir; é integrar. Não basta contar partículas se não aprendemos a escutar o sentido do Todo.

Na linguagem maçônica, a pedra bruta representa mais do que falhas morais: ela simboliza a percepção grosseira, o olhar apressado, a certeza rígida. O cinzel não serve apenas para corrigir excessos, mas para revelar a forma que já está lá. Assim também é a consciência: não se cria do nada; descobre-se. A cada golpe consciente, uma reflexão, um silêncio, uma atitude ética, a forma essencial se torna mais visível.

Metáforas ajudam a entender esse processo. Imagine a realidade como um vitral. De fora, vemos apenas cores fragmentadas; de dentro, a luz organiza o desenho. Os sentidos são o lado de fora; a consciência, o interior do templo. Quando aprendemos a entrar, percebemos que cada cor tem lugar, cada sombra tem função, e a luz não se perde, apenas se transforma. Aristóteles já afirmava que o conhecimento começa pelos sentidos, mas não termina neles. A inteligência busca as causas, não se satisfaz com os efeitos.

Essa visão tem consequências práticas. Se tudo participa de um mesmo campo energético, de relações, influências e ressonâncias, então pensamentos, palavras e ações importam mais do que imaginamos. A ética deixa de ser um conjunto de regras e passa a ser uma exigência do próprio ser. Agir com retidão não é apenas "ser correto"; é preservar o equilíbrio do campo energético comum. Um gesto injusto pesa; uma palavra justa alivia. Como ensinava Marco Aurélio, "o que não é bom para a colmeia não pode ser bom para a abelha".

Há sugestões simples para quem deseja aplicar essas ideias no cotidiano. A primeira é cultivar pausas. O silêncio é um mestre discreto: ele afina a escuta e reduz o ruído das reações automáticas. A segunda é exercitar a analogia: observar a natureza, os ciclos, as relações humanas, e perguntar o que eles ensinam sobre si mesmo. A terceira é integrar saberes: ler ciência sem desprezar a espiritualidade; estudar filosofia sem abandonar a vida prática. O maçom constrói pontes, não muros.

Por fim, é preciso lembrar que a iniciação não afasta o homem do mundo; devolve-o a ele com mais clareza. O iniciado retorna ao cotidiano como quem voltou da fonte: não carrega discursos grandiosos, mas uma água mais limpa. Age melhor, julga menos, escuta mais. Como dizia Sócrates, a sabedoria começa quando reconhecemos o quanto ainda temos a aprender. Ver além da forma não é fugir da realidade; é habitá-la com lucidez, responsabilidade e sentido.

Bibliografia Comentada

1.      ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002. Obra central para compreender a busca pelas causas e princípios além da aparência sensível;

2.      AURÉLIO, Marco. Meditações. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2019. Síntese prática de ética, responsabilidade e integração do indivíduo com o Todo;

3.      EINSTEIN, Albert. Como vejo o mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. Reflexões acessíveis sobre ciência, intuição e responsabilidade ética do conhecimento;

4.      JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. Leitura fundamental para entender o papel dos símbolos na ampliação da consciência;

5.      PLATÃO. A República. São Paulo: Martins Fontes, 2006. A alegoria da caverna permanece uma das mais claras metáforas sobre aparência e essência;

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