quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

A Loja como Oficina Viva da Consciência

 Charles Evaldo Boller

Entrar em uma loja maçônica é semelhante a atravessar o limiar de uma oficina silenciosa onde o tempo parece obedecer a outra cadência. Ali, o barulho do mundo fica do lado de fora, como uma roupa pesada deixada na soleira, e o maçom é convidado a trabalhar não com ferramentas de ferro, mas com ideias, símbolos e estados de consciência. No Rito Escocês Antigo e Aceito, essa experiência não é acidental: ela foi cuidadosamente construída para educar o homem adulto por meio da reflexão, da liberdade de pensamento e da convivência fraterna. A loja não é um lugar onde se recebe verdades prontas, mas onde se aprende a caminhar entre perguntas, como quem atravessa uma ponte suspensa sustentada mais pela coragem do que pela certeza.

A filosofia clássica já ensinava que o conhecimento começa no espanto. Sócrates, ao declarar saber apenas que nada sabia, apontava para uma atitude interior que a Maçonaria preserva: a humildade intelectual. Em loja, quando a palavra circula e os irmãos expõem visões diferentes sobre a Natureza, a ética ou o sentido da vida, o que se constrói não é consenso, mas amadurecimento. Cada ideia funciona como uma faísca lançada num campo fértil; algumas se apagam rapidamente, outras acendem fogueiras duradouras. Esse processo exige tolerância, pois a Verdade, como um diamante lapidado, revela faces diferentes conforme o ângulo da luz.

O simbolismo do Rito Escocês Antigo e Aceito atua como linguagem universal, capaz de unir ciência, filosofia e espiritualidade sem reduzi-las a dogmas. O templo, orientado simbolicamente, pode ser visto como um pequeno mapa do Universo, um modelo reduzido do Cosmo onde o homem aprende a se situar. Assim como os filósofos gregos buscavam a arché, o princípio de todas as coisas, o maçom especulativo é instigado a investigar a ordem invisível que sustenta o mundo visível. A Física moderna, ao falar de campos, energia e probabilidades, oferece metáforas contemporâneas para intuições antigas: talvez a realidade não seja um conjunto de objetos sólidos, mas uma dança contínua de relações.

Nesse contexto, a ideia de egrégora ajuda a compreender o valor do trabalho coletivo. Cada maçom chega à sessão como um instrumento afinado de maneira diferente. Isolado, produz som limitado; em conjunto, pode integrar uma sinfonia. Quando há harmonia, respeito e intenção comum, cria-se um ambiente que favorece estados mentais mais claros e emoções mais elevadas. Quando surgem conflitos ou vaidades, o campo se desorganiza, como uma orquestra sem maestro. A sugestão prática é simples e profunda: antes de falar, observar o próprio estado interior; antes de reagir, escutar; antes de julgar, refletir. Assim, a construção da egrégora torna-se exercício ético cotidiano.

A Arte Real, tantas vezes mencionada, não é privilégio de poucos nem saber abstrato. Ela se manifesta quando o maçom leva para a vida profana aquilo que aprende em loja. A paciência exercitada no debate filosófico pode transformar relações familiares; a escuta atenta pode melhorar a liderança profissional; o hábito de questionar pode libertar o indivíduo de crenças limitantes. Tal como ensinava Aristóteles, a virtude não nasce do discurso, mas do hábito. A loja oferece o treino; a vida oferece o teste.

A Maçonaria do Rito Escocês Antigo e Aceito propõe, assim, uma educação da consciência ao longo da vida. Não promete iluminação instantânea, mas lapidação constante. Cada sessão é como um golpe de cinzel na pedra bruta: pequeno, quase imperceptível, mas essencial. O homem que aceita esse trabalho aprende que a liberdade não é fazer tudo o que se quer, mas compreender por que se quer. E, nesse caminho, descobre que pensar é um ato profundamente responsável, pois toda ideia cultivada hoje molda o mundo de amanhã.

Bibliografia Comentada

1.     ANDERSON, James. Constituições dos Franco-Maçons. Londres, 1723. Obra fundamental da Maçonaria Especulativa, estabelece princípios de liberdade de consciência, tolerância religiosa e ética universal, servindo de base para a compreensão do papel educativo da loja;

2.     ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2004. Essencial para compreender a formação do caráter e a ideia de virtude como hábito, conceito aplicável à prática maçônica cotidiana;

3.     EINSTEIN, Albert. Como Vejo o Mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. Reflexões filosóficas do físico sobre realidade, campo e conhecimento, úteis como metáforas modernas para a especulação maçônica;

4.     PLANCK, Max. Introdução à Física Teórica. São Paulo: Perspectiva, 1996. Marco da Física Quântica, contribui para a compreensão contemporânea de energia e campos, frequentemente utilizados como analogias no pensamento simbólico;

5.     PLATÃO. A República. São Paulo: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. Clássico da filosofia que aborda a educação da alma, a alegoria da caverna e a busca da Verdade, dialogando diretamente com a pedagogia simbólica maçônica;

6.     WILGES, Angela. Só Somos Consciência Quântica? São Paulo: Madras, 2015. Obra contemporânea que relaciona estados emocionais, frequência e consciência, empregada aqui como referência metafórica e pedagógica;

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