A filosofia maçônica ensina, desde seus primeiros símbolos, que
o homem não nasce pronto: ele se constrói. No Rito Escocês Antigo e Aceito,
essa ideia aparece com clareza ao afirmar que o templo não é feito de pedras
externas, mas de valores, consciência e caráter. Trabalhar sobre si mesmo é,
portanto, a obra maior do maçom. Não se trata de um esforço ocasional, mas de
um labor contínuo, semelhante ao de um artesão que, dia após dia, retorna à
mesma peça para corrigir imperfeições quase invisíveis.
A vida moderna, marcada pela pressa e pela competição,
frequentemente empurra o indivíduo para fora de si. Busca-se reconhecimento,
poder ou conforto, enquanto o interior permanece descuidado. A filosofia do
Rito Escocês Antigo e Aceito atua como um chamado ao retorno. Ela recorda que
nenhuma conquista externa se sustenta se o templo interior estiver frágil. É
como erguer uma casa sobre areia: por mais bela que seja, cedo ou tarde ruirá.
A metáfora é simples, mas profunda, e atravessa tanto a tradição maçônica
quanto a filosofia clássica.
Aristóteles ensinava que a felicidade não é um acaso, mas o
resultado da prática constante da virtude. Essa ideia conversa diretamente com
o método maçônico: repetir bons hábitos, vigiar pensamentos, corrigir desvios.
O maçom aprende que não basta conhecer o bem; é preciso exercitá-lo até que se
torne parte de sua natureza. Assim como o músculo se fortalece pelo uso, o
caráter se consolida pela repetição consciente.
N isso a metáfora da espada simbólica ocupa lugar central. Essa
espada não fere corpos, mas corta ilusões. Seu fio é a lógica, capaz de separar
o verdadeiro do falso; seu corpo é a psicologia, que permite compreender as
próprias motivações e fragilidades; sua organização é a gnosiologia, que dá
método e ordem ao conhecimento. Sem essa espada interior, o homem torna-se
presa fácil de ideias sedutoras, paixões desordenadas e raciocínios mal
construídos. Defender o templo interior é, antes de tudo, aprender a pensar bem.
Aqui aparece o ensinamento de Sócrates: "uma vida não examinada não merece ser vivida".
Examinar-se é um ato de coragem. Exige admitir erros, reconhecer limites e
aceitar que o inimigo mais persistente habita dentro de nós. O Rito Escocês
Antigo e Aceito não propõe a negação da realidade, mas o enfrentamento lúcido
dela. A batalha não acontece no exterior, mas no silêncio da consciência.
A espiritualidade, nesse contexto, não se opõe à razão; ao
contrário, a completa. A fé maçônica no Grande Arquiteto do Universo não é
ingênua nem dogmática, mas racional e simbólica. É a confiança de que o
Universo possui ordem, sentido e coerência. Immanuel Kant afirmava que duas
coisas o enchiam de admiração: o céu estrelado sobre nós e a lei moral dentro
de nós. A Maçonaria une essas duas dimensões, mostrando que a contemplação do
cosmos e o aperfeiçoamento ético são faces da mesma busca.
Como sugestão prática, convida-se o maçom a transformar o estudo
em hábito vivo. Ler, refletir e dialogar não devem ser atividades restritas à
loja, mas prolongamentos naturais da vida cotidiana. Outro exercício simples é
a vigilância diária dos próprios pensamentos: perguntar-se, ao final do dia,
quais ideias fortaleceram o templo e quais abriram fissuras. Pequenos ajustes
feitos constantemente evitam grandes ruínas no futuro.
Há ainda a dimensão coletiva. O templo interior bem cuidado
irradia equilíbrio para o ambiente. Relações familiares tornam-se mais
harmoniosas, decisões profissionais mais éticas, e a convivência social mais
fraterna. A Maçonaria ensina que o homem transformado transforma o mundo não
pelo discurso, mas pelo exemplo silencioso. A vitória mais profunda é aquela
que não faz ruído.
Em síntese, a filosofia do Rito Escocês Antigo e Aceito propõe
uma técnica de ensino da consciência. Trabalhar, vigiar, corrigir e perseverar
são verbos simples, mas exigentes. A espada interior e a trolha simbólica
lembram que construir e defender são tarefas inseparáveis. Quem aceita esse
caminho descobre que a liberdade não é ausência de limites, mas domínio de si
mesmo, e que a felicidade nasce quando o ser humano se torna coerente com
aquilo que reconhece como verdadeiro.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin
Claret, 2001. Obra fundamental para compreender a felicidade como resultado da
prática virtuosa e do hábito consciente, conceito central para a ética aplicada
à construção do templo interior;
2.
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. Obra indispensável para a compreensão
simbólica do inconsciente e do processo de individuação, em diálogo com a
construção do templo interior;
3.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. Análise rigorosa do dever moral e da autonomia da
vontade, essencial para compreender a ética como disciplina consciente do agir;
4.
PIAGET, Jean. Epistemologia Genética. São Paulo:
Martins Fontes, 1990. Contribuição essencial para a gnosiologia, esclarecendo
os processos de formação do conhecimento humano e sua organização racional;
5.
PLATÃO. A República. São Paulo: Edipro, 2014.
Texto clássico que investiga a justiça e a harmonia da alma, oferecendo bases
filosóficas para a ideia de ordem interior defendida pela filosofia maçônica;

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