domingo, 21 de dezembro de 2025

A Jornada Interior de um Maçom Desperto

Charles Evaldo Boller

Despertar a consciência, na visão do Rito Escocês Antigo e Aceito, é como acender uma lâmpada dentro de um grande templo silencioso. No começo, a luz é fraca, tímida, quase imperceptível; mas aos poucos revela formas, detalhes, caminhos e portas que antes estavam escondidos pela penumbra dos hábitos e pelo peso das repetições automáticas. A Maçonaria não promete iluminação instantânea. O que ela oferece é algo mais profundo: instrumentos simbólicos, reflexões filosóficas e uma comunidade fraterna que servem como espelhos para que o iniciado aprenda a ver a si mesmo com maior clareza. Filosofia, rito e ética se entrelaçam nesse processo, formando uma teia que sustenta o crescimento humano e espiritual.

A filosofia clássica ensina que a sabedoria nasce do reconhecimento da própria ignorância. Sócrates não buscava respostas prontas; buscava perguntas que despertassem. Esse espírito investigativo se infiltra no maçom que se esforça para não viver no piloto automático. Platão, com sua Alegoria da Caverna, lembra que muitos confundem aparências com realidade. Um maçom desperto sabe que romper correntes internas é doloroso, mas necessário para enxergar a Luz da Verdade. Aristóteles acrescenta que o bem não se atinge apenas com reflexão, mas com hábito, disciplina e prática diária. Dessa forma, a consciência desperta é o resultado de um trabalho constante, como lapidar uma pedra bruta que carrega dentro de si uma forma que ainda não se revelou.

No Rito Escocês Antigo e Aceito, cada ferramenta e cada símbolo funciona como metáfora viva. O malhete representa a vontade: nada muda sem o primeiro golpe, sem a decisão firme de transformar-se. O cinzel simboliza o discernimento: é preciso saber onde tocar, onde corrigir, onde aprofundar. O esquadro lembra que todo passo deve buscar justiça; o compasso, que liberdade e limites caminham juntos. Assim, a consciência desperta não é apenas um estado mental, mas uma atitude diante da vida. Um aprendiz pode decorar os nomes dos símbolos, mas só o maçom desperto, iniciado internamente, é capaz de vivê-los.

Quando falamos de despertar, falamos também de coragem. Coragem para olhar a própria sombra, como ensinou Jung, e reconhecer que não existe luz sem contraste. Coragem para admitir erros, rever intenções, ajustar trajetórias. Coragem para perceber que cada ação, mesmo pequena, reverbera na egrégora da humanidade, conceito que o Rito Escocês Antigo e Aceito reforça ao propor uma fraternidade que transcende fronteiras. Assim como na física quântica, onde o observador influencia o fenômeno observado, o maçom aprende que seus pensamentos moldam sua realidade moral. Essa percepção cria responsabilidade: não basta agir bem, é preciso pensar bem.

Uma metáfora útil é imaginar a consciência como um jardim. Quando adormecida, deixa crescer ervas daninhas: medo, orgulho, julgamento, vaidade. Quando desperta, transforma-se em solo fértil onde virtudes podem florescer. Mas nenhum jardim se cuida sozinho. É preciso regar, podar, limpar, replantar. Da mesma forma, o maçom é um jardineiro de si mesmo: cultiva paciência, segue podando impulsos destrutivos, aprende a colocar cada emoção em seu devido lugar. O Templo Interior não se ergue com pressa, mas com constância.

Algumas sugestões práticas podem tornar esse caminho mais concreto. Uma delas é praticar o silêncio por alguns minutos antes de dormir, permitindo que a mente revele padrões ocultos. Também é útil estudar um símbolo maçônico por semana, relacionando-o a situações reais vividas no trabalho, na família ou na Loja. Pequenos gestos, quando repetidos, transformam-se em hábitos, e hábitos moldam o caráter. Além disso, prestar atenção às relações fraternas ajuda a perceber que cada irmão funciona como um espelho: suas qualidades inspiram, suas dificuldades ensinam, seus conflitos revelam partes não resolvidas de nós mesmos.

O despertar não é privilégio de poucos, mas disposição de muitos. Ele não acontece apenas em rituais solenes; brota na maneira como tratamos pessoas, como usamos palavras, como enfrentamos desafios. A consciência desperta é a arte de viver com presença. É reconhecer que cada gesto pode ser uma pedra assentada no Templo invisível que construímos dentro e fora de nós. Como ensinou Marco Aurélio, um dos maiores filósofos da autodisciplina: "A vida de cada homem é o que seus pensamentos fazem dela." Se pensamos com Luz, construímos Luz.

Bibliografia Comentada

1.      ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Antônio de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009. Aristóteles ensina que a virtude nasce do hábito e da prática constante, reforçando a ideia de que a Maçonaria é um exercício diário de lapidação pessoal;

2.      HERMES TRISMEGISTO. O Caibalion. Tradução Múcio Morais. São Paulo: Madras, 2017. A obra sintetiza princípios herméticos que dialogam com a Maçonaria, como correspondência e vibração, ajudando o iniciado a perceber a dimensão sutil do despertar interior;

3.      JUNG, Carl Gustav. O Eu e o Inconsciente. Tradução Dora Ferreira da Silva. Petrópolis: Vozes, 1991. Jung apresenta a noção de sombra e individuação, auxiliando o maçom a compreender a importância de integrar partes ocultas da psique no processo de despertar;

4.      PLATÃO. A República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. A obra apresenta a famosa Alegoria da Caverna, que funciona como modelo filosófico para compreender o despertar da consciência, revelando a passagem das sombras internas para a luz da verdade, princípio essencial no caminho maçônico;

5.      PLATÃO. Apologia de Sócrates. Tradução Jaime Bruna. São Paulo: abril Cultural, 1979. Neste diálogo, Sócrates defende o valor do autoexame, mostrando que a vida precisa de reflexão para alcançar dignidade; seu pensamento inspira o maçom a cultivar humildade e vigilância moral;

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