sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

O Pensamento como Fundamento da Liberdade Maçônica

 Charles Evaldo Boller

A força de um homem não se mede pelo volume de sua voz, mas pela profundidade de seu pensamento. No ambiente maçônico do Rito Escocês Antigo e Aceito, essa premissa acompanha cada gesto, cada símbolo e cada instante de silêncio dentro do templo. Quando a sociedade lá fora parece entrar em colapso moral, quando valores antes sólidos se desfazem como areia escorrendo entre os dedos, a Maçonaria recorda ao iniciado que a reconstrução começa por dentro. O mundo externo é apenas uma extensão da arquitetura interior de cada indivíduo. Se o homem desmorona, a sociedade segue seu destino. Se o homem se fortalece, a comunidade se ergue junto. Por isso, pensar, no Rito Escocês Antigo e Aceito, é mais do que faculdade intelectual: é mandamento ético.

A filosofia clássica sempre intuiu esse princípio. Sócrates, caminhando pelas ruas de Atenas, provocava seus interlocutores com perguntas que desmontavam certezas frágeis. Ele sabia que a cidade justa só poderia nascer do homem justo. Platão reforçou essa visão ao comparar a alma humana a uma carruagem puxada por cavalos alados, oscilando entre impulsos e razão. Esse conflito interior é o mesmo que o maçom enfrenta ao empunhar simbolicamente seu maço e seu cinzel: duas ferramentas que representam a vontade e o discernimento. Cada golpe na pedra bruta é um golpe na própria ignorância. A metáfora não é poética; é instrucional.

Pensar é o trabalho de um maçom. Não para acumular teorias, mas para desenvolver autonomia intelectual num mundo que tenta, a todo instante, transformar cidadãos em peças de um tabuleiro político. A sociedade moderna opera como um grande teatro de sombras, projetando medos, discursos inflamados e rivalidades artificiais. Quem não pensa aceita o papel que lhe dão. Quem pensa escreve o próprio roteiro. E é justamente isso que desperta temor em estruturas de poder: um indivíduo capaz de analisar a realidade, identificar manipulações e decidir por si mesmo.

O Rito Escocês Antigo e Aceito ensina que o templo é uma representação simbólica do próprio iniciado. Quando o irmão entra em Loja, ele não caminha apenas por um espaço físico, mas por um mapa de si mesmo. Cada coluna, cada luz, cada ferramenta carrega um ensinamento oculto. A Loja não ensina o que pensar, mas como pensar. Esse é o segredo que diferencia a Ordem de qualquer movimento político. A Maçonaria não forma militantes; forma líderes silenciosos. Não constrói soldados; constrói arquitetos de consciência.

É nessa perspectiva que surge a metáfora do "Homem Símbolo", tão presente nas reflexões maçônicas modernas. Esse homem não é um ideal distante, mas uma possibilidade real que nasce do esforço cotidiano. Ele é como um farol em meio à tempestade: não afasta a tempestade, mas oferece direção. O maçom que pensa, que estuda, que se disciplina, torna-se esse farol na família, no trabalho, na comunidade. A luz que irradia não vem de opiniões prontas, mas da coerência entre vida interior e ação exterior.

Esse processo exige prática constante. Pensar não é ato espontâneo; é exercício. Da mesma forma que um atleta treina músculos, o maçom treina a mente. A leitura de bons livros, a participação ativa nos trabalhos de Loja, a busca por silêncio interior e a capacidade de escutar antes de falar são alguns dos hábitos que fortalecem esse músculo invisível. E quanto mais forte ele se torna, mais resistente o iniciado fica contra tentativas de manipulação. Um homem que pensa não se dobra facilmente.

O Rito Escocês reforça também que a liberdade não é presente dado por autoridades, mas conquista interior. Ela nasce da capacidade de enxergar além das aparências, compreender causas profundas e agir com base em princípios. A liberdade interior é como uma chama que precisa ser cuidada. Se exposta ao vento das paixões políticas, apaga-se; se guardada com disciplina, ilumina caminhos que antes pareciam impossíveis.

Para aplicar isso na vida diária, o maçom pode começar com pequenas práticas. Primeiro, cultivar momentos de reflexão, questionando suas próprias convicções com honestidade socrática. Segundo, praticar liderança pelo exemplo: agir de maneira ética mesmo quando ninguém observa. Terceiro, oferecer às pessoas ao redor a oportunidade de pensar por si mesmas, evitando impor opiniões. Assim, espalha-se algo raro na sociedade: lucidez.

A reconstrução da nação passa inevitavelmente pela reconstrução do pensamento. Um país não muda apenas com reformas externas, mas com cidadãos capazes de raciocinar com clareza. Cada maçom que se dedica a essa tarefa cumpre um papel que vai muito além do templo: torna-se agente de transformação silenciosa, porém poderosa. A história mostra que as maiores revoluções começam na mente dos que ousam pensar.

Bibliografia Comentada

1.      CAMINO, Rizzardo da. A Maçonaria Simbólica. Porto Alegre: Globo, 1966. Camino explora o simbolismo interno da Loja e do Homem Símbolo, oferecendo base para compreender a metáfora do templo interior e o papel transformador do pensamento na jornada maçônica;

2.      CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. São Paulo: Cultrix, 2014. Capra propõe paralelos entre espiritualidade e ciência moderna, reforçando a ideia de que a mente humana influencia realidades e que o pensamento é força estruturante, em sintonia com princípios iniciáticos;

3.      PLATÃO. A República. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2000. Nesta obra, Platão discute a relação entre justiça, política e formação moral do indivíduo. A ideia de que a cidade justa nasce do homem justo fundamenta a reflexão sobre a responsabilidade interna do maçom e sua influência silenciosa na sociedade;

4.      SÓCRATES (através de PLATÃO). Apologia de Sócrates. São Paulo: abril Cultural, 1983. O diálogo apresenta o método socrático de questionamento e a busca pela verdade. A obra complementa o tema ao evidenciar que pensar criticamente é ato de coragem e liberdade, valores centrais no Rito Escocês Antigo e Aceito;

Nenhum comentário: