Charles Evaldo Boller
A força de um homem não se mede pelo volume de sua voz, mas pela
profundidade de seu pensamento. No ambiente maçônico do Rito Escocês Antigo e
Aceito, essa premissa acompanha cada gesto, cada símbolo e cada instante de
silêncio dentro do templo. Quando a sociedade lá fora parece entrar em colapso
moral, quando valores antes sólidos se desfazem como areia escorrendo entre os
dedos, a Maçonaria recorda ao iniciado que a reconstrução começa por dentro. O
mundo externo é apenas uma extensão da arquitetura interior de cada indivíduo.
Se o homem desmorona, a sociedade segue seu destino. Se o homem se fortalece, a
comunidade se ergue junto. Por isso, pensar, no Rito Escocês Antigo e Aceito, é mais do que faculdade
intelectual: é mandamento ético.
A filosofia clássica sempre intuiu esse princípio. Sócrates,
caminhando pelas ruas de Atenas, provocava seus interlocutores com perguntas
que desmontavam certezas frágeis. Ele sabia que a cidade justa só poderia
nascer do homem justo. Platão reforçou essa visão ao comparar a alma humana a
uma carruagem puxada por cavalos alados, oscilando entre impulsos e razão. Esse
conflito interior é o mesmo que o maçom enfrenta ao empunhar simbolicamente seu
maço e seu cinzel: duas ferramentas que representam a vontade e o discernimento.
Cada golpe na pedra bruta é um golpe na própria ignorância. A metáfora não é
poética; é instrucional.
Pensar é o trabalho de um maçom. Não para acumular teorias, mas
para desenvolver autonomia intelectual num mundo que tenta, a todo instante,
transformar cidadãos em peças de um tabuleiro político. A sociedade moderna
opera como um grande teatro de sombras, projetando medos, discursos inflamados
e rivalidades artificiais. Quem não pensa aceita o papel que lhe dão. Quem
pensa escreve o próprio roteiro. E é justamente isso que desperta temor em
estruturas de poder: um indivíduo capaz de analisar a realidade, identificar
manipulações e decidir por si mesmo.
O Rito
Escocês Antigo e Aceito ensina que o templo é uma representação
simbólica do próprio iniciado. Quando o irmão entra em Loja, ele não caminha
apenas por um espaço físico, mas por um mapa de si mesmo. Cada coluna, cada
luz, cada ferramenta carrega um ensinamento oculto. A Loja não ensina o que
pensar, mas como pensar. Esse é o segredo que diferencia a Ordem de qualquer
movimento político. A Maçonaria não forma militantes; forma líderes
silenciosos. Não constrói soldados; constrói arquitetos de consciência.
É nessa perspectiva que surge a metáfora do "Homem Símbolo", tão presente nas
reflexões maçônicas modernas. Esse homem não é um ideal distante, mas uma
possibilidade real que nasce do esforço cotidiano. Ele é como um farol em meio
à tempestade: não afasta a tempestade, mas oferece direção. O maçom que pensa,
que estuda, que se disciplina, torna-se esse farol na família, no trabalho, na
comunidade. A luz que irradia não vem de opiniões prontas, mas da coerência
entre vida interior e ação exterior.
Esse processo exige prática constante. Pensar não é ato
espontâneo; é exercício. Da mesma forma que um atleta treina músculos, o maçom
treina a mente. A leitura de bons livros, a participação ativa nos trabalhos de
Loja, a busca por silêncio interior e a capacidade de escutar antes de falar
são alguns dos hábitos que fortalecem esse músculo invisível. E quanto mais
forte ele se torna, mais resistente o iniciado fica contra tentativas de
manipulação. Um homem que pensa não se dobra facilmente.
O Rito Escocês reforça também que a liberdade não é presente
dado por autoridades, mas conquista interior. Ela nasce da capacidade de
enxergar além das aparências, compreender causas profundas e agir com base em
princípios. A liberdade interior é como uma chama que precisa ser cuidada. Se
exposta ao vento das paixões políticas, apaga-se; se guardada com disciplina,
ilumina caminhos que antes pareciam impossíveis.
Para aplicar isso na vida diária, o maçom pode começar com
pequenas práticas. Primeiro, cultivar momentos de reflexão, questionando suas
próprias convicções com honestidade socrática. Segundo, praticar liderança pelo
exemplo: agir de maneira ética mesmo quando ninguém observa. Terceiro, oferecer
às pessoas ao redor a oportunidade de pensar por si mesmas, evitando impor
opiniões. Assim, espalha-se algo raro na sociedade: lucidez.
A reconstrução da nação passa inevitavelmente pela reconstrução
do pensamento. Um país não muda apenas com reformas externas, mas com cidadãos
capazes de raciocinar com clareza. Cada maçom que se dedica a essa tarefa
cumpre um papel que vai muito além do templo: torna-se agente de transformação silenciosa,
porém poderosa. A história mostra que as maiores revoluções começam na mente
dos que ousam pensar.
Bibliografia Comentada
1.
CAMINO, Rizzardo da. A Maçonaria Simbólica.
Porto Alegre: Globo, 1966. Camino explora o simbolismo interno da Loja e do
Homem Símbolo, oferecendo base para compreender a metáfora do templo interior e
o papel transformador do pensamento na jornada maçônica;
2.
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. São Paulo:
Cultrix, 2014. Capra propõe paralelos entre espiritualidade e ciência moderna, reforçando
a ideia de que a mente humana influencia realidades e que o pensamento é força
estruturante, em sintonia com princípios iniciáticos;
3.
PLATÃO. A República. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2000. Nesta obra, Platão discute a relação entre justiça, política
e formação moral do indivíduo. A ideia de que a cidade justa nasce do homem
justo fundamenta a reflexão sobre a responsabilidade interna do maçom e sua
influência silenciosa na sociedade;
4.
SÓCRATES (através de PLATÃO). Apologia de
Sócrates. São Paulo: abril Cultural, 1983. O diálogo apresenta o método
socrático de questionamento e a busca pela verdade. A obra complementa o tema
ao evidenciar que pensar criticamente é ato de coragem e liberdade, valores
centrais no Rito Escocês Antigo e Aceito;

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