A Maçonaria apresenta-se menos como uma escola que transmite
conteúdos e mais como um método que provoca o ser humano a pensar por si mesmo.
Ao ingressar nesse caminho, o iniciado percebe gradualmente que não receberá
verdades prontas, mas instrumentos simbólicos para construir o próprio edifício
interior. Essa constatação dialoga diretamente com a filosofia clássica,
sobretudo com a herança socrática, segundo a qual o saber não pode ser imposto
de fora, mas deve emergir do interior do indivíduo pela reflexão e pela experiência.
O templo maçônico, nesse sentido, assemelha-se a um campo arado: não entrega a
colheita, mas prepara o solo para que cada um semeie e colha conforme seu
esforço e discernimento.
Sócrates afirmava que o conhecimento começa pelo reconhecimento
da própria ignorância, e essa máxima encontra reflexo profundo na iniciação
maçônica. O neófito, ao se deparar com símbolos que não se explicam, é levado a
um estado de inquietação fértil. O esquadro, o compasso e a pedra bruta
funcionam como espelhos: refletem não respostas, mas perguntas. Tal como na
maiêutica socrática, o símbolo não ensina diretamente; ele faz nascer ideias
que já estavam latentes. O aprendizado torna-se, assim, um parto interior.
Essa concepção do conhecimento como algo dinâmico e progressivo
também se harmoniza com a visão de Heráclito, para quem tudo flui e nada
permanece idêntico. As Verdades do maçom não são blocos de pedra imutáveis, mas
andaimes provisórios. Na medida em que a consciência amadurece, aquilo que
antes parecia sólido revela novas faces. A Maçonaria não teme essa
mutabilidade; ao contrário, faz dela um princípio de um sistema de ensino. O
símbolo é como um rio: quem nele entra hoje não encontra as mesmas águas de
ontem, ainda que o leito permaneça.
Quando Platão distingue opinião e conhecimento, ele aponta que a
maioria dos homens permanece no nível das sombras, enquanto poucos se dispõem a
subir em direção à Luz. A Maçonaria traduz essa ascensão em linguagem
simbólica. Cada grau, cada lenda e cada ritual representam degraus de uma
escada interior. Não se trata de acumular títulos, mas de ampliar a capacidade
de ver. A dialética platônica, que avança por tese, antítese e síntese,
reaparece na prática maçônica como confronto sereno de ideias, escuta atenta e
elaboração interior, acessível inclusive àqueles sem formação acadêmica formal.
A crítica à fragmentação do saber já estava implícita em
Aristóteles, quando afirmava que a virtude nasce do equilíbrio. A educação
profana moderna, ao compartimentar o homem em funções e especialidades,
frequentemente perde de vista o todo. A Maçonaria, ao contrário, busca formar o
homem inteiro. Moral, razão, emoção e espiritualidade não são compartimentos
isolados, mas faces de uma mesma pedra em lapidação. Essa abordagem integral
pode ser comparada a uma catedral: não se sustenta por uma única coluna, mas
pela harmonia de todas.
Do ponto de vista construtivo, sugere-se que o maçom deva
cultivar a curiosidade sem cair na indiscrição, a ação sem abandonar o
silêncio, o pensamento sem desprezar o sentir. Essas tensões criativas lembram
a ética do meio-termo aristotélico e podem ser aplicadas de forma prática na
vida cotidiana. Como sugestão ilustrativa, o leitor pode observar suas próprias
decisões diárias como pequenos rituais: cada escolha ética é um golpe de
malhete que aproxima a pedra de sua forma cúbica. Do mesmo modo, reservar
momentos de silêncio e reflexão, longe do ruído constante, funciona como o
polimento fino que dá acabamento à obra.
A Maçonaria também se revela como escola de ação política no
sentido mais elevado do termo. Ao formar homens capazes de governar a si
mesmos, prepara-os para servir à coletividade com justiça e responsabilidade.
Essa visão aproxima-se do ideal do filósofo-rei platônico, não como governante
autoritário, mas como aquele que age orientado pela consciência e pelo bem
comum. O maçom não busca o poder pelo poder; ele compreende que agir
corretamente é, em si, um ato político transformador.
Em última instância, aparece a compreensão de que o templo não é
feito de pedra, mas de atitudes. Cada homem é um santuário vivo, cujas portas
são os sentidos e cujo altar é a consciência. Lapidar-se é um trabalho
silencioso e contínuo, mas seus efeitos irradiam para além do indivíduo. Assim
como uma única pedra bem talhada sustenta todo um arco, um ser humano íntegro
pode sustentar, com sua presença ética, parte significativa do edifício social.
Essa é a contribuição mais profunda da filosofia maçônica: formar consciências
livres que, ao se transformarem, transformam também o mundo ao redor.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin
Claret, 2001. Obra clássica que fundamenta a ética das virtudes e do
equilíbrio, oferecendo base sólida para compreender a formação moral integral
proposta pela filosofia maçônica;
2.
HERÁCLITO. Fragmentos. São Paulo: Paulus, 2002.
Texto essencial para a compreensão da ideia de fluxo e transformação contínua,
conceito que dialoga diretamente com a noção maçônica de verdades dinâmicas;
3.
PLATÃO. A República. São Paulo: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2007. Referência central sobre dialética, política e
educação do homem justo, cujos princípios encontram paralelos simbólicos na
estrutura iniciática da Maçonaria;
4.
PLATÃO. Mênon. São Paulo: Loyola, 2001. Diálogo
fundamental para o conceito de anamnese, que ilumina a compreensão do
conhecimento como recordação de verdades latentes, amplamente explorada no
método simbólico maçônico;
5.
SÓCRATES. Apologia de Sócrates. São Paulo: abril
Cultural, 1983. Texto emblemático sobre autoconhecimento, ética e coerência
entre pensamento e ação, pilares centrais da formação filosófica maçônica;

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