segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

O Ponto, a Consciência e o Caminho do Maçom

 Charles Evaldo Boller

Pensar o ponto é aceitar um desafio filosófico que atravessa séculos. Um ponto não ocupa espaço, não tem forma, não se mede; ainda assim, dele pode nascer toda a geometria. Essa imagem simples sustenta uma das reflexões mais profundas: o mínimo contém o máximo, o invisível sustenta o visível, e o silêncio antecede toda criação. Na filosofia maçônica, especialmente no Rito Escocês Antigo e Aceito, o ponto não é mero elemento gráfico, mas símbolo do princípio, da origem e do centro consciente do ser humano.

A ciência moderna, ao afirmar que a matéria é essencialmente energia organizada, aproxima-se dessa intuição simbólica. Albert Einstein afirmou que tudo no Universo pode ser compreendido como campo energético, e não como substância rígida. O que os sentidos chamam de matéria é, na verdade, um jogo de forças, vibrações e probabilidades. Essa constatação não esvazia o mundo de sentido; ao contrário, devolve-lhe mistério. O ponto, nesse contexto, representa a possibilidade pura, o estado latente a partir do qual a energia se manifesta.

A Maçonaria sempre ensinou que a realidade deve ser lida simbolicamente. O ponto no centro do círculo, tão recorrente em sua tradição, indica que o essencial não está nas bordas, mas no centro. O círculo é a manifestação; o ponto é o princípio. Assim também o maçom é convidado a compreender-se como centro de responsabilidade e consciência. Não como senhor do Universo, mas como ponto ativo dentro dele. Pequeno em escala cósmica, mas decisivo em ética e ação.

Essa ideia relaciona-se com a filosofia clássica. Sócrates ensinava que o conhecimento começa pelo autoconhecimento. Conhecer-se como ponto é reconhecer limites e, ao mesmo tempo, potencialidades. É admitir que não controlamos o todo, mas governamos o próprio centro. Já Platão lembrava que o mundo sensível é apenas sombra do mundo inteligível. O ponto pertence a esse domínio das ideias: não se vê, mas organiza; não se toca, mas orienta.

No Rito Escocês Antigo e Aceito, a construção do Templo Interior segue essa lógica. O trabalho não é externo, mas interno. A pedra bruta não é apenas defeito moral; é potencial não lapidado. O ponto simboliza o estado inicial dessa construção: consciência ainda sem forma definida, mas rica em possibilidades. Cada pensamento é como um risco traçado a partir do ponto; cada ação, uma expansão do compasso. Se o centro estiver desalinhado, toda a forma resultante será imperfeita.

Aqui surge uma metáfora útil à vida prática: governar a própria consciência é como manter o eixo de uma roda. Não importa o quanto ela gire, se o centro estiver firme, o movimento será harmônico. O maçom que age apenas reagindo às circunstâncias vive na periferia; aquele que age a partir de princípios vive no centro. Isso se reflete no trabalho, na família e na sociedade. Uma decisão ética, ainda que discreta, pode irradiar efeitos duradouros, assim como um ponto gera infinitas circunferências possíveis.

Sugere-se uma reconciliação necessária entre ciência, filosofia e espiritualidade. O Grande Arquiteto do Universo não é apresentado como entidade distante, mas como princípio ordenador que se manifesta em tudo, inclusive na consciência humana. Essa ideia encontra apoio em Aristóteles, quando afirma que há uma causa primeira que move sem ser movida. Na linguagem simbólica, essa causa não empurra o mundo de fora; sustenta-o de dentro.

Como sugestão construtiva, o ensaio convida o leitor, e especialmente o maçom, a exercícios simples de aplicação prática. Antes de agir, retornar ao centro: qual é a intenção? Qual valor está sendo expandido? Antes de julgar, alinhar o esquadro interior: estou sendo reto comigo mesmo? Antes de expandir ambições, fixar o compasso no ponto correto: isso contribui para a harmonia ou apenas para o ego? Essas perguntas, repetidas no cotidiano, transformam o símbolo em método de vida.

Em síntese, compreender o ponto é compreender que a grande obra começa no invisível. O maçom não constrói o mundo pela força, mas pela consciência. E quando reconhece em si o ponto silencioso onde o infinito se manifesta, passa a caminhar com mais humildade, clareza e responsabilidade. Nesse centro discreto, ciência, filosofia e espiritualidade deixam de competir e passam a cooperar, revelando que o progresso humano nasce sempre de dentro para fora.

Bibliografia Comentada

1.      ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002. Fundamental para o estudo da causa primeira e do princípio organizador do ser, conceitos que dialogam diretamente com o simbolismo do ponto;

2.      EINSTEIN, Albert. A evolução da física. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. Apresenta de forma acessível a noção de campos e energia, oferecendo base científica para a crítica ao materialismo clássico;

3.      ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Contribui para a compreensão do símbolo como mediador entre o visível e o invisível, aspecto central da filosofia maçônica;

4.      HEISENBERG, Werner. Física e filosofia. Brasília: Editora UnB, 2004. Explora as implicações filosóficas da Mecânica Quântica, especialmente a relação entre observador e realidade;

5.      KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. Importante para refletir sobre os limites da percepção e do conhecimento humano, reforçando a ideia de que a matéria é interpretação, não essência;

6.      PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2006. Obra essencial para compreender a distinção entre mundo sensível e mundo inteligível, base filosófica da leitura simbólica da realidade;

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