sábado, 16 de agosto de 2025

O Conhecimento Maçônico: Autoconhecimento e Sabedoria

 Charles Evaldo Boller

O conhecimento maçônico tem sido, desde a sua origem, objeto de fascínio e de controvérsia. Muito já se disse a respeito da Ordem: ora acusada de segredo excessivo, ora celebrada como guardiã de valores universais. O que escapa aos olhares externos é que a Maçonaria não se define por enunciados dogmáticos, mas pela vivência cotidiana de seus membros. Trata-se de uma filosofia prática, construída no seio da experiência, na qual o ser humano é simultaneamente sujeito e objeto de transformação.

Assim, perguntar o que é a Maçonaria é tocar num campo de paradoxos: pode-se ser maçom sem portar o avental, e portar o avental sem jamais sê-lo verdadeiramente. Nesse horizonte, o conhecimento maçônico não se confunde com a acumulação de informações, mas antes se revela como sabedoria incorporada na ação ética, na convivência fraterna e na busca constante da verdade.

A Dificuldade da Definição

Entre o Conceitual e o Vivencial

A filosofia ensina que conceitos rígidos jamais abarcam plenamente a realidade. Aristóteles já alertava que a definição essencial de um objeto nem sempre é suficiente para capturar a riqueza de sua experiência. Do mesmo modo, a Maçonaria não se deixa aprisionar em categorias fixas.

As definições encontradas na literatura - instituição filantrópica, escola moral, sociedade iniciática - iluminam aspectos parciais. Porém, como observa o filósofo Martin Heidegger, "a essência da verdade é a liberdade" (Heidegger, 1943), e o ser maçom se aproxima dessa dimensão: não se define, vive-se.

Verdade, Ilusão e Percepção

A pergunta - "informações fidedignas?" - traz à tona o problema da Verdade. Spinoza, ao elaborar sua teoria do conatus, apontava que os homens são frequentemente guiados por paixões e fantasias que deformam a realidade. Assim também ocorre com a Maçonaria: muito do que se publica é fruto de equívocos, projeções ou até difamações. O maçom autêntico, ao contrário, busca discernir entre ilusão e realidade, cultivando uma razão livre e uma consciência desperta.

A Escola de Virtudes

Dimensão Ética e Cívica

Em sentido amplo, a Maçonaria pode ser compreendida como uma escola de formação moral e cívica. Seu objetivo não é apenas aperfeiçoar indivíduos, mas contribuir para a arquitetura de uma sociedade justa. Nesse aspecto, aproxima-se do ideal socrático: "conhece-te a ti mesmo", pois somente a autoconsciência conduz ao exercício responsável da cidadania.

A Ordem combate a ignorância e inspira fraternidade, pois entende que a liberdade só floresce em meio a homens virtuosos. O maçom é, antes de tudo, um bom cidadão, comprometido com as leis do país em que vive, mas, sobretudo, com as leis não escritas da justiça e da solidariedade.

Dimensão Filosófica e Iluminista

A modernidade iluminista, especialmente em Montesquieu e Kant, encontra eco na filosofia maçônica. A convivência harmoniosa de diferentes credos e opiniões políticas dentro de uma loja representa a realização prática da tolerância. A diversidade, longe de ser ameaça, é celebrada como condição necessária da paz. O templo maçônico é, portanto, um espaço simbólico de diálogo e investigação racional da verdade.

O Conhecimento Esotérico e a Simbologia

O Valor do Segredo

Ao contrário do que muitos pensam, a Maçonaria não é secreta: possui estatutos públicos e atividades reconhecidas legalmente. Seus "segredos" dizem respeito à experiência interior e à linguagem simbólica, que não pode ser transmitida por palavras, mas apenas desvelada na vivência iniciática.

O segredo é instrucional: impede a banalização e preserva o caráter transformador da experiência. Mircea Eliade, em seus estudos sobre religiões e iniciações, mostra que todo rito de passagem exige um resguardo simbólico, pois o que está em jogo não é informação, mas transfiguração da consciência.

O Infinito da Simbologia

O símbolo maçônico não se esgota. Cada porta aberta revela outras portas. Tal estrutura é semelhante ao pensamento hermético, que vê no microcosmo humano o reflexo do macrocosmo universal. A linguagem simbólica, ao mesmo tempo esotérica e universal, convida o iniciado a uma jornada sem fim: a busca da Verdade transcende o tempo e o espaço.

Maçonaria como Caminho de Aprendizagem

Estudo e Autoconstrução

O maçom não se limita a frequentar reuniões: dedica-se ao estudo, ao aprimoramento constante de si. A metáfora da pedra bruta que deve ser polida simboliza a luta contra as próprias imperfeições. Um maçom que não estuda, que não reflete, trai o ideal da Ordem.

Assim, o conhecimento maçônico não é elitista: não depende de títulos acadêmicos, mas do esforço pessoal e da abertura interior. Muitos irmãos de instrução elementar se destacaram pela sabedoria prática e pela capacidade de liderança que floresceu no convívio fraterno.

Da Obediência à Liderança

A Maçonaria cultiva a disciplina e a obediência como pré-condições para a liderança. Somente aquele que aprendeu a obedecer sabe comandar com justiça. Esta lição ecoa em Platão e na tradição pitagórica: o bom governante é aquele que antes se submeteu às leis da razão e da ordem.

A formação maçônica combate o despotismo e a arrogância, cultivando líderes que compreendem o mundo dos liderados e que veem o comando não como privilégio, mas como serviço.

Filantropia e Transformação Social

A Caridade como Exercício

A Ordem é filantrópica, mas a sua filantropia vai além do assistencialismo. Dar pão ao faminto é necessário, mas insuficiente; mais importante é criar condições para que cada homem aprenda a "pescar", isto é, a conquistar autonomia.

O maçom pratica a beneficência como exercício de seus sentimentos. A caridade é instrumento de elevação moral e não deve degenerar em hipocrisia ou em mera aparência de bondade.

Construção de Pontes

A maior obra da Maçonaria não é a doação material, mas a construção de pontes simbólicas entre homens. Em um mundo marcado pela fragmentação e pelo ódio, a Ordem propõe o amor fraterno como única força capaz de transformar radicalmente a Humanidade.

Esse amor não é ingênuo, mas disciplinado; não é sentimentalismo, mas princípio filosófico que sustenta a tríade maçônica: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

A Vida Maçônica: Riscos e Desafios

Ser maçom não é viver em um "mar de rosas". É expor-se ao risco do enfrentamento contra a ignorância, o fanatismo e a injustiça. O maior inimigo, porém, é sempre interior: o orgulho, a vaidade, a intolerância.

A vida maçônica exige perseverança, estudo e coragem. A convivência fraterna é imperfeita, pois todos os homens são imperfeitos, mas justamente por isso é valiosa: é no embate das imperfeições que se burila a pedra angular da própria existência.

Ser Maçom sem Avental

Concluindo com uma reflexão fundamental: pode-se ser maçom sem avental? A Ordem não cria virtudes do nada; apenas reconhece e provoca a lapidação daquelas já existentes no indivíduo. O ingresso é precedido por uma vida reta, justa, de amor à verdade e ao próximo.

Assim, ser maçom não é um título, mas uma forma de ser-no-mundo, uma disposição de espírito. A iniciação apenas oficializa aquilo que já germinava na alma do iniciado. Em última instância, o conhecimento maçônico é o caminho do autoconhecimento e da sabedoria.

Bibliografia

1.      ANDERSON, James. Constituições de Anderson. 1723; primeiro documento maçônico moderno. Ressalta a tolerância religiosa e a fraternidade, princípios centrais ainda hoje;

2.      ELIADE, Mircea. Ritos de Iniciação. São Paulo: Martins Fontes, 2001; o autor mostra que toda iniciação envolve segredo e simbolismo. Serve como base para compreender a simbologia maçônica como prática transformadora;

3.      HEIDEGGER, Martin. Sobre a Essência da Verdade. 1943; fundamenta a compreensão de que a verdade não é mera correspondência, mas abertura e liberdade. Relevante para entender a busca maçônica da verdade como processo existencial;

4.      KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é o Esclarecimento? 1784; texto essencial para compreender a dimensão iluminista da Maçonaria: a saída da menoridade pela autonomia da razão;

5.      MONTESQUIEU, Charles. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000; inspira a reflexão sobre cidadania e leis como fundamento do bom maçom, que é antes de tudo um bom cidadão;

6.      PIKE, Albert. Morals and Dogma. Charleston: Supreme Council, 1871; obra clássica da Maçonaria filosófica, enfatiza a dimensão simbólica e hermética do conhecimento maçônico;

7.      SPINOZA, Baruch. Ética. São Paulo: Martins Fontes, 2011; apresenta o conceito de conatus e a crítica às paixões que escravizam o homem, em paralelo ao ideal maçônico de libertação interior;

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