Charles Evaldo Boller
O conhecimento maçônico tem sido, desde a sua origem, objeto de
fascínio e de controvérsia. Muito já se disse a respeito da Ordem: ora acusada
de segredo excessivo, ora celebrada como guardiã de valores universais. O que
escapa aos olhares externos é que a Maçonaria não se define por enunciados
dogmáticos, mas pela vivência cotidiana de seus membros. Trata-se de uma
filosofia prática, construída no seio da experiência, na qual o ser humano é
simultaneamente sujeito e objeto de transformação.
Assim, perguntar o que é a Maçonaria é tocar num campo de
paradoxos: pode-se ser maçom sem portar o avental, e portar o avental sem
jamais sê-lo verdadeiramente. Nesse horizonte, o conhecimento maçônico não se
confunde com a acumulação de informações, mas antes se revela como sabedoria
incorporada na ação ética, na convivência fraterna e na busca constante da
verdade.
A Dificuldade da Definição
Entre o Conceitual e o Vivencial
A filosofia ensina que conceitos rígidos jamais abarcam
plenamente a realidade. Aristóteles já alertava que a definição essencial de um
objeto nem sempre é suficiente para capturar a riqueza de sua experiência. Do
mesmo modo, a Maçonaria não se deixa aprisionar em categorias fixas.
As definições encontradas na literatura - instituição
filantrópica, escola moral, sociedade iniciática - iluminam aspectos parciais.
Porém, como observa o filósofo Martin Heidegger, "a essência da verdade é a liberdade" (Heidegger, 1943), e o
ser maçom se aproxima dessa dimensão: não se define, vive-se.
Verdade, Ilusão e Percepção
A pergunta - "informações
fidedignas?" - traz à tona o problema da Verdade. Spinoza, ao elaborar
sua teoria do conatus, apontava que os homens são frequentemente guiados por
paixões e fantasias que deformam a realidade. Assim também ocorre com a
Maçonaria: muito do que se publica é fruto de equívocos, projeções ou até
difamações. O maçom autêntico, ao contrário, busca discernir entre ilusão e
realidade, cultivando uma razão livre e uma consciência desperta.
A Escola de Virtudes
Dimensão Ética e Cívica
Em sentido amplo, a Maçonaria pode ser compreendida como uma
escola de formação moral e cívica. Seu objetivo não é apenas aperfeiçoar
indivíduos, mas contribuir para a arquitetura de uma sociedade justa. Nesse
aspecto, aproxima-se do ideal socrático: "conhece-te a ti mesmo", pois somente a autoconsciência conduz
ao exercício responsável da cidadania.
A Ordem combate a ignorância e inspira fraternidade, pois
entende que a liberdade só floresce em meio a homens virtuosos. O maçom é,
antes de tudo, um bom cidadão, comprometido com as leis do país em que vive,
mas, sobretudo, com as leis não escritas da justiça e da solidariedade.
Dimensão Filosófica e Iluminista
A modernidade iluminista, especialmente em Montesquieu e Kant,
encontra eco na filosofia maçônica. A convivência harmoniosa de diferentes
credos e opiniões políticas dentro de uma loja representa a realização prática
da tolerância. A diversidade, longe de ser ameaça, é celebrada como condição
necessária da paz. O templo maçônico é, portanto, um espaço simbólico de
diálogo e investigação racional da verdade.
O Conhecimento Esotérico e a Simbologia
O Valor do Segredo
Ao contrário do que muitos pensam, a Maçonaria não é secreta:
possui estatutos públicos e atividades reconhecidas legalmente. Seus "segredos" dizem respeito à
experiência interior e à linguagem simbólica, que não pode ser transmitida por
palavras, mas apenas desvelada na vivência
iniciática.
O segredo é instrucional: impede a banalização e preserva o
caráter transformador da experiência. Mircea Eliade, em seus estudos sobre
religiões e iniciações, mostra que todo rito de passagem exige um resguardo
simbólico, pois o que está em jogo não é informação, mas transfiguração da
consciência.
O Infinito da Simbologia
O símbolo maçônico não se esgota. Cada porta aberta revela
outras portas. Tal estrutura é semelhante ao pensamento hermético, que vê no
microcosmo humano o reflexo do macrocosmo universal. A linguagem simbólica,
ao mesmo tempo esotérica e universal, convida o iniciado a uma jornada sem fim:
a busca da Verdade transcende o tempo e o espaço.
Maçonaria como Caminho de Aprendizagem
Estudo e Autoconstrução
O maçom não se limita a frequentar reuniões: dedica-se ao
estudo, ao aprimoramento constante de si. A metáfora da pedra bruta que deve
ser polida simboliza a luta contra as próprias imperfeições. Um maçom que não
estuda, que não reflete, trai o ideal da Ordem.
Assim, o conhecimento maçônico não é elitista: não depende de
títulos acadêmicos, mas do esforço pessoal e da abertura
interior. Muitos irmãos de instrução elementar se destacaram pela
sabedoria prática e pela capacidade de liderança que floresceu no convívio
fraterno.
Da Obediência à Liderança
A Maçonaria cultiva a disciplina e a obediência como
pré-condições para a liderança. Somente aquele que aprendeu a obedecer sabe
comandar com justiça. Esta lição ecoa em Platão e na tradição pitagórica: o bom
governante é aquele que antes se submeteu às leis da razão e da ordem.
A formação maçônica combate o despotismo e a arrogância,
cultivando líderes que compreendem o mundo dos liderados e que veem o comando
não como privilégio, mas como serviço.
Filantropia e Transformação Social
A Caridade como Exercício
A Ordem é filantrópica, mas a sua filantropia vai além do
assistencialismo. Dar pão ao faminto é necessário, mas insuficiente; mais
importante é criar condições para que cada homem aprenda a "pescar", isto é, a conquistar
autonomia.
O maçom pratica a beneficência como exercício de seus
sentimentos. A caridade é instrumento de elevação moral e não deve degenerar em
hipocrisia ou em mera aparência de bondade.
Construção de Pontes
A maior obra da Maçonaria não é a doação material, mas a
construção de pontes simbólicas entre homens. Em um mundo marcado pela
fragmentação e pelo ódio, a Ordem propõe o amor fraterno como única força capaz
de transformar radicalmente a Humanidade.
Esse amor não é ingênuo, mas disciplinado; não é
sentimentalismo, mas princípio filosófico que sustenta a tríade maçônica:
Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
A Vida Maçônica: Riscos e Desafios
Ser maçom não é viver em um "mar de rosas". É expor-se ao risco do enfrentamento contra a
ignorância, o fanatismo e a injustiça. O maior inimigo, porém, é sempre
interior: o orgulho, a vaidade, a intolerância.
A vida maçônica exige perseverança, estudo e coragem. A
convivência fraterna é imperfeita, pois todos os homens são imperfeitos, mas
justamente por isso é valiosa: é no embate das imperfeições que se burila a
pedra angular da própria existência.
Ser Maçom sem Avental
Concluindo com uma reflexão fundamental: pode-se ser maçom sem
avental? A Ordem não cria virtudes do nada; apenas reconhece e provoca a lapidação
daquelas já existentes no indivíduo. O ingresso é precedido por uma vida reta,
justa, de amor à verdade e ao próximo.
Assim, ser maçom não é um título, mas uma forma de ser-no-mundo,
uma disposição de espírito. A iniciação apenas oficializa aquilo que já
germinava na alma do iniciado. Em última instância, o conhecimento maçônico é o
caminho do autoconhecimento e da sabedoria.
Bibliografia
1.
ANDERSON, James. Constituições de Anderson.
1723; primeiro documento maçônico moderno. Ressalta a tolerância religiosa e a
fraternidade, princípios centrais ainda hoje;
2.
ELIADE, Mircea. Ritos de Iniciação. São Paulo:
Martins Fontes, 2001; o autor mostra que toda iniciação envolve segredo e
simbolismo. Serve como base para compreender a simbologia maçônica como prática
transformadora;
3.
HEIDEGGER, Martin. Sobre a Essência da Verdade.
1943; fundamenta a compreensão de que a verdade não é mera correspondência, mas
abertura e liberdade. Relevante para entender a busca maçônica da verdade como
processo existencial;
4.
KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é o
Esclarecimento? 1784; texto essencial para compreender a dimensão iluminista da
Maçonaria: a saída da menoridade pela autonomia da razão;
5.
MONTESQUIEU, Charles. O Espírito das Leis. São
Paulo: Martins Fontes, 2000; inspira a reflexão sobre cidadania e leis como fundamento
do bom maçom, que é antes de tudo um bom cidadão;
6.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma. Charleston: Supreme Council, 1871; obra clássica
da Maçonaria filosófica, enfatiza a dimensão simbólica e hermética do
conhecimento maçônico;
7.
SPINOZA, Baruch. Ética. São Paulo: Martins
Fontes, 2011; apresenta o conceito de conatus e a crítica às paixões que
escravizam o homem, em paralelo ao ideal maçônico de libertação interior;
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