Charles Evaldo Boller
Fundamentos, Símbolos, Filosofia e Aplicações Práticas
O Grau de Aprendiz, primeiro passo na senda do Rito Escocês
Antigo e Aceito, representa a abertura de um portal simbólico e espiritual
que conduz o iniciado de um estado de ignorância para um caminho de iluminação.
Ele não se limita a uma formalidade ritual; trata-se de uma mudança de estado
de ser.
Albert Pike, em Morals and Dogma (1871), define esse momento
como "a consagração do homem a um
caminho que não pode mais abandonar sem trair a si mesmo". Essa citação
já indica que a iniciação não é algo que se "testa" ou "experimenta"
superficialmente; é um compromisso vitalício com a lapidação do caráter e com o
serviço à humanidade.
No Rito
Escocês Antigo e Aceito, os graus não funcionam como degraus
hierárquicos isolados, mas como um currículo de aperfeiçoamento moral,
intelectual e espiritual, onde cada lição se encadeia na seguinte. O Aprendiz é
a pedra angular dessa construção.
Aspectos Históricos
O Aprendiz na Maçonaria Operativa
Na Idade Média, um aprendiz era admitido em uma guilda mediante
juramento solene, comprometendo-se a servir por um período de anos, obedecendo
a regras e mantendo sigilo sobre as técnicas da arte.
As Old Charges, documentos medievais como o Manuscrito Regius
(c. 1390) e o Manuscrito Cooke (c. 1410), já mencionam princípios morais, não
apenas técnicos, exigindo que o aprendiz fosse "um homem livre e de boa reputação".
Albert G. Mackey comenta, em The Symbolism of Freemasonry
(1869): "o Aprendiz não era apenas
treinado para trabalhar a pedra, mas para trabalhar a si mesmo, moldando o
caráter segundo o ideal de honestidade e utilidade social que a guilda exigia".
Essa herança moral sobrevive integralmente na Maçonaria
Especulativa.
A Transição para a Maçonaria Especulativa
Com a aceitação de membros não operativos (accepted masons), os
símbolos da arte de construir foram reinterpretados em chave moral e
filosófica. A partir de 1717, com a fundação da Grande Loja de Londres, o
sistema de três graus (aprendiz, companheiro e mestre) consolidou-se.
O Rito
Escocês Antigo e Aceito, formalizado em 1801, incorporou o Grau de
Aprendiz com elementos universais (pedra bruta, malhete, cinzel) e, ao mesmo
tempo, deu-lhe uma roupagem esotérica que harmoniza o aprendizado inicial com a
filosofia hermética e iluminista.
Aspectos Simbólicos
A Pedra Bruta
Símbolo central do Grau 1, a pedra bruta é a metáfora do homem
em estado natural.
Mackey afirma: "assim como a pedra extraída da pedreira deve ser polida antes de se encaixar
no edifício, o homem deve ser aperfeiçoado moral e intelectualmente antes de
ser útil à sociedade".
No plano interno, a pedra bruta é o conjunto de hábitos, crenças
e vícios que precisam ser transformados. No plano social, representa a
preparação para agir com retidão e contribuir de forma construtiva.
O Malhete e o Cinzel
Pike explica: "o
malhete é a energia da vontade; o cinzel é a clareza da razão. Sem o primeiro,
nada se realiza; sem o segundo, nada se realiza corretamente".
Essas ferramentas ensinam que ação e reflexão são inseparáveis.
Na prática, o Aprendiz é instado a agir com firmeza, mas sem precipitação,
guiando a força pela inteligência.
O Avental Branco
Manly P. Hall descreve o avental de pele de cordeiro como "o mais antigo símbolo de pureza que o mundo
conhece".
Para o Aprendiz, vestir o avental é um compromisso público de
manter a vida limpa e a consciência tranquila.
A Coluna do Norte
A posição do Aprendiz na Coluna do Norte simboliza um momento de
estudo e observação. No simbolismo solar, é o lado menos iluminado,
representando que a plenitude da luz ainda está por vir.
Aspectos Metafísicos e Esotéricos
Luz e Trevas
Na iniciação, a retirada da venda dos olhos simboliza a passagem
da ignorância para o conhecimento. Pike escreve: "a Luz que buscamos não está fora, mas dentro. O ritual apenas nos lembra
do que sempre possuímos".
A "luz" do grau
1 é parcial; revela-se apenas o suficiente para inspirar o aprendiz a continuar.
Microcosmo e Macrocosmo
Herdeiro da filosofia hermética, o Rito Escocês Antigo e Aceito ensina que o homem é um
microcosmo refletindo o macrocosmo. O Aprendiz é iniciado na compreensão de que
as leis que regem o Universo regem também a alma.
O Número Três
O três, presente em múltiplas passagens do ritual, remete aos
três pilares (Sabedoria, Força, Beleza) e à tríade corpo-mente-espírito. É a
primeira lição de harmonia que o Aprendiz recebe.
Aspectos Sociais e Filosofia Política
Espírito de Corpo
O Rito
Escocês Antigo e Aceito valoriza a presença física na loja. A coesão
fraternal nasce do olho no olho, do toque, do convívio real. Não existe "Maçonaria à distância" porque o
ritual cria um campo de energia e concentração impossível de reproduzir
virtualmente.
Pike observa: "a
Maçonaria vive do calor humano. Sem o contato dos corações e das mãos, ela se
torna um cadáver de belas palavras".
Ética Cívica
O Aprendiz é orientado a respeitar a lei, defender a liberdade
de consciência e agir como pacificador na sociedade. Manly P. Hall lembra que "o maçom é cidadão do mundo, e sua lealdade é
à Verdade acima de qualquer facção".
Psicologia Simbólica
O silêncio imposto ao Aprendiz é parte de sua aprendizagem:
forma o hábito da escuta e da reflexão. Psicologicamente, é um exercício de
autodomínio e humildade.
Jungianos que estudam a Maçonaria veem na pedra bruta o
arquétipo do self não realizado, que precisa ser trabalhado para revelar sua
forma essencial.
Aplicações Práticas
No cotidiano pessoal
·
Cumprir compromissos com rigor.
·
Usar a razão para guiar decisões.
·
Cultivar hábitos de estudo e introspecção.
No ambiente maçônico
·
Participar assiduamente das sessões.
·
Respeitar a hierarquia funcional, entendendo que
cargos são funções de serviço.
Na sociedade
·
Praticar a filantropia.
·
Ser exemplo de ética e tolerância.
O Sentimento de Pertencimento
O pertencimento é o resultado da convivência: participar,
estudar, ajudar e ser ajudado. Ele se constrói no trabalho conjunto, nos
rituais e nas ações coletivas.
Mackey sintetiza: "o
homem pertence à Maçonaria na medida em que a Maçonaria pertence ao seu coração".
Conclusão
O Grau de Aprendiz no Rito
Escocês Antigo e Aceito é muito mais do que um início: é a fundação
sobre a qual todo o edifício maçônico se ergue. Nele, o iniciado recebe a
missão de trabalhar sobre si mesmo, integrar-se fraternalmente e agir no
mundo como construtor de paz e justiça.
O espírito de corpo e o sentimento de
pertencimento, cultivados desde este primeiro passo, são as colunas invisíveis
que sustentam toda a Maçonaria.
Bibliografia
1. ANDERSON,
James. Constituições de Anderson. Londres,
1723.
2.
CARR,
Harry. The Freemason at Work. London: Lewis Masonic, 1976.
3.
COIL, Henry Wilson. Coil's Masonic Encyclopedia.
Richmond: Macoy Publishing, 1996.
4. HALL, Manly P. The Lost Keys of
Freemasonry. New York: Tarcher, 2006.
5. MACKEY, Albert G. The Symbolism of
Freemasonry. New York: Clark & Maynard, 1869.
6.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of
Freemasonry. Charleston: Supreme Council, 1871.
7.
WAITE, Arthur Edward. A New Encyclopedia of
Freemasonry. London: William Rider & Son, 1921.
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