Charles Evaldo Boller
O Rito Escocês Antigo e Aceito, em sua arquitetura iniciática, é
composto por trinta e três graus que constituem um itinerário simbólico,
filosófico e moral de ascensão do indivíduo rumo à perfeição. O grau 12,
denominado Grão-Mestre Arquiteto, insere-se entre os chamados Graus Inefáveis,
etapa que busca aprofundar o entendimento do Maçom sobre os mistérios da
construção espiritual e da edificação moral.
Este grau representa o topo de um ciclo de amadurecimento
intelectual e moral, em que o iniciado é chamado a ser não apenas um obreiro
diligente, mas planejador, arquiteto da obra
interior e exterior. A imagem do arquiteto ultrapassa a esfera
meramente profissional: trata-se de um símbolo que remete à ordem, à proporção,
à harmonia e ao domínio da arte construtiva como METÁFORA
da vida bem estruturada.
O título de Grão-Mestre implica responsabilidade máxima,
indicando que o iniciado atingiu um nível de competência moral e intelectual
capaz de liderar e orientar outros obreiros. A missão não é apenas
construir edifícios de pedra, mas erguer templos ideais, de virtude e
sabedoria, aproximando-se da própria obra do Grande Arquiteto do Universo.
Contexto Histórico
Origem Lendária no Reinado de Salomão
A narrativa lendária que fundamenta este grau situa-se no reinado
de Salomão, época marcada pela construção do Templo de Jerusalém. O Templo não
era apenas um espaço de culto, mas também um símbolo da aliança entre o divino
e o humano. Salomão, reconhecido por sua sabedoria, teria vislumbrado a
necessidade de criar uma Escola de Arquitetura destinada a formar mestres
capazes de perpetuar a ciência da construção sagrada.
Segundo a lenda, esta escola deveria preparar os obreiros para
compreender a geometria sagrada, os princípios de proporção, a harmonia entre
as partes e o todo, bem como o significado espiritual de cada elemento do
Templo. Tal projeto ultrapassava o aspecto técnico: visava formar homens que,
dotados de virtude e ciência, estivessem aptos a continuar a obra do Grande
Arquiteto do Universo.
O Simbolismo da Arquitetura na Antiguidade
Na Antiguidade, a arquitetura era percebida como um reflexo da
ordem cósmica. As construções religiosas do Egito, da Mesopotâmia, da Grécia e
de Roma obedeciam a proporções derivadas da observação da natureza e do estudo
matemático. O templo grego, por exemplo, era erguido segundo relações
harmônicas que buscavam refletir a perfeição ideal. Os egípcios alinhavam suas
pirâmides com precisão astronômica, revelando a conexão entre o espaço sagrado
e o movimento celeste.
O arquiteto, portanto, era visto como um intérprete do cosmos,
capaz de traduzir leis universais em pedra, madeira e metal. Esta visão ecoa no
ideal maçônico: o iniciado deve aprender a harmonizar sua vida segundo as
leis eternas que regem o universo.
Evolução até a Maçonaria Especulativa
Durante a Idade Média, as corporações de construtores
preservaram e transmitiram conhecimentos técnicos e simbólicos. Os mestres
construtores das catedrais góticas, verdadeiros arquitetos do espírito,
concebiam suas obras como livros de pedra que ensinavam a fé e a moral por meio
de imagens e proporções.
Com a transição para a Maçonaria Especulativa no século XVII, a
figura do arquiteto tornou-se um símbolo interior: a construção passou a
referir-se principalmente à edificação do caráter e da sociedade. O grau
12 conserva a herança das tradições construtivas e as reinterpreta em chave espiritual.
A Lenda do Grau 12
A lenda afirma que Salomão, após concluir as principais etapas
da construção do Templo, sentiu a necessidade de formar uma elite de obreiros
dotados não apenas de habilidade manual, mas de compreensão intelectual e
espiritual da obra. Criou, então, uma escola onde se ensinava a "Arte Real[1]",
preparando discípulos para se tornarem dignos colaboradores do Grande Arquiteto
do Universo.
Esta narrativa ressalta a importância da educação continuada
e da transmissão do conhecimento como pilares para a preservação da ordem e da
harmonia social. O arquiteto, nesse contexto, não é mero executor: é um
sábio capaz de conceber, planejar e dirigir uma obra com consciência de seu
significado maior.
Filosofia do Grau
Virtudes e Sabedoria Como Fundamentos da Perfeição
A filosofia do grau 12 estabelece que a grandeza do arquiteto
está no equilíbrio entre virtude e saber. As virtudes cardeais, prudência,
justiça, fortaleza e temperança, formam os alicerces da ação correta. As
virtudes teologais, fé, esperança e caridade, iluminam a dimensão transcendente
da obra.
A sabedoria, neste contexto, não se limita à erudição ou à
técnica; é o fruto da reflexão, da experiência e da capacidade de aplicar o
conhecimento ao bem comum.
Preparação para Cargos de Alta Responsabilidade
O maçom que atinge o grau 12 é convidado a assumir
responsabilidades maiores na ordem maçônica, seja na administração de sua loja,
seja na orientação de irmãos mais novos na Maçonaria. A liderança não é
privilégio, mas serviço: o arquiteto deve garantir que a obra, a
instituição e seus ideais, nunca enfraqueça e que os objetivos traçados sejam
atingidos.
A Perfeição Como Meta Espiritual e Moral
A perfeição aqui almejada não é um estado final, mas um processo
contínuo de aprimoramento. Inspirando-se em Aristóteles e Tomás de Aquino,
entende-se a perfeição como a realização plena das potencialidades humanas,
orientada pelo bem e pela Verdade.
Moral ou Lição do Grau
A lição central é que o Maçom deve exercitar constantemente as
virtudes e a sabedoria que fundamentam a perfeição. Tal exercício é comparável
ao trabalho do arquiteto que, com paciência e atenção, mede, ajusta e corrige
cada parte da obra para que se integre harmonicamente ao todo. O progresso
pessoal e coletivo depende dessa disciplina constante.
Aspectos Simbólicos
O Título de "Grão-mestre Arquiteto"
O termo "arquiteto" deriva do grego archi- (principal)
e tékt? n (construtor), indicando aquele que concebe e dirige a obra. O título
de "Grão-Mestre" acrescenta a ideia de supremacia na arte e na
ciência construtiva. No simbolismo maçônico, significa aquele que domina a arte de construir a si mesmo e orientar a
construção coletiva.
Ferramentas Simbólicas
O compasso, a régua e o esquadro são instrumentos indispensáveis
ao arquiteto, cada qual carregado de significado moral: o compasso representa a
medida justa e a capacidade de traçar limites; a régua simboliza a retidão; o
esquadro é a referência da ação correta.
Geometria Sagrada
A geometria sagrada é a linguagem universal por meio da qual o
arquiteto traduz a ordem cósmica. O quadrado representa a materialidade
estável, o triângulo evoca a espiritualidade e o círculo simboliza a eternidade
e a perfeição. A proporção áurea, presente em obras da natureza e do homem,
expressa a harmonia que deve reger a construção moral.
Aspectos Metafísicos e Esotéricos
O Templo Como Microcosmo
O Templo de Salomão, na tradição esotérica, representa o
Universo em miniatura, um microcosmo que reflete as leis do macrocosmo. Cada
medida, cada proporção e cada ornamento têm um sentido espiritual, compondo um
mapa da realidade e da alma.
A Função Criadora do Arquiteto
O arquiteto, ao conceber uma obra, participa da criação divina.
No plano esotérico, ele atua como cocriador com o Grande Arquiteto do Universo,
ordenando o caos e manifestando a harmonia.
A Iniciação Como Processo de Construção
O caminho iniciático é descrito como uma construção em três
fases: a fundação (purificação), a elevação (iluminação) e o coroamento (união
com o princípio divino). Cada grau é uma etapa dessa obra.
Aspectos Sociais e Filosofia Política
A Arquitetura Como Modelo de Governo
A estrutura arquitetônica é uma metáfora
do governo justo: cada elemento ocupa seu lugar e cumpre sua função,
contribuindo para a estabilidade e a harmonia do todo. Assim como um edifício
sólido exige fundamentos firmes, um Estado justo
requer leis equitativas e governantes virtuosos.
O Arquiteto Como Estadista
O Grão-Mestre Arquiteto é chamado a pensar como estadista,
planejando para o longo prazo, conciliando tradição e inovação, e garantindo
que as bases morais da sociedade não se deteriorem.
O Papel do Maçom na Sociedade
Na esfera social, o maçom deve ser agente de ordem, progresso e
educação, defendendo a liberdade, a justiça e a igualdade, e contribuir para a
construção de uma sociedade mais harmoniosa.
Psicologia Simbólica
O Arquétipo do Construtor
Na psicologia junguiana, o construtor é um arquétipo ligado à
estruturação da psique. A tarefa de "construir" simboliza o esforço
de integrar as diferentes partes da personalidade num todo coerente.
Virtudes Como Pilares Psicológicos
As virtudes exercem função estabilizadora na vida psíquica,
assim como colunas sustentam um edifício. A sabedoria funciona como a cúpula
que une e harmoniza todas as partes.
Aplicações Práticas para o Maçom Contemporâneo
·
Formação contínua: o arquiteto moderno deve
investir em conhecimento técnico, filosófico e ético;
·
Liderança virtuosa: dirigir com prudência,
justiça e visão de futuro;
·
Planejamento estratégico: aplicar os princípios
de ordem e proporção na vida pessoal e na gestão de projetos;
·
Construção de redes éticas: cultivar relações
fundamentadas na confiança e no respeito;
·
Engajamento cívico: participar ativamente na
vida comunitária, defendendo valores universais.
Conclusão
O grau 12, Grão-Mestre Arquiteto, é um marco na jornada
maçônica, pois combina ciência, moral e espiritualidade numa só missão: construir, em si e no mundo, templos dignos do Grande
Arquiteto do Universo. É um convite à excelência, à disciplina e à
liderança inspirada por ideais eternos.
Bibliografia
1.
ALMEIDA, Renato. Arquitetura Simbólica da
Maçonaria. São Paulo: Madras, 2012.
2.
BROWN, Mark. The Master Architect in Freemasonry. London: Lewis Masonic, 2008.
3. FORT,
Emile. Les Degrés Ineffables du Rite Écossais Ancien et Accepté. Paris: Dervy, 1997.
4. HALL, Manly P. The Secret Teachings of All
Ages. Los Angeles: Philosophical Research Society, 1928.
5. MACKEY, Albert G. Encyclopedia of
Freemasonry. New York: Masonic History Co., 1914.
6.
PIEPER, Josef. As Virtudes Fundamentais. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
7.
VITRÚVIO, Marco. De Architectura. Roma, século I
a. C.
[1]
Considere-se adicionalmente que "Arte Real" pode ser vertida como o
exercício do ócio criativo defendido por Domenico de Masi; nobres e estudiosos
gregos usava seu tempo para estudar temas sociais e políticos, assemelhados aos
maçons que usam seu tempo livre para evoluírem social, política e
espiritualmente;
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