quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Grau 8 a Ação Diligente e o Aperfeiçoamento Contínuo

 Charles Evaldo Boller

O grau 8 do Rito Escocês Antigo e Aceito, denominado Intendente dos Edifícios, situa-se no contexto da Maçonaria filosófica como um importante degrau de transição entre a reflexão simbólica dos graus anteriores e a aplicação prática dos ensinamentos à vida profana e espiritual. Este grau exorta o maçom à responsabilidade, à ação diligente e ao aperfeiçoamento contínuo, combinando ideais operativos e especulativos. Em seu cerne, promove valores que são essenciais para o desenvolvimento do adulto em múltiplas dimensões: pessoal, familiar, social, profissional, intelectual, ética e espiritual.

Neste estudo, propomos destacar os principais valores práticos implicados na filosofia do grau 8, articulando-os com os desafios contemporâneos do ser humano. Dialogaremos com autores da filosofia, da psicologia, da educação, da administração e das ciências humanas, a fim de demonstrar como a Maçonaria contribui para uma vida mais livre, autônoma, ética e espiritualmente rica.

Busca pela Liberdade e Edificação da Autonomia

O grau 8 convida o maçom a não apenas construir templos físicos, mas também a erguer estruturas morais e intelectuais sólidas. A liberdade, neste contexto, não é concebida como ausência de limites, mas como conquista consciente de um estado de autodeterminação (Kant, 1785). A liberdade maçônica é, sobretudo, uma liberdade interior, cultivada pelo autoconhecimento, pela reflexão ética e pela superação dos vícios e condicionamentos.

A autonomia é consequência direta dessa liberdade. O adulto é capaz de assumir a condução de sua própria vida na medida em que se emancipa intelectualmente e se compromete com a transformação do mundo. No grau 8, a autonomia aparece como um valor imprescindível para o intendente, que deve tomar decisões ponderadas, trabalhar de forma independente e manter-se fiel aos princípios da ordem mesmo fora do templo.

Aplicações nos Aspectos Econômicos e Controle Financeiro

Um dos símbolos do grau 8 é a administração dos recursos do templo. Esta função, embora ritualística, possui reflexo direto na vida profana do maçom. A economia doméstica, a gestão financeira consciente e a sustentabilidade pessoal e familiar são dimensões práticas do aprendizado simbólico. O intendente deve zelar pela correta aplicação dos bens da ordem, o que o conduz à compreensão de princípios como equilíbrio, austeridade e responsabilidade.

Autores como Peter Drucker (1999) e Stephen Covey (2004) reforçam que a liderança e a administração eficaz começam na vida pessoal. O controle financeiro, como valor prático, exige planejamento, disciplina e inteligência emocional — todos princípios convergentes com a filosofia do grau 8.

Construção de um Ser Ético e Edificação Moral Ampla

O maçom do grau 8 é convocado à ética operativa: agir com retidão na administração dos bens simbólicos e reais da Ordem Maçônica. A ética, neste grau, transcende a moralidade comum e se inscreve numa lógica de coerência entre o ser e o fazer. A edificação moral não se dá apenas no cumprimento de normas, mas na vivência autêntica dos valores universais: justiça, verdade, equidade, solidariedade.

Inspirados em Aristóteles (Ética a Nicômaco, 1999), reconhecemos que a virtude se constrói pela repetição deliberada de boas ações, orientadas pela razão prática. O maçom é, assim, um arquiteto moral que, ao edificar-se, influencia positivamente a sociedade.

Desenvolvimento da Liderança e Aplicação na Empresa

O papel do intendente nos edifícios implica liderança e gestão. A Maçonaria compreende a liderança como serviço — um princípio também defendido por autores como Robert Greenleaf (1977) e James Hunter (2004). O líder maçom serve à loja, orienta seus irmãos, toma decisões justas e busca sempre o bem comum.

Na vida profissional, seja como proprietário, funcionário ou gerente, o maçom aplica esses mesmos princípios. Liderar com sabedoria, ouvir com empatia, gerir com justiça, motivar pelo exemplo: tais são as faces da liderança maçônica que podem ser aplicadas no mundo corporativo.

Apoio ao Desenvolvimento Humano na Família

O grau 8 orienta o maçom à responsabilidade com sua "família simbólica" — a loja. Esse princípio é analogamente aplicado à família profana. A construção de vínculos saudáveis com esposa e filhos exige escuta, diálogo, presença afetiva e orientação moral — virtudes que o maçom aprende no templo e pratica no lar.

A psicologia humanista[1] (Rogers, 1961) sustenta que o crescimento pessoal ocorre em ambientes de aceitação incondicional, empatia e congruência. O lar maçônico deve ser um espaço sagrado onde florescem o respeito mútuo e o estímulo ao crescimento de cada membro da família.

Desenvolvimento da Inteligência e do Livre-pensamento

A função simbólica do intendente implica discernimento e sabedoria. A inteligência, neste contexto, não é apenas lógico-racional, mas também emocional, ética e espiritual (Goleman, 1995; Gardner, 1983). A filosofia do grau 8 exige que o maçom saiba pesar as consequências de seus atos, tomar decisões justas e cultivar o pensamento crítico.

O livre-pensamento é uma das pedras angulares da tradição maçônica. O maçom não se submete a dogmas, mas examina tudo e retém o que é bom[2] (1 Tessalonicenses 5:21). A liberdade de pensar é um valor que deve ser constantemente nutrido em ambientes de diálogo, debate e investigação — como nas lojas e na vida acadêmica.

Incremento Cultural e Vida Acadêmica, Científica e Social

O grau 8 preconiza o aperfeiçoamento contínuo, o que implica a busca por conhecimento em múltiplas áreas. A cultura, neste sentido, não é um ornamento, mas uma ferramenta de transformação. A inserção do maçom no meio acadêmico e científico encontra fundamento na tradição iluminista da Maçonaria[3], que sempre valorizou a razão e o saber.

O maçom é estimulado a participar da vida social como um agente de transformação, comprometido com causas justas, com o progresso da ciência e com a construção de uma sociedade mais ética e consciente. Essa postura se reflete em suas ações cotidianas, em sua conduta profissional e em sua atuação cidadã.

Educação Emocional e Diálogo com Ciências Humanas e Religiões Comparadas

A administração simbólica no grau 8 exige equilíbrio emocional, humildade, paciência e empatia. Esses valores são parte do que hoje se reconhece como inteligência emocional (Goleman, 1995). O maçom aprende a lidar com frustrações, a escutar o outro, a refletir antes de agir — valores fundamentais para a convivência fraterna e para a vida em sociedade.

A filosofia do grau 8 também abre espaço para o diálogo com as ciências humanas — especialmente a filosofia, a psicologia, a antropologia e a sociologia — e com as religiões comparadas. Essa abertura é compatível com a visão maçônica do sagrado como princípio universal e transcendente, que se manifesta de formas diversas, mas convergentes.

Aprendizado Contínuo Segundo a Andragogia e Educação em Geral

O adulto maçom é um eterno estudante em sentido lato. O modelo andragógico proposto por Malcolm Knowles (1980) reconhece que o adulto aprende com base em experiências anteriores, motivado por problemas reais e em busca de autonomia. O grau 8 reforça essa perspectiva ao exigir do maçom iniciativa, reflexão e disposição para o autodesenvolvimento.

As lojas devem se organizar como ambientes de aprendizagem significativa[4], onde os rituais e debates propiciem o florescimento do pensamento crítico, da escuta ativa e da cooperação entre irmãos. A educação maçônica, nesse sentido, é transformadora e emancipadora.

Transformação Interna, Despertar da Consciência e do Ser Sagrado

A verdadeira administração de um edifício simbólico começa pela reconstrução interna. O grau 8 convida o maçom a ser intendente de si mesmo, zelando pela integridade de sua alma[5], pela coerência entre seus princípios e atitudes, pela conexão com o sagrado que habita seu interior.

O despertar da consciência implica perceber a própria ignorância, os próprios condicionamentos e limitações, e trabalhar para superá-los. É um processo contínuo, doloroso e libertador. A Maçonaria oferece, através de seus rituais, símbolos e ensinamentos, os instrumentos para essa grande obra.

Esse processo culmina no reconhecimento do sagrado em si e no outro. O ser sagrado é aquele que age com reverência diante da vida, que reconhece a presença do divino em todos os seres[6] e que se compromete com a justiça, o amor e a verdade. O grau 8 é, assim, uma etapa significativa na jornada espiritual do maçom, pois alia sabedoria operativa com profundidade mística.

Conclusão

O grau 8 do Rito Escocês Antigo e Aceito oferece ao maçom um modelo de vida alicerçado em valores atemporais, mas com ampla relevância prática para os desafios contemporâneos. A filosofia desse grau propõe a liberdade como conquista interior, a autonomia como responsabilidade madura, a ética como estilo de vida, a liderança como serviço e a espiritualidade como expressão da consciência desperta.

Nas dimensões da vida pessoal, familiar, profissional, acadêmica e espiritual, o intendente dos edifícios se revela um construtor não de templos de pedra, mas de catedrais invisíveis feitas de virtude, sabedoria e amor.

Bibliografia

1.      ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, São Paulo, Martin Claret, 1999;

2.      COVEY, Stephen R., Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes, Rio de Janeiro, Best Seller, 2004;

3.      DRUCKER, Peter, O Gerente Eficaz, São Paulo, Pioneira, 1999;

4.      GARDNER, Howard, Estruturas da Mente, A Teoria das Inteligências Múltiplas, Porto Alegre, Artes Médicas, 1983;

5.      GOLEMAN, Daniel, Inteligência Emocional, Rio de Janeiro, Objetiva, 1995;

6.      GREENLEAF, Robert K., Servant Leadership, New York, Paulist Press, 1977;

7.      HUNTER, James C., O Monge e o Executivo, Rio de Janeiro, Sextante, 2004;

8.      KANT, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, São Paulo, Martins Fontes, 2004 (original de 1785);

9.      KNOWLES, Malcolm, The Modern Practice of Adult Education, From Pedagogy to Andragogy, Cambridge, The Adult Education Company, 1980;

10.  ROGERS, Carl, On Becoming a Person, Boston, Houghton Mifflin, 1961;



[1] A psicologia humanista é uma abordagem terapêutica que se foca na experiência subjetiva e no potencial de crescimento individual, enfatizando a importância da liberdade, da auto realização e do livre-arbítrio. Contrasta com abordagens mais deterministas, como a psicanálise e o behaviorismo, ao considerar o ser humano como um todo, com suas próprias capacidades e desejos;

[2] "Examinai tudo. Retende o bem." 1 Tessalonicenses 5:21; Bíblia Judaico-cristã, tradução de João Ferreira de Almeida, versão revista e atualizada;

[3] A tradição iluminista da Maçonaria refere-se à forte influência do Iluminismo, um movimento intelectual e filosófico do século XVIII, sobre os ideais e práticas maçônicas. Essa influência se manifesta na ênfase na razão, na liberdade, na igualdade e na busca pelo conhecimento como ferramentas para o progresso humano e a construção de uma sociedade justa;

[4] A aprendizagem significativa, segundo a teoria de David Ausubel, é um processo em que o aluno relaciona novos conhecimentos com suas experiências e conhecimentos prévios, de forma não arbitrária e substantiva. Isso significa que o novo conteúdo é integrado à estrutura cognitiva do aprendiz, criando um significado pessoal e duradouro, em vez de ser memorizado de forma mecânica;

[5] No sentido filosófico, a alma é frequentemente concebida como o princípio vital ou imaterial que anima o corpo, podendo ser entendida como a sede da consciência, da razão, das emoções e da identidade de um indivíduo. Diferentes escolas de pensamento filosófico a abordam de maneiras diversas, algumas vendo-a como uma entidade separada do corpo, outras como uma parte ou função do mesmo;

[6] O reconhecimento da presença do divino em todos os seres, também conhecido como panteísmo, é a crença de que o divino está presente em todas as coisas e em todo o universo, sendo a própria essência da realidade. Essa visão se diferencia do teísmo, que acredita em um Deus pessoal separado do mundo, e do Deísmo, que acredita em um Deus criador que não interfere na criação;

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