Charles Evaldo Boller
A Jornada Maçônica e a Liberdade Como Salvação
O ideal maçônico, sobretudo no Rito Escocês Antigo e Aceito,
ultrapassa fronteiras confessionais, ideológicas ou políticas. Não se trata de
oferecer ao iniciado um "bilhete" para uma salvação ultraterrena
moldada por dogmas, mas de orientá-lo na construção de sua própria liberdade
interior, condição para viver com dignidade e plenitude.
A salvação do homem livre é aqui entendida como
autotransformação consciente, fruto do estudo, da prática da virtude e do uso
crítico da razão, integrados a um senso de fraternidade universal.
O maçom é convidado a nascer para si mesmo: morrer simbolicamente
para a ignorância, para a passividade intelectual e para as servidões morais
que a sociedade impõe. Cada iniciação e elevação de grau representa uma morte e
uma ressurreição simbólica, não como artifício teatral, mas como exercício
consciente de reorientação de vida.
O Rito
Escocês Antigo e Aceito, com sua estrutura de 33 graus, constitui uma
verdadeira espiral iniciática: a cada volta, expande-se a compreensão do mundo,
aprofunda-se o autoconhecimento e fortalece-se o compromisso ético. Esta
escalada espiritual e intelectual é, em si mesma, o processo pelo qual o maçom
conquista a serenidade e a independência, a "salvação" entendida de
forma laica, racional e profundamente humana.
Filosofia Maçônica da Morte e do Renascimento
Morrer para Viver Melhor
No Rito
Escocês Antigo e Aceito, a morte simbólica não é uma dramatização
fúnebre para causar impacto emocional, mas um instrumento pedagógico e
filosófico. Morrer para o velho eu significa romper com hábitos mentais
limitantes, preconceitos e submissões acríticas. Esse gesto interior ecoa o que
Kant chamava de saída da menoridade, isto é, a coragem de pensar por si mesmo.
Ressurreições Simbólicas Sucessivas
Cada ressurgimento nos graus é a manifestação de um renascimento
existencial: novas perspectivas, novas responsabilidades e novos horizontes
éticos. Este ciclo contínuo de morte e renascimento prepara o maçom para
enfrentar a realidade suprema da finitude física sem medo e com dignidade.
Liberdade: Pilar da Salvação Maçônica
A Maçonaria ensina que a liberdade não é apenas uma condição para
a felicidade, mas a própria essência da dignidade humana. Não se restringe à
liberdade política ou civil; é, sobretudo, liberdade de consciência e de
pensamento.
O homem livre é aquele que não se submete a dogmas inflexíveis,
que aceita conviver com o mistério, mas recusa qualquer imposição que limite a
razão. Ao mesmo tempo, sabe reconhecer os limites do conhecimento humano,
cultivando a humildade diante do que transcende a compreensão imediata.
Fé Raciocinada
A fé, quando presente, deve dialogar com a razão. A fé
raciocinada é a que se fundamenta em reflexão e experiência, e não na aceitação
cega. Ela impede que o homem se torne refém de sistemas de poder que, sob o
pretexto de salvação ou progresso, aprisionam o espírito.
Filosofar como Arte de Libertação
O ato de filosofar, para o maçom, é inseparável do processo
iniciático. Não se limita a teorizar sobre abstrações: é prática existencial.
Implica refletir criticamente sobre a vida, agir com coerência e buscar
constantemente a verdade.
A filosofia maçônica é, por natureza, Metafísica e ética. Aceita
que haja mistérios ainda não revelados, mas defende que o caminho para eles é
trilhado com a luz da razão e com a fraternidade como guia.
A Salvação como Serenidade
No Rito
Escocês Antigo e Aceito, a salvação não é concebida como um prêmio
concedido após a morte, mas como estado de espírito alcançado em vida: a
serenidade que nasce da harmonia entre liberdade, amor fraterno e ação justa.
O maçom que atinge esse estado não teme o fim, pois sabe que
viveu de forma íntegra, fiel aos princípios universais que regem a Ordem.
Estrutura Iniciática do Rito Escocês Antigo e Aceito e a
Salvação do Homem Livre
O que segue é o percurso completo, grau a grau, com a
explicitação de como cada etapa contribui para a libertação interior.
Graus Simbólicos, primeiro ao terceiro
1º - Aprendiz Maçom
·
Símbolo: pedra bruta.
·
Filosofia: potencial humano em estado inicial.
·
Prática: cultivar disciplina, silêncio e
observação.
·
Salvação: despertar para a luz do conhecimento.
2º - Companheiro Maçom
·
Símbolo: colunas e instrumentos de medida.
·
Filosofia: construção intelectual e moral.
·
Prática: expansão cultural e científica.
·
Salvação: libertação pela ampliação da
consciência.
3º - Mestre Maçom
·
Símbolo: drama de Hiram Abif.
·
Filosofia: fidelidade à verdade até a morte.
·
Prática: coragem ética.
·
Salvação: serenidade diante da finitude.
Graus Inefáveis, Excelsa Loja de Perfeição, Quarto ao 14º
4º - Mestre Secreto
Disciplina e discrição.
5º - Mestre Perfeito
Honra e lealdade à verdade.
6º - Secretário Íntimo
Prudência e diplomacia.
7º - Preboste e Juiz
Justiça imparcial.
8º - Intendente dos Edifícios
Planejamento e ordem.
9º - Mestre Eleito dos Nove
Combate ao mal moral.
10º - Mestre Eleito dos Quinze
Coragem na execução da justiça.
11º - Sublime Cavaleiro Eleito
Governança justa.
12º - Grão-Mestre Arquiteto
Excelência ética e intelectual.
13º - Cavaleiro do Real Arco
Busca da verdade suprema.
14º - Grande Eleito, Perfeito e Sublime Maçom
União com o Princípio Criador pela virtude.
Graus Capitulares, Sublime Capítulo Rosa-cruz, 15º ao 18º
15º - Cavaleiro do Oriente
Resistência à opressão.
16º - Príncipe de Jerusalém
Reconstrução moral.
17º - Cavaleiro do Oriente e do Ocidente
União de culturas.
18º - Cavaleiro Rosa-Cruz
Amor universal como lei.
Graus Filosóficos, Conselho de Cavaleiros Kadosh, 19º ao 30º
19º - Grande Pontífice
Mediação de mundos.
20º - Mestre Ad Vitam
Fidelidade vitalícia à verdade.
21º - Patriarca Noaquita
Renovação moral.
22º - Cavaleiro do Machado
Dignidade do trabalho.
23º - Chefe do Tabernáculo
Cultivo do templo interior.
24º - Príncipe do Tabernáculo
Virtude como luz.
25º - Cavaleiro da Serpente de Bronze
Cura moral e espiritual.
26º - Príncipe da Misericórdia ou da Mercê
Compaixão ativa.
27º - Soberano Comendador do Templo
Defesa da liberdade de culto.
28º - Cavaleiro do Sol
Iluminação pela razão.
29º - Grande Escocês de Santo André
Perseverança no ideal.
30º - Cavaleiro Kadosh
Combate à tirania.
Graus Administrativos, Consistório de Príncipes do Real Segredo, 31º ao 33º
31º - Grande Inspetor Inquisidor Comendador
Justiça incorruptível.
32º - Sublime Príncipe do Real Segredo
Equilíbrio entre sabedoria, força e beleza.
33º - Soberano Grande Inspetor-Geral
Serviço à humanidade como ápice da liberdade.
Considerações Finais
O caminho do Rito
Escocês Antigo e Aceito, percorrido integralmente, constitui uma excelente
caminhada para a "salvação" pela liberdade. Cada grau é uma lição de
autonomia, fraternidade e coragem moral. A "salvação" que ele oferece
não é a submissão a um credo, mas a conquista de um estado de espírito sereno e
livre, capaz de enfrentar a morte com a certeza de que a vida teve sentido.
Bibliografia
1.
KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é o
Esclarecimento; fundamenta o conceito de libertação pela razão, base da
iniciação maçônica;
2.
ESPINOSA, Baruch. Ética; inspira a visão de
liberdade como compreensão das leis necessárias da natureza;
3.
PLATÃO. Apologia de Sócrates; modelo de
serenidade diante da morte;
4.
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios; reflexões sobre
viver e morrer com dignidade;
5.
EPICURO. Carta a Meneceu; libertação do medo da
morte;
6.
PIMENTEL, José Castellani. História do Rito
Escocês Antigo e Aceito no Brasil; contextualização histórica dos graus e seus
significados;
7.
MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry; referência
para simbolismo e filosofia dos graus;
8.
HUXLEY, Aldous. A Filosofia Perene; integração de
tradições espirituais na busca de libertação interior;
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