Charles Evaldo Boller
O grau 10 do Rito Escocês Antigo e Aceito,
intitulado Cavaleiro Eleito dos Quinze, representa um estágio crucial de
amadurecimento no percurso iniciático do maçom. Esta etapa invoca uma
consciência superior de justiça, discernimento ético e compromisso com a
Verdade, incorporando a simbologia de vingança como metáfora para o
restabelecimento da ordem moral. O maçom neste grau é convocado a encarnar o
ideal do juiz justo, equilibrado entre o rigor da lei e a compaixão fraterna.
Esses símbolos extrapolam a alegoria ritualística e se tornam valores vivos e
aplicáveis à vida adulta em seus múltiplos domínios.
Este ensaio explora como os princípios do grau 10
dialogam com questões práticas da existência adulta, tais como liberdade,
autonomia, ética, educação, liderança, família, espiritualidade e o compromisso
contínuo com o autodesenvolvimento.
Busca pela Liberdade e Compromisso com a Justiça
A liberdade, no contexto do grau 10, não é
entendida como mera ausência de restrições, mas como liberdade ética — a
capacidade de escolher o bem em detrimento do egoísmo. O Cavaleiro Eleito dos
Quinze busca livrar-se da escravidão da ignorância e da injustiça, lutando
contra os tiranos da alma: orgulho, vaidade e rancor.
Assim, a liberdade se realiza quando o maçom
aprende a submeter seus impulsos ao critério do bem coletivo. Este é o
verdadeiro sentido da "vingança" simbólica dos assassinos de Hiram: a
superação do mal pela restauração da justiça, o que implica, no plano pessoal,
libertar-se das paixões desordenadas para ser agente de equilíbrio social.
Desenvolvimento da Autonomia: Julgar com Consciência e Retidão
A autonomia no grau 10 é expressa pela capacidade
de julgar sem dependência de dogmas, interesses ou parcialidades. O maçom
torna-se um "juiz de si mesmo", e isso reflete-se diretamente na vida
profissional, familiar e social. A autonomia, portanto, não é apenas liberdade
de escolha, mas maturidade para assumir as consequências das escolhas feitas.
Esta virtude exige profundo autoconhecimento e
senso de responsabilidade, pois julgar os outros, como o rito propõe
simbolicamente, exige que se tenha antes julgado e transformado a si mesmo.
Aplicação Geral nos Aspectos Econômicos e o Controle Financeiro
Os valores do grau 10 também se aplicam ao domínio
econômico. A justiça e a retidão no julgar exigem equidade na gestão dos
recursos, tanto próprios quanto dos outros. O maçom é incentivado a aplicar
critérios éticos na administração financeira, o que pressupõe planejamento,
honestidade, austeridade e sensibilidade social.
O controle financeiro, neste contexto, não é
avareza, mas prudência. Um administrador justo não é aquele que acumula, mas o
que gere com sabedoria, compartilha com dignidade e investe com visão de longo
prazo. O maçom deve ser exemplo de integridade na gestão patrimonial.
Construção de um Ser Ético e Edificação Moral Ampla
O cerne do grau 10 reside na busca pela ética como
princípio norteador da ação humana. A simbologia da punição dos culpados não
visa vingança pessoal, mas a restauração do equilíbrio moral. O maçom deve ser
alguém cuja conduta inspire confiança e respeito — na palavra dada, nos
compromissos assumidos, nos julgamentos emitidos.
A edificação moral exige coerência entre
pensamento, palavra e ação. A justiça que se pratica no mundo exterior deve
nascer da retidão cultivada no foro íntimo.
Desenvolvimento da Liderança com Justiça e Empatia
O líder maçônico no grau 10 é aquele que exerce
autoridade com base na sabedoria e na justiça. Não basta ter conhecimento; é
necessário saber aplicá-lo com equidade. A liderança, nesse grau, é serviço —
não domínio.
A prática da escuta, do diálogo, da tomada de
decisões ponderadas e da valorização do mérito tornam-se marcas distintivas do
líder justo. Essa liderança ética tem implicações tanto na loja quanto na vida
empresarial, na família e na sociedade.
Vida Empresarial: Proprietário, Funcionário ou Gerente Como Juiz Justo
No ambiente corporativo, os valores do grau 10 têm
aplicação direta. O proprietário que remunera com justiça, o gerente que
resolve conflitos com imparcialidade, o funcionário que denuncia
irregularidades com responsabilidade — todos encarnam os ideais do Cavaleiro
Eleito dos Quinze.
A ética empresarial é uma extensão da justiça
iniciática. A adoção de práticas sustentáveis, a transparência na governança e
o combate à corrupção são expressões modernas da vingança simbólica contra os "assassinos
de Hiram", os quais, hoje, representam a desonestidade, a ganância e a
negligência social.
Apoio ao Desenvolvimento Humano na Família: Esposa e Filhos
A justiça também se manifesta na vida familiar. O
maçom deve ser exemplo de equidade, cuidado, firmeza e ternura. O papel de juiz
justo estende-se ao relacionamento com o cônjuge, na partilha das
responsabilidades e no respeito mútuo, e com os filhos, na educação baseada em
valores e no estímulo à autonomia.
A figura do pai ou companheiro que age com retidão,
que não se omite diante das dificuldades morais e que ensina pelo exemplo
representa um reflexo da filosofia do grau 10 no seio doméstico.
Desenvolvimento da Inteligência e o Livre-pensamento
O julgamento justo exige inteligência bem formada,
lógica desenvolvida e espírito crítico. O grau 10 impulsiona o maçom a estudar,
comparar, analisar e formar suas opiniões sem submissão cega. O
livre-pensamento é aqui compreendido como a liberdade de buscar a Verdade com
honestidade intelectual e abertura ao diálogo.
Essa inteligência crítica é um antídoto contra o
fanatismo e o conformismo, e constitui pilar indispensável para a vida cidadã e
para o progresso das instituições democráticas.
Incremento Cultural e Vida Acadêmica, Científica e Social
A cultura amplia horizontes e capacita o indivíduo
a julgar com maior profundidade. O grau 10 valoriza o conhecimento não como fim
em si, mas como instrumento de transformação. O maçom deve buscar uma formação
cultural sólida, que inclua literatura, história, filosofia, ciência e artes.
Na vida acadêmica e científica, o compromisso com a
Verdade, a integridade da pesquisa e o combate às pseudociências são expressões
contemporâneas da justiça iniciática. Já na vida social, o maçom é chamado a
ser agente de equilíbrio, harmonia e conciliação.
Educação Emocional e o Diálogo com as Ciências Humanas e as Religiões Comparadas
A justiça sem empatia é tirania. Por isso, a
educação emocional torna-se fundamental para que o maçom julgue com humanidade
e sabedoria. Autocontrole, empatia, escuta ativa, regulação da raiva e do medo
— todos esses aspectos emocionais estão implicados na aplicação prática do
grau.
O diálogo com as ciências humanas permite
compreender os contextos sociais e culturais das ações humanas, evitando
julgamentos precipitados. As religiões comparadas, por sua vez, revelam que a
justiça é um valor universal, compartilhado por diversas tradições espirituais.
Aprendizado Contínuo Segundo a Andragogia e a Educação em Geral
A filosofia do grau 10 demanda um aprendizado
permanente. A Andragogia — ciência da educação de adultos — reforça que o
ensino deve partir das experiências e das necessidades do aprendiz. O maçom,
como adulto em processo contínuo de desenvolvimento, deve buscar conhecimentos
que ampliem sua capacidade de julgar, liderar e transformar.
A educação deve ser reflexiva, prática, ética e
voltada para a emancipação intelectual. A loja, nesse sentido, deve funcionar
como um espaço de aprendizagem andragógica, onde se compartilham saberes com
maturidade e respeito.
Apoio ao Progresso Maçônico, à Transformação Interna e ao Despertar da Consciência
O grau 10 marca uma inflexão profunda no caminho
maçônico. O maçom deixa de ser apenas um aprendiz da Verdade para tornar-se seu
guardião e defensor. Isso exige uma transformação interna: abandono de
rancores, superação do egoísmo, domínio das paixões.
O despertar da consciência implica
reconhecer que a justiça é um dever ontológico[1],
não apenas um ato externo. É a justiça como expressão do ser, e não apenas da
ação.
Apoio ao Despertar do Ser Sagrado e ao Desenvolvimento Espiritual
A dimensão espiritual do grau 10 não pode ser
negligenciada. A justiça, como atributo divino, é uma via de aproximação ao
sagrado. O maçom é convidado a alinhar-se com os princípios superiores do
universo, agindo como instrumento de luz no mundo.
Esse alinhamento não requer religiosidade
dogmática, mas espiritualidade ativa: meditação, oração, contemplação e ação
justa são formas de despertar o "ser sagrado" que habita em cada
homem.
Conclusão
O grau 10 do Rito Escocês Antigo e Aceito representa
mais que um estágio iniciático; ele simboliza um ideal de vida adulta, justa,
ética e transformadora. Seus valores são plenamente aplicáveis às múltiplas
dimensões da existência: liberdade, autonomia, economia, ética, liderança,
cultura, espiritualidade e família.
O Cavaleiro Eleito dos Quinze é chamado a ser um juiz
de si mesmo e um agente da justiça no mundo. Para tanto, deve cultivar a
inteligência, a empatia, o conhecimento e a espiritualidade, construindo assim
não apenas um mundo mais justo, mas também um ser humano mais íntegro.
Bibliografia
1.
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História e Doutrina, São Paulo, Madras, 2004;
2.
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Maçônica, Curitiba, Appris, 2018;
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HESSEL, Stéphane, Indignai-vos!, São Paulo,
Leya, 2011;
5.
KNOWLES, Malcolm S., Andragogia, A Arte e a
Ciência de Ajudar Adultos a Aprender, São Paulo, SENAC, 2016;
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PIAGET, Jean, O Juízo Moral na Criança, São
Paulo, Summus, 1994;
7.
RIZZARDO, Joaquim, Os Graus Filosóficos do Rito
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8.
SENNETT, Richard, O Respeito, Sobre a Dignidade
do Homem na Era da Desigualdade, São Paulo, Companhia das Letras, 2003;
9.
TILLICH, Paul, A Coragem de Ser, São Leopoldo,
Sinodal, 2005;
[1]
Na filosofia e na maçonaria, o dever ontológico refere-se à obrigação
moral de cada indivíduo de buscar a Verdade e aprimorar a si mesmo, atuando
como um ser ético e responsável no mundo. Na filosofia, isso se relaciona com a
busca pela essência do ser e pela compreensão do universo. Na maçonaria, essa
busca é traduzida em rituais, símbolos e ensinamentos que visam o
desenvolvimento moral e espiritual do maçom, incentivando-o a cumprir seus
deveres para com o Grande Arquiteto do Universo, o próximo e consigo mesmo;
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