Charles Evaldo Boller
Os Valores de Relevância Prática para o Adulto na Filosofia do Rito Escocês Antigo e Aceito
O grau 2 do Rito Escocês Antigo e Aceito, conhecido
como o grau de Companheiro, representa simbolicamente o momento de avanço do
Aprendiz rumo à edificação de si mesmo, na busca pela sabedoria e pela
aplicação prática do conhecimento. Esse estágio marca a transição do
aprendizado passivo para uma atuação mais ativa e construtiva na vida do maçom,
reforçando a necessidade de desenvolver valores profundamente conectados à
experiência adulta. Nesta fase, a pedra bruta já começou a ser trabalhada, mas
ainda está longe de sua forma perfeita. O Companheiro é, portanto, o obreiro
que labuta com consciência ampliada, colocando em prática as virtudes que
moldam a conduta ética e a construção moral.
No mundo contemporâneo, especialmente no contexto
maçônico, os valores de liberdade, autonomia, ética, inteligência, liderança e
espiritualidade tornam-se centrais ao processo de crescimento do adulto. O grau
2 atua como ponte entre o conhecimento teórico e sua aplicação prática,
sobretudo em aspectos da vida familiar, profissional, econômica, emocional e
espiritual.
A Busca pela Liberdade e a Autonomia Adulta
A liberdade no grau 2 não é entendida como mera
ausência de restrições externas, mas como autodeterminação consciente. O
Companheiro busca libertar-se das amarras da ignorância e da inconsciência,
passando a agir com autonomia intelectual, emocional e espiritual. A educação
verdadeira é um ato de liberdade, e neste grau, o maçom é desafiado a cultivar
uma liberdade responsável, cuja raiz está na consciência crítica de si e do
mundo.
A autonomia, por sua vez, decorre da capacidade de
decidir por si mesmo, baseando-se em valores éticos. O Companheiro precisa
desenvolver o discernimento que o liberta de tutelas externas e o habilita a
assumir o comando de sua própria existência, sendo senhor de suas decisões e servo
da Verdade.
Aplicações nos Aspectos Econômicos e no Controle Financeiro
A dimensão econômica da vida adulta é inseparável
de uma existência equilibrada e responsável. O grau 2 ensina, através de suas
alegorias e símbolos operativos, a importância do trabalho ordenado, da
administração diligente e da prudência. O esquadro, símbolo central do grau,
lembra ao Companheiro a necessidade de alinhar suas ações aos princípios da
retidão, inclusive no uso dos recursos financeiros.
A inteligência prática aplicada à economia pessoal,
familiar ou empresarial é aqui valorizada como expressão de sabedoria. Conforme
ensina Max Weber (2004), a ética protestante, que também inspira princípios da
Maçonaria Especulativa, valoriza a racionalidade econômica como sinal de maturidade
moral. O controle financeiro é, assim, uma extensão da ordem interior que o
Companheiro busca construir.
A Construção do Ser Ético e a Edificação Moral Ampla
O grau 2 enfatiza o aperfeiçoamento do caráter. A
moral maçônica neste estágio não se restringe à observância de códigos
exteriores, mas implica uma internalização dos valores de justiça, equidade,
honestidade e solidariedade. A ética, aqui, emerge da consciência lúcida e do
compromisso com o bem comum.
Segundo Aristóteles (1999), o hábito é o caminho
para a virtude, e o Companheiro deve cultivar hábitos que lhe permitam agir de
modo virtuoso em todos os ambientes: familiar, profissional e comunitário. A
moral ampla, portanto, é construída com esforço diário, tal como o obreiro que,
com instrumentos adequados, lapida sua pedra.
O Desenvolvimento da Liderança: Empresa, Família e Sociedade
O Companheiro é chamado a assumir papéis de
liderança. Essa liderança, entretanto, não se confunde com poder ou
autoritarismo. Trata-se da liderança servidora, baseada no exemplo, na escuta e
no discernimento. No ambiente empresarial, seja como proprietário, gerente ou
funcionário, o maçom aplica os ensinamentos do grau por meio de uma postura
ética, colaborativa e estratégica.
Na família, sua liderança se manifesta no cuidado
com os filhos, no respeito mútuo com a esposa, no cultivo do amor e da
disciplina. Como propõe James Hunter (2004), a liderança baseada no caráter é
mais eficaz e duradoura, pois gera confiança e promove crescimento mútuo. No grau
2, esse tipo de liderança começa a ser esboçado, como parte do compromisso com
a transformação interior e com o bem coletivo.
Desenvolvimento da Inteligência e do Pensamento Livre
No simbolismo do grau 2, o desenvolvimento intelectual
é inseparável da busca espiritual. O Companheiro é incentivado a estudar,
refletir, comparar ideias e construir seu próprio entendimento da realidade. A
escada de Jacó, representada nas instruções do grau, é símbolo da ascensão do
espírito por meio do conhecimento e da virtude.
A inteligência é cultivada não apenas como acúmulo
de informações, mas como capacidade crítica e criativa. O maçom do segundo grau
aprende a ser um livre-pensador, alguém que respeita a tradição, mas ousa
questionar dogmas e buscar a Verdade por caminhos racionais. A tradição
iluminista, que influenciou profundamente a Maçonaria moderna, está presente
neste ideal do pensamento livre como fundamento da liberdade humana (Kant,
2009).
Incremento Cultural, Vida Acadêmica, Científica e Social
O Companheiro é chamado a se engajar culturalmente
em sua sociedade, a valorizar as artes, a ciência e a filosofia. O grau 2
estimula o aprendizado contínuo, a pesquisa, a participação em debates e ações
que promovam o progresso intelectual e social. Essa vocação para o saber faz
parte do ethos[1]
maçônico e reforça a conexão entre a Maçonaria e o ideal renascentista de um
homem integral.
Na vida acadêmica e científica, o maçom é
incentivado a aplicar os princípios de rigor, ética e curiosidade que caracterizam
o verdadeiro pesquisador. O espírito crítico é uma marca da iniciação contínua
que o grau 2 inaugura, abrindo espaço para uma vida social ativa, plural e
esclarecida.
Educação Emocional e Diálogo com Ciências Humanas e Religiões Comparadas
A inteligência emocional é indispensável para o
equilíbrio pessoal e para os relacionamentos saudáveis. O grau 2 propicia um
espaço simbólico para a integração da razão e da emoção, conduzindo o
Companheiro a conhecer e dominar seus sentimentos. A educação emocional,
conforme Goleman (2012), é um dos pilares do sucesso humano, e deve começar
pelo autoconhecimento — exatamente o que este grau promove.
Ao mesmo tempo, o diálogo com as ciências humanas
permite compreender o comportamento humano em sua complexidade. Psicologia,
antropologia, sociologia e filosofia ampliam a visão de mundo do maçom,
enriquecendo sua interpretação dos símbolos e fortalecendo seu senso de
fraternidade. O estudo das religiões comparadas, por sua vez, cultiva a
tolerância, o respeito às diferenças e a consciência da sacralidade da
existência.
Aprendizado Contínuo Segundo a Andragogia e Educação em Geral
O ensino maçônico é, por essência, andragógico. Ou
seja, voltado ao adulto que aprende por experiência, motivado pela necessidade
de resolver problemas reais e desenvolver competências práticas. O grau 2 exige
do maçom disposição para aprender com os outros, com a vida e com os símbolos.
Malcolm Knowles (1980), o pai da Andragogia, ensina
que o adulto aprende melhor quando vê sentido imediato naquilo que aprende.
Assim, os rituais, as instruções e os debates maçônicos do segundo grau estão
conectados às vivências cotidianas, promovendo um aprendizado significativo,
ativo e contínuo.
Apoio ao Progresso na Maçonaria e o Despertar da Consciência
No caminho maçônico, o grau 2 representa um passo
decisivo no processo de autoaperfeiçoamento. Aqui, o obreiro começa a perceber
que a Maçonaria é uma escola de transformação interior e não apenas um espaço
de sociabilidade ritualística. O progresso verdadeiro não está no acúmulo de
graus, mas na lapidação contínua da consciência.
Este despertar da consciência leva à compreensão
mais profunda da missão maçônica: ser um agente de Luz num mundo de sombras. O
Companheiro se vê como parte de um todo, e suas ações devem refletir esse novo
estado de percepção, no qual o ego cede espaço ao serviço fraterno e à
construção do bem comum.
Apoio ao Despertar do Ser Sagrado e ao Desenvolvimento Espiritual
O grau 2 aponta para a sacralidade do ser humano. O
templo interior que se começa a edificar é a morada do Espírito, e o obreiro é
seu arquiteto. O desenvolvimento espiritual neste grau é discreto, porém
fundamental. Ele se dá na superação dos vícios, no cultivo da virtude e na
abertura ao mistério.
A espiritualidade maçônica é inclusiva, plural e
simbólica. Ela convida o Companheiro a se conectar com o que há de mais elevado
em si mesmo, sem dogmas, mas com reverência. Nesse sentido, o segundo grau
prepara o maçom para os graus complementares, nos quais o sagrado se torna cada
vez mais presente e ativo.
Considerações Finais
O grau 2 do Rito Escocês Antigo e Aceito é uma
etapa de maturação e aplicação prática dos princípios éticos e filosóficos
aprendidos no grau de Aprendiz. Ele dialoga com as necessidades concretas da
vida adulta, promovendo o desenvolvimento integral do ser humano em todas as
suas dimensões — econômica, intelectual, emocional, social e espiritual. A
Maçonaria, ao propor esse percurso, torna-se uma verdadeira escola de humanismo
e liberdade.
Bibliografia
1.
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, São Paulo, Martin
Claret, 1999;
2.
DELORS, Jacques, Educação, Um Tesouro a
Descobrir, Relatório para a UNESCO, 1996;
3.
GOLEMAN, Daniel, Inteligência Emocional, Rio de
Janeiro, Objetiva, 2012;
4.
HUNTER, James C., O Monge e o Executivo, Rio de
Janeiro, Sextante, 2004;
5.
KANT, Immanuel, Resposta à Pergunta: O que é o
Esclarecimento? São Paulo, Martins Fontes, 2009;
6.
KNOWLES, Malcolm S., The Modern Practice of
Adult Education, From Pedagogy to Andragogy, New York, Cambridge Books, 1980;
7.
WEBER, Max, A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo, São Paulo, Companhia das Letras, 2004;
8.
MACNULTY, W. K., A Maçonaria, Simbolismo,
História e Prática, Lisboa, Publicações Europa-América, 2007;
[1]
Conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento
(instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças),
característicos de uma determinada coletividade, época ou região;
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