quarta-feira, 7 de maio de 2025

A Maçonaria e o Esclarecimento Kantiano

Charles Evaldo Boller

 

A Maçonaria, enquanto instituição iniciática, simbólica e filosófica, não se propõe como um caminho de salvação no sentido religioso. Longe de oferecer fórmulas místicas ou dogmas de fé, ela se apresenta como um percurso de autoesclarecimento, uma jornada interior em que o homem é desafiado a ascender, por meio da razão, do trabalho e do conhecimento, a patamares mais elevados de consciência e liberdade. Essa concepção converge de modo significativo com os ideais do Iluminismo, especialmente na forma como foram articulados por Immanuel Kant, cuja definição de "esclarecimento" ilumina o espírito maçônico com precisão notável.

 

No célebre ensaio "Resposta à Pergunta: Que é o Esclarecimento?" publicado em 1784, Kant define o Esclarecimento (Aufklärung) como "a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado." Esta menoridade consiste na incapacidade de fazer uso do próprio entendimento sem a orientação de outro. É, pois, um estado de heteronomia espiritual, onde o indivíduo se submete voluntariamente à tutela de autoridades externas, sejam estas religiosas, políticas ou culturais. É o que se exemplifica quando o iniciando recebe a Luz.

 

Ora, essa noção kantiana encontra eco profundo na proposta maçônica de formação do ser humano. O maçom, desde sua iniciação, é confrontado com a necessidade de abandonar as sombras da ignorância, do preconceito e da submissão passiva aos sistemas estabelecidos. Ele é convidado a "trabalhar sua pedra bruta", metáfora que designa o labor constante e individual de lapidação intelectual, moral e espiritual. A oficina maçônica, ao contrário de um templo de adoração religiosa, é um espaço de reflexão, de escuta, de aprendizado mútuo e de edificação ética.

 

Não é por acaso que o ingresso na Maçonaria se dá por um rito simbólico de passagem: o neófito, vendado, percorre um caminho que simboliza a travessia das trevas à luz. Mas essa luz não é imposta de fora para dentro, ela não é revelada como um dogma, mas construída como um processo interno. A verdade, para o maçom, não é um absoluto estático, mas uma busca contínua, feita com o compasso da razão e o esquadro da moralidade. Assim como Kant afirma que "ousar saber" (sapere aude) é o lema do esclarecimento, também o maçom é exortado a ousar pensar por si mesmo, ainda que isso signifique confrontar suas próprias certezas ou romper com tradições confortáveis.

 

Nesse sentido, a Maçonaria é profundamente laica e racionalista. Embora não negue a dimensão espiritual da existência humana, não a submete a doutrinas confessionais. Pelo contrário, entende que a espiritualidade é inseparável do livre uso da razão e da responsabilidade moral do indivíduo. O Grande Arquiteto do Universo, símbolo central na tradição maçônica, não deve ser confundido com o deus de uma religião particular. Ele representa a inteligência ordenadora, a harmonia cósmica, a lei moral inscrita na razão e no coração dos homens.

 

A formação maçônica é, portanto, a andragogia da autonomia. Cada irmão é instado a refletir, a examinar-se, a dominar suas paixões e a agir com justiça. O processo iniciático, dividido em graus que simbolizam estágios de consciência, não é mero formalismo, mas o roteiro didático para o autoconhecimento e o progresso ético. Trata-se de uma escada simbólica cuja ascensão exige coragem, disciplina e humildade. Não se trata de buscar a salvação prometida por uma autoridade transcendente, mas de construir a própria dignidade com base na razão, na liberdade e na fraternidade.

 

A tradição maçônica compartilha, assim, da confiança iluminista no poder da razão humana para emancipar o espírito. Tal como Kant insistia, a liberdade não é um dado natural, mas uma conquista da vontade esclarecida. O maçom, ao contrário do devoto que se curva a um dogma, se ergue como um ser pensante, consciente de sua responsabilidade perante o mundo. Seu templo é a consciência; seu culto, a prática da virtude; sua fé, a crença na perfectibilidade do ser humano.

 

Assim compreendida, a Maçonaria se alinha ao espírito do esclarecimento não como uma filosofia abstrata, mas como uma prática existencial. Ela não promete a salvação futura, mas propõe a construção presente de uma vida mais justa, lúcida e fraterna. E nisso, talvez, esteja sua mais profunda vocação: ser uma escola de homens livres e de bons costumes, comprometidos com a luz da razão e com o ideal perene da liberdade interior.

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