Charles Evaldo Boller
A Maçonaria, enquanto
instituição iniciática, simbólica e filosófica, não se propõe como um caminho
de salvação no sentido religioso. Longe de oferecer fórmulas místicas ou dogmas
de fé, ela se apresenta como um percurso de autoesclarecimento, uma jornada
interior em que o homem é desafiado a ascender, por meio da razão, do trabalho
e do conhecimento, a patamares mais elevados de consciência e liberdade. Essa
concepção converge de modo significativo com os ideais do Iluminismo,
especialmente na forma como foram articulados por Immanuel Kant, cuja definição
de "esclarecimento" ilumina o espírito maçônico com precisão notável.
No célebre ensaio
"Resposta à Pergunta: Que é o Esclarecimento?" publicado em 1784,
Kant define o Esclarecimento (Aufklärung) como "a saída do homem de sua
menoridade, da qual ele próprio é culpado." Esta menoridade consiste na
incapacidade de fazer uso do próprio entendimento sem a orientação de outro. É,
pois, um estado de heteronomia espiritual, onde o indivíduo se submete
voluntariamente à tutela de autoridades externas, sejam estas religiosas,
políticas ou culturais. É o que se exemplifica quando o iniciando recebe a Luz.
Ora, essa noção kantiana
encontra eco profundo na proposta maçônica de formação do ser humano. O maçom,
desde sua iniciação, é confrontado com a necessidade de abandonar as sombras da
ignorância, do preconceito e da submissão passiva aos sistemas estabelecidos.
Ele é convidado a "trabalhar sua pedra bruta", metáfora que designa o
labor constante e individual de lapidação intelectual, moral e espiritual. A
oficina maçônica, ao contrário de um templo de adoração religiosa, é um espaço
de reflexão, de escuta, de aprendizado mútuo e de edificação ética.
Não é por acaso que o
ingresso na Maçonaria se dá por um rito simbólico de passagem: o neófito,
vendado, percorre um caminho que simboliza a travessia das trevas à luz. Mas
essa luz não é imposta de fora para dentro, ela não é revelada como um dogma,
mas construída como um processo interno. A verdade, para o maçom, não é um
absoluto estático, mas uma busca contínua, feita com o compasso da razão e o esquadro
da moralidade. Assim como Kant afirma que "ousar saber" (sapere aude)
é o lema do esclarecimento, também o maçom é exortado a ousar pensar por si
mesmo, ainda que isso signifique confrontar suas próprias certezas ou romper
com tradições confortáveis.
Nesse sentido, a
Maçonaria é profundamente laica e racionalista. Embora não negue a dimensão
espiritual da existência humana, não a submete a doutrinas confessionais. Pelo
contrário, entende que a espiritualidade é inseparável do livre uso da razão e
da responsabilidade moral do indivíduo. O Grande Arquiteto do Universo, símbolo
central na tradição maçônica, não deve ser confundido com o deus de uma
religião particular. Ele representa a inteligência ordenadora, a harmonia
cósmica, a lei moral inscrita na razão e no coração dos homens.
A formação maçônica é,
portanto, a andragogia da autonomia. Cada irmão é instado a refletir, a
examinar-se, a dominar suas paixões e a agir com justiça. O processo
iniciático, dividido em graus que simbolizam estágios de consciência, não é
mero formalismo, mas o roteiro didático para o autoconhecimento e o progresso
ético. Trata-se de uma escada simbólica cuja ascensão exige coragem, disciplina
e humildade. Não se trata de buscar a salvação prometida por uma autoridade transcendente,
mas de construir a própria dignidade com base na razão, na liberdade e na
fraternidade.
A tradição maçônica
compartilha, assim, da confiança iluminista no poder da razão humana para
emancipar o espírito. Tal como Kant insistia, a liberdade não é um dado
natural, mas uma conquista da vontade esclarecida. O maçom, ao contrário do
devoto que se curva a um dogma, se ergue como um ser pensante, consciente de
sua responsabilidade perante o mundo. Seu templo é a consciência; seu culto, a
prática da virtude; sua fé, a crença na perfectibilidade do ser humano.
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