Charles Evaldo Boller
No coração da tradição
maçônica reside um paradoxo tão profundo quanto esclarecedor: a iniciação não
se dá, mas se provoca. Essa máxima, frequentemente pronunciada nos círculos
mais reflexivos da ordem, guarda em si uma verdade essencial sobre o processo
formativo que define a Maçonaria. Ela não se refere apenas ao ato ritualístico
da entrada do neófito no templo, mas à contínua edificação interior do ser que
decide trilhar o caminho do aperfeiçoamento moral, intelectual e espiritual.
A Maçonaria não concede
iniciações como favores ou prêmios. Antes, ela instiga, desafia e convoca. O
homem que cruza as colunas do templo deve fazê-lo não por mera curiosidade ou
desejo de pertencimento, mas por inquietação interior, sede de sentido que
nenhuma instituição pode saciar de fora para dentro. Iniciado é aquele que já
iniciou a si mesmo antes mesmo de bater às portas do mistério.
A provocação da
iniciação nasce da própria estrutura simbólica da Maçonaria. Cada rito, cada
palavra, cada ferramenta exposta pela loja representa não um fim em si, mas um
convite à reflexão, uma chave para um portal que apenas o esforço individual
pode abrir. O venerável mestre, os vigilantes, os irmãos mais antigos, todos
cumprem seus papéis como mediadores do saber, mas jamais como transmissores
absolutos da Verdade. A Luz, na Maçonaria, não é dada, é buscada com esforço,
paciência e disciplina.
Tal concepção implica
compreender a iniciação como um processo ativo, deliberado e contínuo. Ao
contrário das concepções passivas de transformação, a Maçonaria exige do
iniciado uma postura de permanente disposição à autotranscendência. A pedra
bruta, símbolo do ser inacabado, não se transforma por mera proximidade com a
loja, mas pela lapidação constante, dolorosa, às vezes solitária, que cada um
empreende sobre si mesmo.
Essa provocação
iniciática se manifesta em vários níveis. No plano moral, provoca a consciência
a confrontar-se com suas imperfeições, exigindo honestidade brutal e coragem
para enfrentar as sombras internas. No plano intelectual, estimula o raciocínio
crítico, a busca pela Verdade além das aparências, o diálogo com a filosofia,
as ciências e as artes. No plano espiritual, impele o homem à comunhão com o
transcendente, à escuta do silêncio interior, à percepção do sagrado que habita
o próprio coração do cosmos e da alma humana.
A Maçonaria não é uma
escola dogmática, mas uma oficina simbólica. Seus ensinamentos não são
impostos, são sugeridos, velados, apresentados em linguagem alegórica, como
enigmas que só se desvendam àqueles que se dispõem a decifrá-los. A iniciação é
provocada porque é necessário provocar intelecto, sentimento, espírito, tirar o
homem de sua zona de conforto e lançá-lo ao terreno fértil, mas incerto, da
dúvida, da investigação e da superação.
Nesse processo, a
fraternidade maçônica oferece apoio, mas não substitui a jornada pessoal. Cada
irmão é companheiro de caminho, espelho e estímulo, mas jamais substituto da
consciência individual. Nesse contexto a iniciação é solitária em sua essência,
pois exige que o indivíduo entre em si mesmo e, das profundezas do seu ser,
erga o templo da virtude, da sabedoria e da beleza.
Assim, dizer que a
iniciação não se dá, mas se provoca, é reconhecer que a transformação não
ocorre por decreto externo, mas pelo fogo interno que precisa ser
constantemente alimentado. O iniciado não é aquele que apenas passou por um
ritual, mas aquele que permitiu que esse ritual o atravessasse, o modificasse,
e que continua, dia após dia, a provocar em si mesmo novos começos, novos
degraus, novas Luzes.
A iniciação maçônica não
tem fim. Ela é uma espiral ascendente que se renova a cada leitura de um
símbolo, a cada reflexão no silêncio do templo, a cada gesto ético no mundo
profano. Iniciar-se é provocar-se, é decidir, de forma consciente e livre, ser
causa da própria elevação, sabendo que essa jornada, embora pessoal, é
sustentada pela presença fraterna daqueles que trilham a mesma senda.
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