Charles Evaldo Boller
A Espiritualidade é Universal
A busca por uma religião verdadeira inquietou o homem ao longo
da história. No entanto, a Maçonaria oferece uma visão singular: todas as
religiões que sinceramente procuram religar o ser humano ao Princípio Criador
são válidas, mas nenhuma detém a Verdade absoluta. Daí deduzir-se que o
templo sagrado não é feito de pedra, mas é o próprio ser humano, que traz em si
a centelha divina.
Enquanto as religiões se enredam em dogmas e disputas, a
filosofia maçônica convida o iniciado a olhar para dentro de si e seguir o
conselho socrático: "conhece-te a ti
mesmo". Fé, nesse contexto, não é crença cega, mas confiança iluminada
pela razão, comparável às raízes invisíveis de uma árvore que, embora ocultas,
sustentam a vida.
O maçom entende que a espiritualidade é universal,
independentemente de credos ou tradições. Ao reconhecer o Grande Arquiteto do
Universo, ele não exclui, mas inclui: fornece um lugar seguro onde padres,
pastores, rabinos, espíritas e outros, podem conviver no mesmo templo, cada
qual tornando-se melhor dentro de sua própria fé. Assim, a Maçonaria realiza o ecumenismo,
livre de hipocrisia, pois fundamentado no Amor Fraterno.
As religiões, ao longo do tempo, hostilizam a ordem maçônica,
acusando-a de heresias ou práticas obscuras, muitas vezes para preservar
privilégios ou poder. Mas a Maçonaria não impõe dogmas, apenas oferece
símbolos e alegorias que estimulam o buscador a construir suas próprias
respostas às grandes questões: quem sou, de onde vim, para onde vou.
Hoje, ciência e espiritualidade convergem. A física moderna e a
biologia da complexidade revelam ordem no aparente caos, sugerindo uma inteligência
subjacente ao universo. Essa visão ecoa a tradição maçônica, que sempre colocou
a espiritualidade como raiz de todo conhecimento.
A vida maçônica, portanto, é uma jornada de lapidação: morrer
para os vícios e renascer nas virtudes, em constante evolução, rumo à
dignidade, à fraternidade e ao amor universal.
Construir as Próprias Respostas
O ser humano, em sua trajetória milenar de busca por sentido,
sempre se viu diante de perguntas fundamentais: quem sou, de onde vim, para
onde vou? Essas interrogações universais deram origem a cosmogonias,
mitologias, religiões organizadas e também a escolas de pensamento filosófico e
iniciático. A Maçonaria, inserida neste vasto horizonte, não se propõe a
responder dogmaticamente tais questões, mas a estimular o indivíduo a construir suas próprias respostas, por meio do
autoconhecimento, da razão crítica e da vivência da fraternidade.
A Inquietação Diante da Religião
Ao longo da história, as religiões surgiram como tentativas
humanas de religar a criatura ao Criador. A palavra "religare" expressa justamente esse anseio de reconexão. No
entanto, a pluralidade de tradições religiosas e a rigidez dos dogmas acabaram
por gerar não apenas diversidade espiritual, mas também divisões, disputas e
até guerras.
A dúvida fundamental, "existe
uma religião verdadeira?", muitas vezes atormenta o buscador sincero.
É nesse ponto que a filosofia maçônica oferece alento: para o maçom, todas as
religiões que buscam, de modo autêntico, reconduzir o ser humano à centelha divina
merecem respeito. A Verdade, em sua plenitude, não cabe em doutrinas rígidas;
ela se manifesta no interior de cada ser humano, em seu "templo interior".
Sócrates já havia intuído esse caminho, ao exortar: "conhece-te a ti mesmo". Para o
maçom, o autoconhecimento é a via real para o encontro com o Princípio Criador,
dispensando intermediários e exegeses dogmáticas.
Fé e Razão: um Falso Dilema
As religiões institucionais frequentemente impõem dogmas e
exigem adesão àquilo que não pode ser questionado. Chamam de fé a aceitação do
invisível. Todavia, a filosofia e a espiritualidade maçônicas ensinam que a fé
não é cega, mas iluminada pela razão.
A metáfora das raízes de uma árvore é útil: embora
invisíveis, elas existem e sustentam a vida. Assim também a espiritualidade:
não se vê, mas é perceptível em seus frutos. Esse raciocínio reconcilia fé e
razão, mostrando que a espiritualidade não é irracional, mas suprarracional.
Autores como Kant (Crítica da Razão Pura) e William James (A
Variedade da Experiência Religiosa) ressaltaram que a fé autêntica nasce da
experiência interior e não da imposição externa. Na Maçonaria, essa experiência
é simbolicamente representada pelo templo que cada iniciado constrói dentro de
si.
O Templo Interior e a Filosofia Maçônica
Para o maçom, o ser humano é o templo do Inefável. Essa
concepção encontra ressonância em tradições antigas: o corpo como templo do
espírito, em Paulo de Tarso; o coração como morada de Deus, nos místicos
sufis; o atman como centelha do brahman, no hinduísmo.
A instrução maçônica orienta o iniciado a polir sua pedra bruta,
metáfora de sua personalidade imperfeita, até torná-la pedra cúbica, apta a se
integrar ao edifício simbólico da humanidade. Esse processo exige vigilância
constante, pois conspurcar o templo interior é trair a própria essência.
Assim, a Maçonaria ensina que a ética, a fraternidade e o amor
universal não são preceitos externos, mas consequências naturais do
reconhecimento da centelha divina no outro. O próximo não é apenas o
correligionário, mas todo ser humano.
Ecumenismo e a Crítica à Hipocrisia Religiosa
Denuncia-se o falso ecumenismo praticado por muitas religiões,
que pregam o amor universal, mas na prática restringem o "próximo" aos fiéis de sua própria
doutrina. Essa contradição revela a dificuldade das religiões institucionais em
transcender a lógica do poder e da identidade excludente.
A Maçonaria, por outro lado, acolhe em seus templos homens
de todas as crenças. Padres, pastores, rabinos, espíritas ou agnósticos
podem se assentar lado a lado, unidos pelo reconhecimento de um Princípio
Criador, um conceito, uma ideia, denominada Grande Arquiteto do Universo. Esse
princípio, deliberadamente aberto, evita reducionismos teológicos e permite a
convivência pacífica de diferentes visões espirituais.
Dessa forma, a Maçonaria realiza um ecumenismo, não de
discursos, mas de práticas, demonstrando que a fraternidade é possível mesmo em
meio à diversidade de credos.
A Tradição dos Grandes Iniciados
Desde a Antiguidade, sábios e iniciados intuíram a mesma
verdade: Rama, Krishna, Hermes Trismegisto, Moisés, Orfeu, Pitágoras, Sócrates,
Platão, Cristo. Todos, em sua essência, proclamaram o amor, a justiça e a
fraternidade como caminhos para a união com o divino.
A Maçonaria se coloca como herdeira dessa tradição perene. Não
é religião, mas escola iniciática que transmite, por símbolos e ritos, o mesmo
ensinamento atemporal: o homem é capaz de aperfeiçoar-se e aproximar-se do
sagrado mediante o cultivo das virtudes.
Nesse sentido, a Ordem torna acessível ao douto e ao iletrado a
mesma Verdade, sem exigir teologias complexas ou sacrifícios ritualísticos. Sua
instrução é simbólica, experiencial e andragógica, adaptada ao adulto que busca
sentido para sua vida.
Maçonaria e Religiões: Conflito e Hostilidade
Não é de hoje que religiões institucionais atacam a Maçonaria,
acusando-a de heresia, paganismo ou até satanismo. As lendas sobre pactos
demoníacos ou rituais macabros não passam de projeções do medo ou do interesse delas
em desmoralizar aquilo que não se controla.
Essas acusações, nascidas do período da Inquisição da Igreja
Católica Apostólica Romana, ainda hoje ressoam em ambientes fundamentalistas. O
motivo é simples: muitas religiões transformaram a experiência espiritual em
comércio e poder e veem na Maçonaria uma ameaça a seu monopólio.
Enquanto tais instituições prometem céu ou inferno mediante
ritos e dízimos, a Maçonaria estimula o indivíduo a descobrir, por si, sua
natureza espiritual e a viver com dignidade, sem precisar de dogmas ou
intermediações obrigatórias.
A Resposta Maçônica às Grandes Perguntas
"Quem sou? De onde
vim? Para onde vou? O que é a morte?" - essas perguntas inquietaram
desde o homem das cavernas até os filósofos contemporâneos.
A Maçonaria não oferece respostas prontas. Em vez disso,
oferece instrumentos: símbolos, alegorias, rituais. Cada iniciado, ao meditar
sobre o esquadro, o compasso, o nível ou o prumo, descobre significados que
respondem a suas inquietações pessoais.
A instrução maçônica é, nesse sentido, profundamente
andragógica: respeita a autonomia do adulto e o incentiva a aprender a
partir da experiência. Assim, cada maçom constrói sua própria Metafísica
prática, sustentada não por dogmas, mas pela vivência da fraternidade e da
moralidade.
Ciência e Espiritualidade: a Nova Convergência
Outro ponto de reflexão é a relação entre ciência e
espiritualidade. Durante séculos, a ciência pareceu caminhar na contramão da
religião, reduzindo o cosmos a mecanismo cego. Contudo, os avanços recentes da
física, da biologia e da cosmologia têm levado muitos cientistas a reconsiderar
a hipótese de um Princípio Criador.
Descartes já intuía isso, ao afirmar que a Metafísica é raiz da
árvore do conhecimento. Para ele, a física brota dessa raiz, e os galhos - as
demais ciências - só florescem porque estão sustentados pelo tronco. Hoje, a
teoria do caos, a física quântica e a biologia da complexidade revelam que o
aparente acaso obedece a padrões de ordem, sugerindo a presença de uma Inteligência Orientadora.
Assim, ciência e espiritualidade não são inimigas, mas
complementares. A sabedoria integra ambas, como a Maçonaria sempre ensinou.
A Mutabilidade da Visão Humana
Um dos traços mais nobres do pensamento maçônico é reconhecer
que a verdade humana é relativa e mutável. O que hoje nos satisfaz, amanhã pode
ser superado por nova compreensão. Isso não é sinal de fraqueza, mas de evolução.
O Universo está em constante mutação e complexidade crescente.
Assim também deve ser o pensamento humano: aberto, progressivo, dinâmico. O
maçom não se fecha em dogmas imutáveis, mas permanece estudante permanente,
consciente de que cada degrau da escada simbólica conduz a novos horizontes de
Luz.
Morrer para Vícios, Viver para Virtudes
A instrução iniciática da Maçonaria ensina que a morte é
abandonar os vícios que corrompem e que a vida é cultivar as virtudes que
edificam.
A cada iniciação, o maçom simbolicamente morre para um estado de ignorância e renasce para
um nível superior de consciência. Esse processo contínuo é sustentado por
princípios éticos e morais, que, longe de serem imposições externas, são
escolhas conscientes do iniciado que deseja viver em harmonia com o Grande
Arquiteto do Universo, consigo mesmo e com os semelhantes.
Assim, a vida maçônica é um constante morrer e renascer, sempre
no sentido da lapidação da pedra bruta.
Maçonaria não Substitui a Religião
As dúvidas intrigantes não são fraquezas, mas sinais de
vitalidade espiritual. Perguntar-se sobre a religião, a fé, a espiritualidade e
o sentido da vida são o primeiro passo para superar o dogmatismo e encontrar
respostas mais profundas.
A Maçonaria, nesse percurso, não é religião e não substitui a
religião, é uma instituição essencialmente filosófica que oferece um método
iniciático de autoconhecimento, fraternidade e busca da Verdade. Seu ecumenismo
prático, sua instrução simbólica e sua valorização do templo interior fazem
dela uma escola singular para a vida adulta.
Enquanto a ciência descobre cada vez mais evidências de ordem e
inteligência no cosmos, a espiritualidade maçônica convida
cada ser humano a reconhecer essa mesma ordem dentro de si. É nesse
encontro - interior e cósmico - que se revela a centelha do Grande Arquiteto do
Universo.
Bibliografia Comentada
1.
DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Reflete
a ideia da Metafísica como raiz do conhecimento, retomada neste ensaio ao
relacionar ciência e espiritualidade;
2.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano.
Fundamenta a noção de que o homem é homo religiosus e sempre constrói templos,
inclusive interiores;
3.
GUÉNON, René. O Simbolismo da Cruz. Ressalta a
dimensão simbólica da espiritualidade, cara à instrução maçônica;
4.
HUXLEY, Aldous. A Filosofia Perenne. Apresenta a
unidade das tradições espirituais, ponto central para a concepção maçônica de
ecumenismo;
5.
JAMES, William. The Varieties of Religious
Experience. Estudo clássico que mostra a diversidade das experiências espirituais,
em sintonia com a visão maçônica da pluralidade de caminhos;
6.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Obra fundamental
para compreender os limites da razão e a necessidade da fé prática. Relevante
para a distinção entre dogma e experiência racional;
7.
KNOWLES,
Malcolm. The Adult Learner. Obra de andragogia que fundamenta a ideia de
que a Maçonaria aplica métodos adequados à aprendizagem adulta;
8.
PIAGET, Jean. O Nascimento da Inteligência na
Criança. Referência indireta para compreender o desenvolvimento cognitivo e sua
analogia com o aprendizado iniciático;
9.
PLATÃO. Diálogos. Sobretudo a Apologia de
Sócrates, que inspira a máxima "conhece-te
a ti mesmo";