Charles Evaldo Boller
Pensar é resistir, é libertar-se, é lapidar a pedra bruta do
espírito. Quem apenas repete vive como servo; quem ousa pensar torna-se livre.
A Maçonaria existe para cultivar o prazer do pensamento, porque só quem pensa
constrói o templo da humanidade.
O Livre-Pensar na Maçonaria e na Sociedade Contemporânea
Pensar é mais que um ato da mente: é o despertar do espírito.
Quem não pensa, repete; quem apenas repete, não vive plenamente. O
pensamento é o cinzel invisível que lapida a pedra bruta, retirando dela o que
a aprisiona e revelando o que a engrandece. A loja existe para nos lembrar
que não somos servos de ideias prontas, mas construtores da Verdade que se
desvela em cada reflexão. Pensar é liberdade conquistada, é Luz que vence as sombras, é o fundamento do templo
da humanidade que cada maçom ergue dentro e fora de si.
"Você pensa?"
- eis a pergunta que deve ecoar em cada maçom ao adentrar o Templo. Pensar é
esforço, é libertar-se das receitas prontas que a
sociedade de massa oferece, é resistir à passividade que transforma
homens em repetidores. Até nas maiores escolas do mundo, como o MIT,
constata-se que a maioria não pensa: apenas repete. Como esperar, então, que
nossa sociedade, submetida ao peso da alienação, cultive o livre-pensamento?
Na Maçonaria, porém, somos chamados a ser diferentes. Quando o
venerável mestre pergunta "o que
vindes fazer aqui?", cada irmão deve responder em silêncio: "vim treinar meu pensamento livre".
A loja é academia intelectual e laboratório espiritual, onde se aprende a
duvidar, questionar, refletir e criar. Ser maçom é assumir o prazer e o dever
de pensar, porque só quem pensa é verdadeiramente
livre.
"Você pensa?"
- a aparente simplicidade dessa pergunta oculta uma profundidade perturbadora.
O ato de pensar, longe de ser universal, tornou-se raridade em um mundo
habituado ao consumo rápido de fórmulas prontas e respostas simplificadas.
Vivemos em um tempo em que a superficialidade se confunde com sabedoria, em que
a repetição substitui a reflexão e em que a passividade se traveste de
conhecimento. Não é por acaso que a filosofia da educação[1]
constantemente alerta para a "crise
do pensamento" na sociedade contemporânea.
Se, conforme afirmou o físico David Pritchard, professor do MIT,
90% dos seus alunos apenas repetem sem pensar, o que esperar de populações que
não tiveram acesso a esse patamar de excelência acadêmica? Se mesmo no topo da
ciência, onde se supõe haver espaço para criatividade e autonomia intelectual,
impera a repetição acrítica, como esperar que homens comuns, e entre eles os
maçons, exerçam o livre-pensar de forma efetiva?
O que Vindes Fazer Aqui?
Essa inquietação se projeta para dentro da Maçonaria. A pergunta
ritualística "o que vindes fazer
aqui?" transcende a formalidade da liturgia e se converte em desafio
existencial. A loja não é apenas um espaço de convivência fraterna, é,
sobretudo, um laboratório do pensamento, um templo em que se cultiva o
raciocínio livre, crítico e criativo. Se o maçom não pensa, não reflete e não
cria, sua presença no templo se reduz a mera repetição de gestos, palavras e
fórmulas vazias, anulando a promessa de liberdade intelectual que o Rito
Escocês Antigo e Aceito lhe concede.
Neste ensaio, desenvolveremos a questão do livre-pensamento em
três grandes movimentos: primeiro, analisando a crise do pensar na sociedade
contemporânea; em seguida, examinando o papel da Maçonaria como escola do
pensamento crítico e criador; e por fim, propondo aplicações práticas para que
o maçom se torne efetivamente um livre-pensador em seu cotidiano, irradiando
esse hábito para a família, o trabalho e a sociedade.
A Crise do Pensamento na Sociedade Contemporânea
Pensar Dá Trabalho
O pensamento exige esforço. Pensar implica analisar,
confrontar, comparar, criticar, duvidar. É mais fácil repetir a "receita de bolo" do que questionar
os ingredientes, as medidas ou o modo de preparo. A metáfora do bolo não é
trivial: a maioria das pessoas prefere consumir o resultado pronto em vez de
envolver-se no processo criativo e arriscado de produzi-lo.
A tecnologia, embora tenha ampliado o acesso à informação,
também acentuou essa tendência. A lógica do algoritmo privilegia a resposta
rápida em detrimento da reflexão profunda. Redes sociais distribuem opiniões
prontas, enquanto aplicativos e buscadores oferecem soluções imediatas. O
efeito colateral é um empobrecimento do raciocínio analítico: formam-se "analfabetos funcionais digitais",
capazes de ler e repetir, mas incapazes de interpretar, criticar ou criar.
A Massificação e o Controle
Do ponto de vista político, é mais fácil governar uma
população que não pensa. A história demonstra que os regimes totalitários
florescem justamente onde o pensamento crítico foi desestimulado ou
criminalizado. O poder se sustenta na obediência cega, e não na liberdade
reflexiva.
Assim, a sociedade contemporânea vive um paradoxo: proclama-se a
liberdade de expressão, mas pouco se cultiva a liberdade de pensamento. A mídia
de massa, os sistemas educacionais engessados e até mesmo algumas
instituições religiosas, em vez de formar mentes críticas, reforçam a repetição
de dogmas e slogans.
O Testemunho da Ciência
O depoimento de Pritchard, citado no texto inicial, é emblemático.
Se no Massachusetts Institute of Technology, referência mundial em ciência e
tecnologia, predomina a lógica da repetição, imagina-se a gravidade do quadro
em países em desenvolvimento. A constatação é dura: a crise do pensamento
não é periférica, mas estrutural. Ela não atinge apenas os desprovidos de
instrução, mas também as elites intelectuais, que deveriam liderar a inovação e
a reflexão.
A Maçonaria como Escola de Livre-Pensamento
O Sentido da Pergunta Ritualística
Quando o venerável mestre pergunta: "o que vindes fazer aqui?", não está apenas seguindo um
protocolo. Essa interrogação é convite à consciência. O maçom que entra no
templo deve fazê-lo com um propósito claro: exercitar
o livre-pensamento.
A loja não é clube social, não é associação beneficente, nem
partido político. É espaço de instrução no sentido mais amplo do termo: lugar
onde adultos se educam mutuamente pelo diálogo, pela reflexão, pela troca de
experiências e pela prática do debate filosófico.
A Missão do Livre-pensador
O maçom é chamado a ser um livre-pensador. Isso não significa
negar tradições ou símbolos, mas interpretá-los de forma criativa. O
livre-pensador não é anárquico, mas hermeneuta; não destrói o símbolo, mas o
renova. O maçom que pensa não se satisfaz com respostas prontas: questiona,
interpreta, reelabora. Nisso ele deve ser teimoso como um bode!
Assim, o livre-pensamento não é apenas direito, mas dever iniciático. Aquele que se contenta com a
repetição trai a essência da Arte Real. Ser maçom é colocar-se em permanente
processo de lapidação: polir a pedra bruta do intelecto e do caráter, até que
ela possa ser encaixada na construção do Templo da Humanidade.
O Treino do Pensamento em Loja
Uma sessão maçônica bem conduzida é um playground do pensamento,
onde o maçom diverte-se pensando e fazendo os irmãos pensarem. Quando cada
irmão expõe uma reflexão, quando o debate filosófico é estimulado, quando a
leitura simbólica é feita de modo plural, a loja cumpre sua missão construtiva
do ser humano. Ao contrário, quando a sessão se reduz à burocracia ou à
repetição mecânica de rituais, perde-se o potencial transformador do espaço.
A prática regular do livre-pensar em loja reflete-se na vida
cotidiana. O maçom que exercita o raciocínio crítico em ambiente fraterno está
mais preparado para enfrentar os desafios do trabalho, da família e da
sociedade.
Estratégias para o Desenvolvimento do Livre-Pensar
A Andragogia Como Ferramenta
O conceito de andragogia, desenvolvido por Malcolm Knowles, é
essencial para compreender o ensino maçônico. Enquanto a pedagogia tradicional
se volta para crianças e adolescentes, a andragogia considera as
características do adulto como aprendiz: autonomia, experiência acumulada,
motivação intrínseca e foco em problemas reais.
Aplicar a andragogia em loja significa organizar debates,
dinâmicas e estudos de modo que os irmãos participem ativamente, trazendo suas
experiências e construindo coletivamente o conhecimento. O método não é de
transmissão vertical, mas de facilitação horizontal[2]. O
venerável mestre e os oradores não são meros transmissores, mas facilitadores
do pensamento.
Dinâmicas de Debate
Algumas práticas podem tornar o exercício do livre-pensar mais
atrativo em Loja:
·
Debates dirigidos: escolher um tema
filosófico, social ou simbólico e promover a discussão, com relatoria e síntese
coletiva.
·
Seminários internos: irmãos apresentam
trabalhos curtos sobre temas de interesse e depois abrem-se perguntas e
debates.
·
Estudos comparados: confrontar
interpretações simbólicas de diferentes tradições (grega, egípcia, bíblica,
iluminista etc.).
·
Gamificação: introduzir metodologias
lúdicas que estimulem a participação, como quizzes, desafios simbólicos ou
estudos de caso.
O Prazer de Pensar
Para que o maçom perceba valor em frequentar a loja, é
fundamental que ele sinta prazer no exercício do livre-pensar. O pensamento não
deve ser encarado como fardo, mas como libertação. Ao perceber que pensar
amplia sua autonomia, fortalece sua vida emocional e lhe dá ferramentas para
lidar com um mundo de "analfabetos
funcionais", o maçom que veio melhorar a si mesmo na Maçonaria
encontra motivação para estar presente.
Implicações Filosóficas e Maçônicas
A Liberdade Como Conquista
A liberdade, valor central da Maçonaria, só existe quando há
pensamento autônomo. Não há liberdade sem reflexão crítica. O indivíduo que
não pensa é manipulado por discursos prontos, slogans políticos ou dogmas
religiosos. O livre-pensar é, portanto, condição da
liberdade.
A Verdade Como Processo
Na tradição maçônica, a Verdade não é possuída, mas buscada. O
livre-pensar impede a cristalização dogmática e mantém vivo o processo de
investigação. Cada sessão é oportunidade de avançar um pouco mais na senda do
conhecimento.
A Fraternidade Como Espaço Instrucional
A loja é comunidade de aprendizes adultos.
O exercício do livre-pensar só se realiza em clima de fraternidade.
Divergências filosóficas não devem gerar rupturas, mas enriquecer o debate. A
fraternidade garante que o pensamento livre não se converta em arrogância ou
isolamento, mas em construção coletiva.
Aplicações Práticas no Cotidiano Maçônico
·
No trabalho profissional:
o maçom livre-pensador torna-se inovador, crítico e criativo em sua área de
atuação, seja como empresário, gestor, professor ou funcionário.
·
Na família:
a prática do pensamento crítico ajuda na educação dos filhos, estimulando
autonomia e criatividade, em vez de mera repetição.
·
Na sociedade:
o maçom que pensa livremente combate a manipulação política, o fanatismo
religioso e a alienação cultural, tornando-se agente de transformação social.
·
Na espiritualidade:
o livre-pensar conduz a uma fé madura, livre de dogmas cegos, fundamentada na
busca consciente do Sagrado.
Conclusão
A pergunta "você
pensa?" não é provocação retórica, mas desafio existencial. No
mundo em que vivemos, pensar é ato de resistência, exercício de liberdade e
dever ético. A Maçonaria, como escola de livre-pensamento, tem responsabilidade
única de formar homens que não apenas repetem, mas criam; que não apenas
seguem, mas lideram; que não apenas aceitam, mas questionam.
O maçom que se coloca nesse caminho descobre que a loja é mais
do que espaço ritual: é verdadeiro laboratório
da mente e do espírito. Ali se cultiva o prazer
de pensar, o hábito de refletir, a disciplina de questionar. Assim, cada sessão
deixa de ser mera repetição e se converte em experiência transformadora.
Pensar é construir liberdade. Pensar é lapidar a pedra bruta.
Pensar é ser maçom.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola,
2005. Obra fundamental para compreender a noção de causa, essência e
finalidade, conceitos que sustentam a reflexão filosófica presente na tradição
maçônica;
2.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de
Janeiro: Zahar, 2001. Analisa a fluidez da sociedade contemporânea e como a
falta de pensamento crítico gera indivíduos frágeis diante da manipulação;
3.
KNOWLES,
Malcolm. The Adult Learner. New York: Routledge, 2015. Texto clássico
sobre andragogia, oferecendo bases para aplicar métodos de aprendizagem ativa
em lojas maçônicas;
4.
LIPMAN, Matthew. O Pensar na Educação.
Petrópolis: Vozes, 1990. Explora o desenvolvimento do pensamento crítico,
criativo e cuidadoso, em sintonia com os objetivos maçônicos;
5.
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à
Educação do Futuro. São Paulo: Cortez, 2000. Defende uma educação
transdisciplinar, integradora, indispensável para uma Maçonaria que deseja
formar cidadãos do futuro;
6.
PRITCHARD, David. Estudos em Física no MIT
(citado em entrevistas e conferências). Seu testemunho sobre alunos que não
pensam ilustra a gravidade da crise do pensamento até mesmo em ambientes de
excelência científica;
7.
SPINOZA, Baruch. Ética. Belo Horizonte:
Autêntica, 2018. A noção de Conatus e da liberdade racional contribui para
entender a missão do maçom como ser que busca a autonomia do pensamento;
8.
VOLTAIRE. Tratado sobre a Tolerância. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. Obra iluminista que reforça a importância da liberdade de
pensamento e da crítica às instituições dogmáticas;
[1] A filosofia
da educação é o ramo da filosofia dedicado a refletir e questionar os
fundamentos, propósitos, métodos e valores da educação, analisando a relação
entre o ato de ensinar ou aprender do ser humano e a sociedade. Ela investiga o
que significa ser educado, a função das práticas pedagógicas e como os sistemas
educativos moldam indivíduos e a sociedade, influenciando a formulação de
currículos e o planejamento educacional;
[2] "Facilitação
horizontal" refere-se a ações e estruturas que promovem a comunicação
e a colaboração entre pessoas no mesmo nível hierárquico, como em uma gestão
horizontal, ou a aquisição de concorrentes em uma integração horizontal. Também
pode se referir a recursos que, de forma horizontal, auxiliam pessoas com
dificuldades motoras, como o engrossador horizontal. No contexto desportivo,
refere-se a um treino ou exercício para melhorar a capacidade de produzir força
rapidamente numa impulsão horizontal;
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