terça-feira, 23 de setembro de 2025

Você Pensa?

 Charles Evaldo Boller

Pensar é resistir, é libertar-se, é lapidar a pedra bruta do espírito. Quem apenas repete vive como servo; quem ousa pensar torna-se livre. A Maçonaria existe para cultivar o prazer do pensamento, porque só quem pensa constrói o templo da humanidade.

O Livre-Pensar na Maçonaria e na Sociedade Contemporânea

Pensar é mais que um ato da mente: é o despertar do espírito. Quem não pensa, repete; quem apenas repete, não vive plenamente. O pensamento é o cinzel invisível que lapida a pedra bruta, retirando dela o que a aprisiona e revelando o que a engrandece. A loja existe para nos lembrar que não somos servos de ideias prontas, mas construtores da Verdade que se desvela em cada reflexão. Pensar é liberdade conquistada, é Luz que vence as sombras, é o fundamento do templo da humanidade que cada maçom ergue dentro e fora de si.

"Você pensa?" - eis a pergunta que deve ecoar em cada maçom ao adentrar o Templo. Pensar é esforço, é libertar-se das receitas prontas que a sociedade de massa oferece, é resistir à passividade que transforma homens em repetidores. Até nas maiores escolas do mundo, como o MIT, constata-se que a maioria não pensa: apenas repete. Como esperar, então, que nossa sociedade, submetida ao peso da alienação, cultive o livre-pensamento?

Na Maçonaria, porém, somos chamados a ser diferentes. Quando o venerável mestre pergunta "o que vindes fazer aqui?", cada irmão deve responder em silêncio: "vim treinar meu pensamento livre". A loja é academia intelectual e laboratório espiritual, onde se aprende a duvidar, questionar, refletir e criar. Ser maçom é assumir o prazer e o dever de pensar, porque só quem pensa é verdadeiramente livre.

"Você pensa?" - a aparente simplicidade dessa pergunta oculta uma profundidade perturbadora. O ato de pensar, longe de ser universal, tornou-se raridade em um mundo habituado ao consumo rápido de fórmulas prontas e respostas simplificadas. Vivemos em um tempo em que a superficialidade se confunde com sabedoria, em que a repetição substitui a reflexão e em que a passividade se traveste de conhecimento. Não é por acaso que a filosofia da educação[1] constantemente alerta para a "crise do pensamento" na sociedade contemporânea.

Se, conforme afirmou o físico David Pritchard, professor do MIT, 90% dos seus alunos apenas repetem sem pensar, o que esperar de populações que não tiveram acesso a esse patamar de excelência acadêmica? Se mesmo no topo da ciência, onde se supõe haver espaço para criatividade e autonomia intelectual, impera a repetição acrítica, como esperar que homens comuns, e entre eles os maçons, exerçam o livre-pensar de forma efetiva?

O que Vindes Fazer Aqui?

Essa inquietação se projeta para dentro da Maçonaria. A pergunta ritualística "o que vindes fazer aqui?" transcende a formalidade da liturgia e se converte em desafio existencial. A loja não é apenas um espaço de convivência fraterna, é, sobretudo, um laboratório do pensamento, um templo em que se cultiva o raciocínio livre, crítico e criativo. Se o maçom não pensa, não reflete e não cria, sua presença no templo se reduz a mera repetição de gestos, palavras e fórmulas vazias, anulando a promessa de liberdade intelectual que o Rito Escocês Antigo e Aceito lhe concede.

Neste ensaio, desenvolveremos a questão do livre-pensamento em três grandes movimentos: primeiro, analisando a crise do pensar na sociedade contemporânea; em seguida, examinando o papel da Maçonaria como escola do pensamento crítico e criador; e por fim, propondo aplicações práticas para que o maçom se torne efetivamente um livre-pensador em seu cotidiano, irradiando esse hábito para a família, o trabalho e a sociedade.

A Crise do Pensamento na Sociedade Contemporânea

Pensar Dá Trabalho

O pensamento exige esforço. Pensar implica analisar, confrontar, comparar, criticar, duvidar. É mais fácil repetir a "receita de bolo" do que questionar os ingredientes, as medidas ou o modo de preparo. A metáfora do bolo não é trivial: a maioria das pessoas prefere consumir o resultado pronto em vez de envolver-se no processo criativo e arriscado de produzi-lo.

A tecnologia, embora tenha ampliado o acesso à informação, também acentuou essa tendência. A lógica do algoritmo privilegia a resposta rápida em detrimento da reflexão profunda. Redes sociais distribuem opiniões prontas, enquanto aplicativos e buscadores oferecem soluções imediatas. O efeito colateral é um empobrecimento do raciocínio analítico: formam-se "analfabetos funcionais digitais", capazes de ler e repetir, mas incapazes de interpretar, criticar ou criar.

A Massificação e o Controle

Do ponto de vista político, é mais fácil governar uma população que não pensa. A história demonstra que os regimes totalitários florescem justamente onde o pensamento crítico foi desestimulado ou criminalizado. O poder se sustenta na obediência cega, e não na liberdade reflexiva.

Assim, a sociedade contemporânea vive um paradoxo: proclama-se a liberdade de expressão, mas pouco se cultiva a liberdade de pensamento. A mídia de massa, os sistemas educacionais engessados e até mesmo algumas instituições religiosas, em vez de formar mentes críticas, reforçam a repetição de dogmas e slogans.

O Testemunho da Ciência

O depoimento de Pritchard, citado no texto inicial, é emblemático. Se no Massachusetts Institute of Technology, referência mundial em ciência e tecnologia, predomina a lógica da repetição, imagina-se a gravidade do quadro em países em desenvolvimento. A constatação é dura: a crise do pensamento não é periférica, mas estrutural. Ela não atinge apenas os desprovidos de instrução, mas também as elites intelectuais, que deveriam liderar a inovação e a reflexão.

A Maçonaria como Escola de Livre-Pensamento

O Sentido da Pergunta Ritualística

Quando o venerável mestre pergunta: "o que vindes fazer aqui?", não está apenas seguindo um protocolo. Essa interrogação é convite à consciência. O maçom que entra no templo deve fazê-lo com um propósito claro: exercitar o livre-pensamento.

A loja não é clube social, não é associação beneficente, nem partido político. É espaço de instrução no sentido mais amplo do termo: lugar onde adultos se educam mutuamente pelo diálogo, pela reflexão, pela troca de experiências e pela prática do debate filosófico.

A Missão do Livre-pensador

O maçom é chamado a ser um livre-pensador. Isso não significa negar tradições ou símbolos, mas interpretá-los de forma criativa. O livre-pensador não é anárquico, mas hermeneuta; não destrói o símbolo, mas o renova. O maçom que pensa não se satisfaz com respostas prontas: questiona, interpreta, reelabora. Nisso ele deve ser teimoso como um bode!

Assim, o livre-pensamento não é apenas direito, mas dever iniciático. Aquele que se contenta com a repetição trai a essência da Arte Real. Ser maçom é colocar-se em permanente processo de lapidação: polir a pedra bruta do intelecto e do caráter, até que ela possa ser encaixada na construção do Templo da Humanidade.

O Treino do Pensamento em Loja

Uma sessão maçônica bem conduzida é um playground do pensamento, onde o maçom diverte-se pensando e fazendo os irmãos pensarem. Quando cada irmão expõe uma reflexão, quando o debate filosófico é estimulado, quando a leitura simbólica é feita de modo plural, a loja cumpre sua missão construtiva do ser humano. Ao contrário, quando a sessão se reduz à burocracia ou à repetição mecânica de rituais, perde-se o potencial transformador do espaço.

A prática regular do livre-pensar em loja reflete-se na vida cotidiana. O maçom que exercita o raciocínio crítico em ambiente fraterno está mais preparado para enfrentar os desafios do trabalho, da família e da sociedade.

Estratégias para o Desenvolvimento do Livre-Pensar

A Andragogia Como Ferramenta

O conceito de andragogia, desenvolvido por Malcolm Knowles, é essencial para compreender o ensino maçônico. Enquanto a pedagogia tradicional se volta para crianças e adolescentes, a andragogia considera as características do adulto como aprendiz: autonomia, experiência acumulada, motivação intrínseca e foco em problemas reais.

Aplicar a andragogia em loja significa organizar debates, dinâmicas e estudos de modo que os irmãos participem ativamente, trazendo suas experiências e construindo coletivamente o conhecimento. O método não é de transmissão vertical, mas de facilitação horizontal[2]. O venerável mestre e os oradores não são meros transmissores, mas facilitadores do pensamento.

Dinâmicas de Debate

Algumas práticas podem tornar o exercício do livre-pensar mais atrativo em Loja:

·         Debates dirigidos: escolher um tema filosófico, social ou simbólico e promover a discussão, com relatoria e síntese coletiva.

·         Seminários internos: irmãos apresentam trabalhos curtos sobre temas de interesse e depois abrem-se perguntas e debates.

·         Estudos comparados: confrontar interpretações simbólicas de diferentes tradições (grega, egípcia, bíblica, iluminista etc.).

·         Gamificação: introduzir metodologias lúdicas que estimulem a participação, como quizzes, desafios simbólicos ou estudos de caso.

O Prazer de Pensar

Para que o maçom perceba valor em frequentar a loja, é fundamental que ele sinta prazer no exercício do livre-pensar. O pensamento não deve ser encarado como fardo, mas como libertação. Ao perceber que pensar amplia sua autonomia, fortalece sua vida emocional e lhe dá ferramentas para lidar com um mundo de "analfabetos funcionais", o maçom que veio melhorar a si mesmo na Maçonaria encontra motivação para estar presente.

Implicações Filosóficas e Maçônicas

A Liberdade Como Conquista

A liberdade, valor central da Maçonaria, só existe quando há pensamento autônomo. Não há liberdade sem reflexão crítica. O indivíduo que não pensa é manipulado por discursos prontos, slogans políticos ou dogmas religiosos. O livre-pensar é, portanto, condição da liberdade.

A Verdade Como Processo

Na tradição maçônica, a Verdade não é possuída, mas buscada. O livre-pensar impede a cristalização dogmática e mantém vivo o processo de investigação. Cada sessão é oportunidade de avançar um pouco mais na senda do conhecimento.

A Fraternidade Como Espaço Instrucional

A loja é comunidade de aprendizes adultos. O exercício do livre-pensar só se realiza em clima de fraternidade. Divergências filosóficas não devem gerar rupturas, mas enriquecer o debate. A fraternidade garante que o pensamento livre não se converta em arrogância ou isolamento, mas em construção coletiva.

Aplicações Práticas no Cotidiano Maçônico

·         No trabalho profissional: o maçom livre-pensador torna-se inovador, crítico e criativo em sua área de atuação, seja como empresário, gestor, professor ou funcionário.

·         Na família: a prática do pensamento crítico ajuda na educação dos filhos, estimulando autonomia e criatividade, em vez de mera repetição.

·         Na sociedade: o maçom que pensa livremente combate a manipulação política, o fanatismo religioso e a alienação cultural, tornando-se agente de transformação social.

·         Na espiritualidade: o livre-pensar conduz a uma fé madura, livre de dogmas cegos, fundamentada na busca consciente do Sagrado.

Conclusão

A pergunta "você pensa?" não é provocação retórica, mas desafio existencial. No mundo em que vivemos, pensar é ato de resistência, exercício de liberdade e dever ético. A Maçonaria, como escola de livre-pensamento, tem responsabilidade única de formar homens que não apenas repetem, mas criam; que não apenas seguem, mas lideram; que não apenas aceitam, mas questionam.

O maçom que se coloca nesse caminho descobre que a loja é mais do que espaço ritual: é verdadeiro laboratório da mente e do espírito. Ali se cultiva o prazer de pensar, o hábito de refletir, a disciplina de questionar. Assim, cada sessão deixa de ser mera repetição e se converte em experiência transformadora.

Pensar é construir liberdade. Pensar é lapidar a pedra bruta. Pensar é ser maçom.

Bibliografia Comentada

1.      ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2005. Obra fundamental para compreender a noção de causa, essência e finalidade, conceitos que sustentam a reflexão filosófica presente na tradição maçônica;

2.      BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. Analisa a fluidez da sociedade contemporânea e como a falta de pensamento crítico gera indivíduos frágeis diante da manipulação;

3.      KNOWLES, Malcolm. The Adult Learner. New York: Routledge, 2015. Texto clássico sobre andragogia, oferecendo bases para aplicar métodos de aprendizagem ativa em lojas maçônicas;

4.      LIPMAN, Matthew. O Pensar na Educação. Petrópolis: Vozes, 1990. Explora o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e cuidadoso, em sintonia com os objetivos maçônicos;

5.      MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez, 2000. Defende uma educação transdisciplinar, integradora, indispensável para uma Maçonaria que deseja formar cidadãos do futuro;

6.      PRITCHARD, David. Estudos em Física no MIT (citado em entrevistas e conferências). Seu testemunho sobre alunos que não pensam ilustra a gravidade da crise do pensamento até mesmo em ambientes de excelência científica;

7.      SPINOZA, Baruch. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. A noção de Conatus e da liberdade racional contribui para entender a missão do maçom como ser que busca a autonomia do pensamento;

8.      VOLTAIRE. Tratado sobre a Tolerância. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Obra iluminista que reforça a importância da liberdade de pensamento e da crítica às instituições dogmáticas;



[1] A filosofia da educação é o ramo da filosofia dedicado a refletir e questionar os fundamentos, propósitos, métodos e valores da educação, analisando a relação entre o ato de ensinar ou aprender do ser humano e a sociedade. Ela investiga o que significa ser educado, a função das práticas pedagógicas e como os sistemas educativos moldam indivíduos e a sociedade, influenciando a formulação de currículos e o planejamento educacional;

[2] "Facilitação horizontal" refere-se a ações e estruturas que promovem a comunicação e a colaboração entre pessoas no mesmo nível hierárquico, como em uma gestão horizontal, ou a aquisição de concorrentes em uma integração horizontal. Também pode se referir a recursos que, de forma horizontal, auxiliam pessoas com dificuldades motoras, como o engrossador horizontal. No contexto desportivo, refere-se a um treino ou exercício para melhorar a capacidade de produzir força rapidamente numa impulsão horizontal;

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