Charles Evaldo Boller
A terceira instrução do aprendiz é uma lição de filosofia
prática. Sob a forma de diálogo, o ritual conduz o aprendiz maçom a compreender
que a Maçonaria é, ao mesmo tempo, culto e segredo: culto à Verdade, à
liberdade e à fraternidade. Usa de segredo porque a essência do sagrado não
pode ser vulgarizada, mas deve ser guardada com discrição e vivida no silêncio
fecundo.
Ao definir-se como associação íntima de homens livres e de bons
costumes, a ordem maçônica recorda que seu fundamento está no Grande Arquiteto
do Universo e que seu objetivo final é a felicidade dos povos. Nesse
horizonte, os deveres do maçom tornam-se claros: honrar o divino, respeitar
todos como irmãos, combater vícios e preconceitos, praticar justiça e
tolerância, socorrer o aflito e agir sempre com fé, perseverança e devotamento.
Os sinais, toques e palavras recordam que a vida maçônica
deve ser regulada pela retidão, pela igualdade e pela disciplina. A palavra
sagrada do aprendiz, significando beleza, força e apoio, revela que toda construção
exige inspiração, energia e estabilidade. O silêncio inicial do neófito, um
silêncio interno, inspirado nos procedimentos de iniciação do Antigo Egito,
ensina que a sabedoria nasce da escuta atenta e do recolhimento.
A viagem iniciática, o despojamento dos metais e a remoção da
venda são metáforas do caminho humano: deixar para trás os vícios,
superar as dificuldades e abrir-se à luz da verdade. Os símbolos, colunas,
romã, pavimento mosaico, esquadro, nível e prumo, são lições permanentes de
coesão social, de convivência entre diferenças, de justiça e de retidão.
O trabalho do meio-dia à meia-noite evoca a disciplina do tempo
e a vigilância espiritual. Assim, a terceira instrução não é apenas uma
recordação do ritual de iniciação, mas um compêndio
de sabedoria prática, que convida o aprendiz a lapidar sua pedra
bruta e a transformar símbolos em atitudes, dentro e fora da loja, para que a
Maçonaria cumpra sua missão universal de unir os homens sob a bandeira da paz.
A presente reflexão busca analisar, desenvolver e expandir os
principais elementos da terceira instrução, articulando-os com a filosofia
maçônica e com aplicações práticas na vida pessoal, profissional, familiar e
espiritual do maçom.
Um Ensaio Filosófico e Prático
A terceira instrução do aprendiz constitui um dos momentos mais
ricos e simbólicos da instrução maçônica. Seu objetivo não é apenas transmitir
conteúdos formais, mas, sobretudo, despertar estados de consciência,
acordando dentro do neófito uma visão mais profunda daquilo que significa ser
maçom no mundo contemporâneo. Mais do que um exercício ritualístico,
trata-se de um método andragógico, voltado ao adulto, que utiliza diálogo,
repetição, símbolos e metáforas como ferramentas de fixação, reflexão e ação.
A Maçonaria Como Culto e Segredo
Logo no início da instrução, o diálogo entre venerável mestre e
primeiro vigilante apresenta a Maçonaria como um culto e um segredo. Este duplo
aspecto merece atenção.
O termo culto NÃO se refere a uma religião específica, mas à
atitude de reverência diante do mistério da vida, da transcendência e do
sagrado. A Maçonaria não se limita a ser uma associação ética ou filantrópica,
ela cultua valores universais e convida seus membros a viver em comunhão com a
Verdade, a justiça e a fraternidade.
Já o segredo não é um artifício conspiratório. Ele
representa a interioridade do ser humano, a dimensão íntima do sagrado,
inacessível ao olhar profano. Guardar segredo é, sobretudo, cultivar a
discrição, respeitar os processos individuais e proteger o espaço interior onde
cada maçom constrói seu templo. O segredo convida o aprendiz a valorizar a
iniciação como experiência e não como mera informação.
Aplicação prática: no mundo moderno, marcado pela
exposição excessiva, cultivar o segredo é um ato de resistência ética. Saber
calar, preservar a intimidade alheia e não banalizar os símbolos são exercícios
cotidianos que reforçam a virtude da prudência.
A definição de Maçonaria
O primeiro vigilante oferece uma definição clássica: a Maçonaria
é uma associação íntima de homens escolhidos, fundada no Grande Arquiteto do
Universo, que tem como princípios a igualdade, fraternidade e caridade; como
frutos, a virtude, a sociabilidade e o progresso, e como fim, a felicidade dos
povos. Essa definição pode ser lida em camadas:
·
Associação íntima: a Maçonaria não é uma
massa anônima; ela é formada por vínculos pessoais, espirituais e simbólicos.
Intimidade significa proximidade e confiança.
·
Homens escolhidos: não se trata de
elitismo, mas de seleção moral. O ingresso pressupõe liberdade, bons costumes e
desejo de Luz.
·
Grande Arquiteto do Universo: é a pedra
angular. A Maçonaria reconhece um princípio ordenador transcendente, fundamento
da lei natural.
·
Verdade, liberdade e luz moral: valores
que direcionam a conduta maçônica.
·
Felicidade dos povos: objetivo final que
transcende o individualismo, lembrando que a Maçonaria é uma escola de
cidadania.
Aplicação prática: em um tempo de fragmentação social, o
maçom é chamado a ser agente de coesão, promovendo a união entre
diferenças, defendendo a liberdade responsável e cultivando virtudes que
sustentam o progresso coletivo.
Os Deveres do Maçom
O segundo vigilante lista obrigações que formam um programa
ético:
·
Honrar o Grande Arquiteto: reconhecer o
sagrado em todas as ações.
·
Tratar todos como irmãos: combater
preconceitos raciais, sociais e culturais.
·
Combater vícios sociais: ambição
desmedida, orgulho, ignorância, fanatismo.
·
Praticar justiça e tolerância: equilibrar
firmeza e respeito à diversidade.
·
Socorrer o aflito: transformar a
fraternidade em ação concreta.
Essa lista antecipa os desafios do mundo contemporâneo:
corrupção, intolerância religiosa, desigualdades sociais, desinformação. O
maçom é chamado a se posicionar como sujeito crítico e transformador, orientado
pela fé, pela perseverança e pelo devotamento.
Aplicação prática: criar projetos em loja que unam
formação intelectual e ação social, como debates sobre ética aplicada ao
cotidiano e campanhas de apoio à comunidade. Assim, a fraternidade deixa de ser
apenas discurso e torna-se prática operativa.
Os Sinais, Toques e Palavras
O mestre de cerimônias explica o sinal feito pelo aprendiz, relacionando-o ao esquadro, nível e perpendicular. Cada gesto é uma metáfora corporal: Sacralidade do silêncio, Obediência e disciplina, Retidão e igualdade.
Esses sinais não são mímicas mecânicas, mas linguagem
iniciática. Eles lembram ao maçom que sua vida deve ser regulada pela
exatidão, pela retidão e pela discrição.
A palavra transmitida é "beleza, força e apoio", que remetem às três colunas que
sustentam o templo. A Maçonaria ensina que toda construção espiritual depende
da harmonia desses três princípios: estética (beleza), energia (força) e
estabilidade (apoio).
Aplicação prática: no âmbito profissional, a
tríade pode ser aplicada ao conceito de liderança: um líder deve inspirar
(beleza), motivar (força) e sustentar (apoio). No âmbito familiar, a
tríade sugere equilíbrio entre afetividade, autoridade e suporte.
O Silêncio do Aprendiz e a Tradição Egípcia
O guarda do templo explica que o aprendiz não possui palavra de
passe porque, no Antigo Egito, o iniciado permanecia três anos em silêncio.
Essa tradição sublinha o valor da escuta e da contemplação como pré-requisitos
da sabedoria. Não significa que na Maçonaria o aprendiz maçom fica calado,
sem expressar duas dúvidas e apreensões, ele é motivado a falar, apresentar e
comentar suas peças de arquitetura, ponderar e exprimir sua interpretação que
recolhe das palavras dos demais irmãos
da loja.
O silêncio é exercício de humildade, mas também de preparação
intelectual. A palavra só tem valor quando nasce do discernimento.
Aplicação prática: em reuniões maçônicas e profissionais,
aprender a ouvir antes de falar desenvolve a empatia e evita julgamentos
precipitados. O silêncio estratégico fortalece a clareza da palavra.
O Despojamento dos Metais
O secretário recorda que o iniciado é recebido despojado dos
metais, emblema dos vícios. Este gesto simbólico recorda que, para ingressar na
loja, é necessário abandonar paixões desordenadas, preconceitos e apegos
materiais.
Mais do que renúncia, trata-se de uma purificação simbólica, preparando
o iniciado para uma vida regulada pela virtude e não pelo interesse.
Aplicação prática: o maçom deve refletir sobre suas
próprias "correntes invisíveis":
apegos, vaidades, rancores. Libertar-se desses pesos é condição para uma vida
mais leve, justa e produtiva.
A Loja Justa, Perfeita e Regular
A definição oferecida pelo secretário lembra que a legitimidade
da loja depende de:
·
Três que governem (trindade de sabedoria,
força e beleza).
·
Cinco que a componham (número da harmonia
social).
·
Sete que a completem (plenitude).
Além disso, a regularidade implica obediência a uma potência
legítima e respeito aos princípios universais da Maçonaria.
Essa estrutura revela que a Maçonaria não é anarquia nem mero
ajuntamento: ela exige ordem, proporção e legalidade.
Aplicação prática: em qualquer organização, seja empresa,
família ou grupo social, é necessário equilibrar governança, participação e
legitimidade. A loja é metáfora de uma sociedade justa.
As Três Viagens e os Elementos
O orador lembra que o aprendiz percorre três viagens,
representando as dificuldades da vida e as purificações pelos elementos. A
iniciação é, portanto, um rito de passagem, onde o neófito experimenta
simbolicamente a morte do velho homem e o renascimento para uma nova vida.
Essas viagens recordam que o conhecimento não é gratuito: ele
exige esforço, superação e purificação interior.
Aplicação prática: o maçom deve interpretar as provações
da vida como oportunidades de crescimento. Cada dificuldade pode ser
ressignificada como viagem iniciática que purifica e amadurece.
A Venda e a Luz
O tesoureiro testemunha que, ao entrar, nada via, mas ao receber
a Luz contemplou o pavimento mosaico e o livro da lei. Essa transição das
trevas à luz sintetiza toda a filosofia iniciática: a passagem da ignorância
ao conhecimento, da ilusão à verdade, do caos à ordem. Adicionalmente o ato
representa a conquista da autonomia, pois
a partir daquele momento o neófito toma conta da sua vida e dispensa a ação de
mentores que conduzam os seus passos pela vida.
Aplicação prática: todos os dias o maçom é chamado a
remover as "vendas" de seus
olhos, preconceitos, desinformações, ilusões, e buscar a Luz da razão, do
estudo e da experiência.
O Simbolismo das Colunas, do Pavimento e da Romã
A explicação do primeiro vigilante é um compêndio simbólico:
·
Colunas ocas de bronze: eternidade da lei
natural.
·
Romã: unidade na diversidade.
·
Pavimento mosaico: coexistência do bem e
do mal, necessidade da tolerância.
·
Esquadro, nível e prumo: retidão,
igualdade e justiça.
Cada símbolo é uma lição prática. A Maçonaria educa não
apenas pela teoria, mas pela visualização e pela manipulação de símbolos.
Aplicação prática: cultivar esses símbolos como
arquétipos mentais. O pavimento mosaico, por exemplo, inspira a convivência
democrática em ambientes plurais; a romã lembra a importância da coesão
social; o prumo ensina retidão no julgamento.
O Trabalho do Meio-dia à Meia-noite
O segundo vigilante explica que os aprendizes trabalham do
meio-dia à meia-noite, evocando Zoroastro. O simbolismo sugere que o trabalho
maçônico ocorre na plenitude da luz solar até a escuridão da noite,
representando a necessidade de estar vigilante em todas as fases da vida.
Aplicação prática: a disciplina de horários lembra que a
vida requer organização. O maçom é chamado a trabalhar intensamente
enquanto há luz, mas também a enfrentar a noite com serenidade, simbolizando
as adversidades.
Conclusão
A terceira instrução do aprendiz é mais do que uma repetição
ritual: é um compêndio de filosofia prática. Cada diálogo entre o venerável
mestre e os oficiais revela camadas de sabedoria que podem ser aplicadas na
vida cotidiana. O segredo, o culto, os deveres, os sinais, a palavra, as
viagens, a venda, o despojamento dos metais, as colunas, o pavimento mosaico e
o tempo de trabalho são símbolos vivos que instruem o maçom a buscar a Verdade, cultivar a fraternidade e servir à
humanidade.
A aplicação prática desses símbolos não se limita ao templo, ao
contrário, seu sentido pleno só se revela quando o maçom os leva para a
família, o trabalho, a sociedade e a vida espiritual. Assim, a terceira
instrução não é apenas memória litúrgica, mas uma
instrução de vida.
Bibliografia Comentada
1.
ANDERSON, James. Constituições de Anderson.
Londres, 1723. Texto fundador da Maçonaria Especulativa. Define princípios de
liberdade e fraternidade que ecoam na Terceira Instrução;
2.
BOLLER, Charles Evaldo. Reflexões sobre a
Andragogia Maçônica. Manuscrito. Obra em desenvolvimento, que integra
princípios andragógicos à instrução ritualística, exatamente como se aplica
nesta instrução;
3.
CHOPRA, Deepak & KAFATOS, Menas. Você é o
Universo. São Paulo: Alaúde, 2017. Contribui para uma visão cosmológica do Grande
Arquiteto do Universo, articulando ciência e espiritualidade;
4.
CLAUSSE, René. La Symbolique Maçonnique. Paris:
Dervy, 1993. Estudo detalhado dos símbolos, útil para compreender a romã, e o
pavimento mosaico;
5.
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a
descobrir. UNESCO, 1996. Propõe os quatro pilares da educação (aprender a
conhecer, a fazer, a viver juntos, a ser), em consonância com a filosofia
maçônica;
6.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo:
Martins Fontes, 1999. Analisa a dimensão do culto e do sagrado, fundamentais na
concepção da Maçonaria como culto secreto;
7.
GUÉNON, René. Símbolos Fundamentais da Ciência
Sagrada. São Paulo: Pensamento, 2000. Oferece chaves hermenêuticas para
compreender o simbolismo universal presente nos rituais;
8.
HADOT, Pierre. Exercícios Espirituais e
Filosofia Antiga. São Paulo: Loyola, 1999. Inspira a leitura da Maçonaria como
escola de vida prática, comparável aos exercícios filosóficos gregos;
9.
KNOWLLES,
Malcolm. The Adult Learner. Houston: Gulf Publishing, 1980. Base da
andragogia. Aplica-se à instrução maçônica, que se destina a adultos em busca
de sentido;
10. PIKE, Albert. Morals and Dogma of the
Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston, 1871.
Obra monumental que interpreta os graus do Rito Escocês Antigo e Aceito.
Fundamenta o simbolismo das colunas, do compasso e do esquadro;
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