segunda-feira, 22 de setembro de 2025

A Terceira Instrução do Aprendiz Maçom, Síntese Filosófica Prática

 Charles Evaldo Boller

A terceira instrução do aprendiz é uma lição de filosofia prática. Sob a forma de diálogo, o ritual conduz o aprendiz maçom a compreender que a Maçonaria é, ao mesmo tempo, culto e segredo: culto à Verdade, à liberdade e à fraternidade. Usa de segredo porque a essência do sagrado não pode ser vulgarizada, mas deve ser guardada com discrição e vivida no silêncio fecundo.

Ao definir-se como associação íntima de homens livres e de bons costumes, a ordem maçônica recorda que seu fundamento está no Grande Arquiteto do Universo e que seu objetivo final é a felicidade dos povos. Nesse horizonte, os deveres do maçom tornam-se claros: honrar o divino, respeitar todos como irmãos, combater vícios e preconceitos, praticar justiça e tolerância, socorrer o aflito e agir sempre com fé, perseverança e devotamento.

Os sinais, toques e palavras recordam que a vida maçônica deve ser regulada pela retidão, pela igualdade e pela disciplina. A palavra sagrada do aprendiz, significando beleza, força e apoio, revela que toda construção exige inspiração, energia e estabilidade. O silêncio inicial do neófito, um silêncio interno, inspirado nos procedimentos de iniciação do Antigo Egito, ensina que a sabedoria nasce da escuta atenta e do recolhimento.

A viagem iniciática, o despojamento dos metais e a remoção da venda são metáforas do caminho humano: deixar para trás os vícios, superar as dificuldades e abrir-se à luz da verdade. Os símbolos, colunas, romã, pavimento mosaico, esquadro, nível e prumo, são lições permanentes de coesão social, de convivência entre diferenças, de justiça e de retidão.

O trabalho do meio-dia à meia-noite evoca a disciplina do tempo e a vigilância espiritual. Assim, a terceira instrução não é apenas uma recordação do ritual de iniciação, mas um compêndio de sabedoria prática, que convida o aprendiz a lapidar sua pedra bruta e a transformar símbolos em atitudes, dentro e fora da loja, para que a Maçonaria cumpra sua missão universal de unir os homens sob a bandeira da paz.

A presente reflexão busca analisar, desenvolver e expandir os principais elementos da terceira instrução, articulando-os com a filosofia maçônica e com aplicações práticas na vida pessoal, profissional, familiar e espiritual do maçom.

Um Ensaio Filosófico e Prático

A terceira instrução do aprendiz constitui um dos momentos mais ricos e simbólicos da instrução maçônica. Seu objetivo não é apenas transmitir conteúdos formais, mas, sobretudo, despertar estados de consciência, acordando dentro do neófito uma visão mais profunda daquilo que significa ser maçom no mundo contemporâneo. Mais do que um exercício ritualístico, trata-se de um método andragógico, voltado ao adulto, que utiliza diálogo, repetição, símbolos e metáforas como ferramentas de fixação, reflexão e ação.

A Maçonaria Como Culto e Segredo

Logo no início da instrução, o diálogo entre venerável mestre e primeiro vigilante apresenta a Maçonaria como um culto e um segredo. Este duplo aspecto merece atenção.

O termo culto NÃO se refere a uma religião específica, mas à atitude de reverência diante do mistério da vida, da transcendência e do sagrado. A Maçonaria não se limita a ser uma associação ética ou filantrópica, ela cultua valores universais e convida seus membros a viver em comunhão com a Verdade, a justiça e a fraternidade.

Já o segredo não é um artifício conspiratório. Ele representa a interioridade do ser humano, a dimensão íntima do sagrado, inacessível ao olhar profano. Guardar segredo é, sobretudo, cultivar a discrição, respeitar os processos individuais e proteger o espaço interior onde cada maçom constrói seu templo. O segredo convida o aprendiz a valorizar a iniciação como experiência e não como mera informação.

Aplicação prática: no mundo moderno, marcado pela exposição excessiva, cultivar o segredo é um ato de resistência ética. Saber calar, preservar a intimidade alheia e não banalizar os símbolos são exercícios cotidianos que reforçam a virtude da prudência.

A definição de Maçonaria

O primeiro vigilante oferece uma definição clássica: a Maçonaria é uma associação íntima de homens escolhidos, fundada no Grande Arquiteto do Universo, que tem como princípios a igualdade, fraternidade e caridade; como frutos, a virtude, a sociabilidade e o progresso, e como fim, a felicidade dos povos. Essa definição pode ser lida em camadas:

·         Associação íntima: a Maçonaria não é uma massa anônima; ela é formada por vínculos pessoais, espirituais e simbólicos. Intimidade significa proximidade e confiança.

·         Homens escolhidos: não se trata de elitismo, mas de seleção moral. O ingresso pressupõe liberdade, bons costumes e desejo de Luz.

·         Grande Arquiteto do Universo: é a pedra angular. A Maçonaria reconhece um princípio ordenador transcendente, fundamento da lei natural.

·         Verdade, liberdade e luz moral: valores que direcionam a conduta maçônica.

·         Felicidade dos povos: objetivo final que transcende o individualismo, lembrando que a Maçonaria é uma escola de cidadania.

Aplicação prática: em um tempo de fragmentação social, o maçom é chamado a ser agente de coesão, promovendo a união entre diferenças, defendendo a liberdade responsável e cultivando virtudes que sustentam o progresso coletivo.

Os Deveres do Maçom

O segundo vigilante lista obrigações que formam um programa ético:

·         Honrar o Grande Arquiteto: reconhecer o sagrado em todas as ações.

·         Tratar todos como irmãos: combater preconceitos raciais, sociais e culturais.

·         Combater vícios sociais: ambição desmedida, orgulho, ignorância, fanatismo.

·         Praticar justiça e tolerância: equilibrar firmeza e respeito à diversidade.

·         Socorrer o aflito: transformar a fraternidade em ação concreta.

Essa lista antecipa os desafios do mundo contemporâneo: corrupção, intolerância religiosa, desigualdades sociais, desinformação. O maçom é chamado a se posicionar como sujeito crítico e transformador, orientado pela fé, pela perseverança e pelo devotamento.

Aplicação prática: criar projetos em loja que unam formação intelectual e ação social, como debates sobre ética aplicada ao cotidiano e campanhas de apoio à comunidade. Assim, a fraternidade deixa de ser apenas discurso e torna-se prática operativa.

Os Sinais, Toques e Palavras

O mestre de cerimônias explica o sinal feito pelo aprendiz, relacionando-o ao esquadro, nível e perpendicular. Cada gesto é uma metáfora corporal: Sacralidade do silêncio,  Obediência e disciplina,  Retidão e igualdade.

Esses sinais não são mímicas mecânicas, mas linguagem iniciática. Eles lembram ao maçom que sua vida deve ser regulada pela exatidão, pela retidão e pela discrição.

A palavra transmitida é "beleza, força e apoio", que remetem às três colunas que sustentam o templo. A Maçonaria ensina que toda construção espiritual depende da harmonia desses três princípios: estética (beleza), energia (força) e estabilidade (apoio).

Aplicação prática: no âmbito profissional, a tríade pode ser aplicada ao conceito de liderança: um líder deve inspirar (beleza), motivar (força) e sustentar (apoio). No âmbito familiar, a tríade sugere equilíbrio entre afetividade, autoridade e suporte.

O Silêncio do Aprendiz e a Tradição Egípcia

O guarda do templo explica que o aprendiz não possui palavra de passe porque, no Antigo Egito, o iniciado permanecia três anos em silêncio. Essa tradição sublinha o valor da escuta e da contemplação como pré-requisitos da sabedoria. Não significa que na Maçonaria o aprendiz maçom fica calado, sem expressar duas dúvidas e apreensões, ele é motivado a falar, apresentar e comentar suas peças de arquitetura, ponderar e exprimir sua interpretação que recolhe das palavras dos demais irmãos da loja.

O silêncio é exercício de humildade, mas também de preparação intelectual. A palavra só tem valor quando nasce do discernimento.

Aplicação prática: em reuniões maçônicas e profissionais, aprender a ouvir antes de falar desenvolve a empatia e evita julgamentos precipitados. O silêncio estratégico fortalece a clareza da palavra.

O Despojamento dos Metais

O secretário recorda que o iniciado é recebido despojado dos metais, emblema dos vícios. Este gesto simbólico recorda que, para ingressar na loja, é necessário abandonar paixões desordenadas, preconceitos e apegos materiais.

Mais do que renúncia, trata-se de uma purificação simbólica, preparando o iniciado para uma vida regulada pela virtude e não pelo interesse.

Aplicação prática: o maçom deve refletir sobre suas próprias "correntes invisíveis": apegos, vaidades, rancores. Libertar-se desses pesos é condição para uma vida mais leve, justa e produtiva.

A Loja Justa, Perfeita e Regular

A definição oferecida pelo secretário lembra que a legitimidade da loja depende de:

·         Três que governem (trindade de sabedoria, força e beleza).

·         Cinco que a componham (número da harmonia social).

·         Sete que a completem (plenitude).

Além disso, a regularidade implica obediência a uma potência legítima e respeito aos princípios universais da Maçonaria.

Essa estrutura revela que a Maçonaria não é anarquia nem mero ajuntamento: ela exige ordem, proporção e legalidade.

Aplicação prática: em qualquer organização, seja empresa, família ou grupo social, é necessário equilibrar governança, participação e legitimidade. A loja é metáfora de uma sociedade justa.

As Três Viagens e os Elementos

O orador lembra que o aprendiz percorre três viagens, representando as dificuldades da vida e as purificações pelos elementos. A iniciação é, portanto, um rito de passagem, onde o neófito experimenta simbolicamente a morte do velho homem e o renascimento para uma nova vida.

Essas viagens recordam que o conhecimento não é gratuito: ele exige esforço, superação e purificação interior.

Aplicação prática: o maçom deve interpretar as provações da vida como oportunidades de crescimento. Cada dificuldade pode ser ressignificada como viagem iniciática que purifica e amadurece.

A Venda e a Luz

O tesoureiro testemunha que, ao entrar, nada via, mas ao receber a Luz contemplou o pavimento mosaico e o livro da lei. Essa transição das trevas à luz sintetiza toda a filosofia iniciática: a passagem da ignorância ao conhecimento, da ilusão à verdade, do caos à ordem. Adicionalmente o ato representa a conquista da autonomia, pois a partir daquele momento o neófito toma conta da sua vida e dispensa a ação de mentores que conduzam os seus passos pela vida.

Aplicação prática: todos os dias o maçom é chamado a remover as "vendas" de seus olhos, preconceitos, desinformações, ilusões, e buscar a Luz da razão, do estudo e da experiência.

O Simbolismo das Colunas, do Pavimento e da Romã

A explicação do primeiro vigilante é um compêndio simbólico:

·         Colunas ocas de bronze: eternidade da lei natural.

·         Romã: unidade na diversidade.

·         Pavimento mosaico: coexistência do bem e do mal, necessidade da tolerância.

·         Esquadro, nível e prumo: retidão, igualdade e justiça.

Cada símbolo é uma lição prática. A Maçonaria educa não apenas pela teoria, mas pela visualização e pela manipulação de símbolos.

Aplicação prática: cultivar esses símbolos como arquétipos mentais. O pavimento mosaico, por exemplo, inspira a convivência democrática em ambientes plurais; a romã lembra a importância da coesão social; o prumo ensina retidão no julgamento.

O Trabalho do Meio-dia à Meia-noite

O segundo vigilante explica que os aprendizes trabalham do meio-dia à meia-noite, evocando Zoroastro. O simbolismo sugere que o trabalho maçônico ocorre na plenitude da luz solar até a escuridão da noite, representando a necessidade de estar vigilante em todas as fases da vida.

Aplicação prática: a disciplina de horários lembra que a vida requer organização. O maçom é chamado a trabalhar intensamente enquanto há luz, mas também a enfrentar a noite com serenidade, simbolizando as adversidades.

Conclusão

A terceira instrução do aprendiz é mais do que uma repetição ritual: é um compêndio de filosofia prática. Cada diálogo entre o venerável mestre e os oficiais revela camadas de sabedoria que podem ser aplicadas na vida cotidiana. O segredo, o culto, os deveres, os sinais, a palavra, as viagens, a venda, o despojamento dos metais, as colunas, o pavimento mosaico e o tempo de trabalho são símbolos vivos que instruem o maçom a buscar a Verdade, cultivar a fraternidade e servir à humanidade.

A aplicação prática desses símbolos não se limita ao templo, ao contrário, seu sentido pleno só se revela quando o maçom os leva para a família, o trabalho, a sociedade e a vida espiritual. Assim, a terceira instrução não é apenas memória litúrgica, mas uma instrução de vida.

Bibliografia Comentada

1.      ANDERSON, James. Constituições de Anderson. Londres, 1723. Texto fundador da Maçonaria Especulativa. Define princípios de liberdade e fraternidade que ecoam na Terceira Instrução;

2.      BOLLER, Charles Evaldo. Reflexões sobre a Andragogia Maçônica. Manuscrito. Obra em desenvolvimento, que integra princípios andragógicos à instrução ritualística, exatamente como se aplica nesta instrução;

3.      CHOPRA, Deepak & KAFATOS, Menas. Você é o Universo. São Paulo: Alaúde, 2017. Contribui para uma visão cosmológica do Grande Arquiteto do Universo, articulando ciência e espiritualidade;

4.      CLAUSSE, René. La Symbolique Maçonnique. Paris: Dervy, 1993. Estudo detalhado dos símbolos, útil para compreender a romã, e o pavimento mosaico;

5.      DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. UNESCO, 1996. Propõe os quatro pilares da educação (aprender a conhecer, a fazer, a viver juntos, a ser), em consonância com a filosofia maçônica;

6.      ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Analisa a dimensão do culto e do sagrado, fundamentais na concepção da Maçonaria como culto secreto;

7.      GUÉNON, René. Símbolos Fundamentais da Ciência Sagrada. São Paulo: Pensamento, 2000. Oferece chaves hermenêuticas para compreender o simbolismo universal presente nos rituais;

8.      HADOT, Pierre. Exercícios Espirituais e Filosofia Antiga. São Paulo: Loyola, 1999. Inspira a leitura da Maçonaria como escola de vida prática, comparável aos exercícios filosóficos gregos;

9.      KNOWLLES, Malcolm. The Adult Learner. Houston: Gulf Publishing, 1980. Base da andragogia. Aplica-se à instrução maçônica, que se destina a adultos em busca de sentido;

10.  PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston, 1871. Obra monumental que interpreta os graus do Rito Escocês Antigo e Aceito. Fundamenta o simbolismo das colunas, do compasso e do esquadro;

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