terça-feira, 23 de setembro de 2025

Grau 14 a Culminância de uma Jornada Interior

 Charles Evaldo Boller

O grau 14 do Rito Escocês Antigo e Aceito, denominado "Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom", encerra a série dos graus chamados de Perfeição. Este grau representa a culminância de uma jornada interior marcada pela depuração moral, pelo aperfeiçoamento intelectual e pela busca da Verdade espiritual. Seu símbolo fundamental é o delta radiante com o Tetragrama Sagrado, aludindo à presença do divino no coração do homem regenerado e consciente. A filosofia desse grau, marcada pela síntese de todo o percurso anterior, oferece aos maçons uma estrutura ética, de ensino e espiritual que pode ser aplicada concretamente em diversas esferas da vida contemporânea.

Neste ensaio, exploramos os valores promovidos pelo grau 14 do Rito Escocês Antigo e Aceito, e sua aplicabilidade prática no cotidiano do maçom, em dimensões que vão da economia à espiritualidade, da família à liderança, da cultura ao livre-pensamento, da educação à transformação interior.

Busca pela Liberdade e Autonomia Interior

A liberdade no contexto do grau 14 transcende a liberdade política ou civil: trata-se de uma liberdade espiritual e de consciência. A presença do Nome Inefável, cuja contemplação exige pureza de coração e mente, remete à libertação dos apegos materiais, dos preconceitos e das ilusões do ego.

O adulto, especialmente no contexto maçônico, é instado a conquistar autonomia sobre seus desejos, paixões e julgamentos. A liberdade, então, não é um dom, mas uma construção ética. Conforme Kant (1784), a autonomia[1] é a capacidade de agir segundo leis que a própria razão reconhece como válidas; uma máxima que ecoa o ideal do grau 14.

Aplicando-se na vida cotidiana, este valor reflete-se na independência emocional, na autodeterminação e na capacidade de resistir a pressões externas em nome da verdade interior.

Valores Econômicos e Controle Financeiro

O grau 14 ensina que a edificação do Templo Interior deve ter bases sólidas. Assim como Salomão edificou o templo com recursos materiais bem administrados, o maçom deve ter domínio sobre sua vida econômica. Não se trata da busca por riqueza, mas de uma administração ética e prudente dos bens, com autocontrole, planejamento e propósito.

A autonomia financeira é, para o maçom, um dos pilares da liberdade pessoal. A falta de controle sobre as finanças pode gerar submissão, ansiedade e perda de propósito. O grau 14 orienta o maçom a ser senhor de suas posses, e não seu escravo, como diria Sêneca (séc. I d. C.): "Não é pobre o homem que tem pouco, mas o que deseja muito".

Edificação Moral e Ética

A pedra angular do grau 14 é a ética do ser regenerado. Após o processo simbólico de purificação, o maçom assume o compromisso de viver segundo os mais altos princípios morais. Esta ética não é dogmática, mas sapiencial: busca o bem comum, a justiça e a Verdade.

Na prática, essa construção moral se traduz em honestidade nas relações profissionais, coerência entre discurso e ação, empatia no trato com os semelhantes, e coragem para enfrentar as próprias sombras. A edificação do caráter não se dá apenas em cerimônias, mas no cotidiano: nas decisões que tomamos, nos valores que transmitimos aos filhos, nas escolhas profissionais e comunitárias.

Liderança e Vida Empresarial

O grau 14 confere ao iniciado o papel de "governador de si mesmo", analogamente a um rei que governa com sabedoria. Essa metáfora é essencial à liderança moderna. No mundo empresarial, seja como proprietário, gerente ou colaborador, o maçom é convidado a liderar com retidão, visão estratégica e espírito de serviço.

A liderança ética é baseada em princípios, não em manipulação. O líder do grau 14 é um arquétipo do rei-sábio: justo, atento ao bem-estar coletivo, preparado para decisões difíceis. A influência desse arquétipo pode ser vista no pensamento de autores como Greenleaf (1977), com sua teoria do "líder-servo", que prioriza o crescimento das pessoas e das comunidades.

Família e Desenvolvimento Humano

No contexto familiar, o maçom do grau 14 é chamado a ser exemplo de virtude, apoio emocional e guia moral. A educação dos filhos, a relação com o cônjuge e o convívio familiar devem refletir os valores do templo interior: equilíbrio, escuta, amor, paciência e retidão.

A construção de um ambiente familiar harmônico é uma das expressões mais concretas da filosofia do grau 14. É nesse microcosmo que o maçom aplica, com mais frequência, os ensinamentos maçônicos sobre fraternidade, perdão e Verdade.

Inteligência e Livre-pensamento

O símbolo do delta radiante remete à iluminação da consciência. O grau 14 valoriza o desenvolvimento intelectual como parte do aperfeiçoamento humano. Não se trata apenas de acumular conhecimentos, mas de ampliar a inteligência crítica, discernir o verdadeiro do falso, reconhecer dogmas e superações.

O livre-pensamento, nesse sentido, é a capacidade de questionar com responsabilidade e abertura. O adulto que trilha esse caminho está preparado para enfrentar os desafios da pós-modernidade: desinformação, manipulação ideológica e crise dos paradigmas.

Autores em educação destacam a importância do pensamento crítico como motor da libertação, um conceito que ressoa com a essência do grau 14.

Cultura, Vida Acadêmica e Científica

A Maçonaria sempre foi um bastião da cultura. O grau 14, em particular, valoriza a transmissão e o cultivo do saber universal, conectando-se com a tradição hermética, cabalística e filosófica. O maçom contemporâneo, inserido em uma sociedade do conhecimento, é desafiado a cultivar uma formação sólida, aberta às ciências, às humanidades e à arte.

O envolvimento com a vida acadêmica, científica ou literária é visto como uma extensão do trabalho do templo: busca da Verdade, purificação da linguagem, contribuição social. A ciência e a razão são aliadas, e não inimigas, do espírito.

Educação Emocional e Relações Humanas

O grau 14 não propõe apenas a elevação intelectual ou ritualística, mas também a transformação do coração. O maçom é chamado a cultivar virtudes emocionais como a paciência, a empatia, a moderação e a compaixão.

Na prática, isso significa maturidade nas relações interpessoais: saber ouvir, lidar com conflitos de modo construtivo, exercer o perdão, controlar os impulsos destrutivos. A educação emocional é uma competência fundamental para o adulto na vida conjugal, profissional e social, conforme Goleman (1995) destacou em sua obra clássica sobre inteligência emocional.

Ciências Humanas e Religiões Comparadas

O delta com o Nome Divino remete à pluralidade de caminhos que conduzem ao sagrado. No grau 14, o maçom é incentivado a transcender dogmas religiosos e dialogar com a diversidade espiritual da humanidade. O estudo comparado das religiões, das culturas e das doutrinas filosóficas amplia a compreensão da alma humana e favorece a tolerância.

Esse diálogo com as ciências humanas, antropologia, psicologia, sociologia, história, permite ao maçom agir no mundo com mais empatia, justiça e consciência crítica.

Aprendizado Contínuo e Educação Andragógica

A Andragogia, ciência da educação de adultos, é especialmente adequada à filosofia do grau 14. O adulto que atinge esse grau é um aprendiz permanente, ciente de que o verdadeiro conhecimento é aquele que transforma.

Aprender de forma ativa, colaborativa e contextualizada é um dos pilares da educação maçônica. A loja torna-se, assim, um espaço de investigação, debate e crescimento mútuo, muito além da repetição de fórmulas simbólicas.

Segundo Knowles (1984), adultos aprendem melhor quando o conhecimento está relacionado com experiências vividas e quando têm participação ativa no processo. O grau 14 exemplifica essa abordagem ao exigir do iniciado a interiorização, interpretação e aplicação dos ensinamentos.

Transformação Interna, Despertar da Consciência e do Ser Sagrado

O ápice do grau 14 é a revelação simbólica do Nome Divino. Este momento representa a união do homem com sua essência mais pura e com a presença do sagrado em seu interior. O Templo de Salomão, destruído no plano externo, é reconstruído no coração do iniciado.

A transformação interna exigida por esse grau equivale ao nascimento de um novo ser, mais consciente, mais conectado com o divino, mais livre das ilusões do ego. Trata-se de um verdadeiro processo alquímico.

Esse despertar da consciência é a base para toda ação no mundo: ética, liderança, relações familiares, trabalho, cultura, espiritualidade. Sem ele, toda sabedoria permanece superficial.

Conclusão

O grau 14 do Rito Escocês Antigo e Aceito é, ao mesmo tempo, uma síntese e um novo começo. Ele condensa os valores fundamentais da tradição maçônica e os projeta na vida do maçom como uma proposta de autogoverno ético, liberdade interior e aperfeiçoamento integral.

O adulto que trilha esse caminho está chamado a aplicar esses valores de forma concreta: no lar, na empresa, na comunidade, na espiritualidade e no próprio coração. Ao fazer isso, torna-se verdadeiro arquiteto de sua vida, e cocriador de um mundo mais justo, sábio e sagrado.

Bibliografia

1.      GOLEMAN, D., Inteligência Emocional, Rio de Janeiro, Objetiva, 1995;

2.      GREENLEAF, R., Servant Leadership, New York, Paulist Press, 1977;

3.      KANT, I., Resposta à Pergunta: O que é Esclarecimento? 1784;

4.      KNOWLES, M., Andragogy in Action, Applying Modern Principles of Adult Learning, San Francisco, Jossey-Bass, 1984;

5.      SÊNECA, século I d. C., Cartas a Lucílio;

6.      WAITE, A. E., A New Encyclopaedia of Freemasonry, London, William Rider & Son, 1913;

7.      PIKE, A., Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry, Charleston, Supreme Council, 1871;



[1] Em termos simples, o Iluminismo para Kant é a saída da menoridade intelectual, um estado de dependência de outros para pensar e decidir, em que o próprio indivíduo é responsável por sua condição. É um movimento de libertação através do uso da razão, onde o ser humano se torna capaz de pensar por si mesmo, sem a tutela de autoridades ou dogmas;

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