Charles Evaldo Boller
O grau 14 do Rito Escocês Antigo e Aceito,
denominado "Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom", encerra a
série dos graus chamados de Perfeição. Este grau representa a culminância de
uma jornada interior marcada pela depuração moral, pelo aperfeiçoamento
intelectual e pela busca da Verdade espiritual. Seu símbolo fundamental é o
delta radiante com o Tetragrama Sagrado, aludindo à presença do divino no
coração do homem regenerado e consciente. A filosofia desse grau, marcada pela
síntese de todo o percurso anterior, oferece aos maçons uma estrutura ética, de
ensino e espiritual que pode ser aplicada concretamente em diversas esferas da
vida contemporânea.
Neste ensaio, exploramos os valores promovidos pelo
grau 14 do Rito Escocês Antigo e Aceito, e sua aplicabilidade prática no
cotidiano do maçom, em dimensões que vão da economia à espiritualidade, da
família à liderança, da cultura ao livre-pensamento, da educação à
transformação interior.
Busca pela Liberdade e Autonomia Interior
A liberdade no contexto do grau 14 transcende a
liberdade política ou civil: trata-se de uma liberdade espiritual e de consciência. A presença do Nome Inefável, cuja
contemplação exige pureza de coração e mente, remete à libertação dos apegos
materiais, dos preconceitos e das ilusões do ego.
O adulto, especialmente no contexto maçônico, é
instado a conquistar autonomia sobre seus desejos, paixões e julgamentos. A
liberdade, então, não é um dom, mas uma construção ética. Conforme Kant (1784),
a autonomia[1] é
a capacidade de agir segundo leis que a própria razão reconhece como válidas;
uma máxima que ecoa o ideal do grau 14.
Aplicando-se na vida cotidiana, este valor reflete-se
na independência emocional, na autodeterminação e na capacidade de resistir a
pressões externas em nome da verdade interior.
Valores Econômicos e Controle Financeiro
O grau 14 ensina que a edificação do Templo
Interior deve ter bases sólidas. Assim como Salomão edificou o templo com
recursos materiais bem administrados, o maçom deve ter domínio sobre sua vida
econômica. Não se trata da busca por riqueza, mas de uma administração ética e
prudente dos bens, com autocontrole, planejamento e propósito.
A autonomia financeira é, para o maçom, um
dos pilares da liberdade pessoal. A falta de controle sobre as finanças pode
gerar submissão, ansiedade e perda de propósito. O grau 14 orienta o maçom a
ser senhor de suas posses, e não seu escravo, como diria Sêneca (séc. I d. C.):
"Não é pobre o homem que tem pouco,
mas o que deseja muito".
Edificação Moral e Ética
A pedra angular do grau 14 é a ética do ser
regenerado. Após o processo simbólico de purificação, o maçom assume o
compromisso de viver segundo os mais altos princípios morais. Esta ética não é
dogmática, mas sapiencial: busca o bem comum, a justiça e a Verdade.
Na prática, essa construção moral se traduz em
honestidade nas relações profissionais, coerência entre discurso e ação,
empatia no trato com os semelhantes, e coragem para enfrentar as próprias
sombras. A edificação do caráter não se dá apenas em cerimônias, mas no cotidiano:
nas decisões que tomamos, nos valores que transmitimos aos filhos, nas escolhas
profissionais e comunitárias.
Liderança e Vida Empresarial
O grau 14 confere ao iniciado o papel de "governador de si
mesmo", analogamente a um rei que governa com sabedoria.
Essa metáfora é essencial à liderança moderna. No mundo empresarial, seja como
proprietário, gerente ou colaborador, o maçom é convidado a liderar com
retidão, visão estratégica e espírito de serviço.
A liderança ética é baseada em princípios,
não em manipulação. O líder do grau 14 é um arquétipo do rei-sábio: justo,
atento ao bem-estar coletivo, preparado para decisões difíceis. A influência
desse arquétipo pode ser vista no pensamento de autores como Greenleaf (1977),
com sua teoria do "líder-servo",
que prioriza o crescimento das pessoas e das comunidades.
Família e Desenvolvimento Humano
No contexto familiar, o maçom do grau 14 é chamado
a ser exemplo de virtude, apoio emocional e guia moral. A educação dos filhos,
a relação com o cônjuge e o convívio familiar devem refletir os valores do
templo interior: equilíbrio, escuta, amor, paciência e retidão.
A construção de um ambiente familiar harmônico é
uma das expressões mais concretas da filosofia do grau 14. É nesse microcosmo
que o maçom aplica, com mais frequência, os ensinamentos maçônicos sobre
fraternidade, perdão e Verdade.
Inteligência e Livre-pensamento
O símbolo do delta radiante remete à iluminação
da consciência. O grau 14 valoriza o
desenvolvimento intelectual como parte do aperfeiçoamento humano. Não se trata
apenas de acumular conhecimentos, mas de ampliar a inteligência crítica,
discernir o verdadeiro do falso, reconhecer dogmas e superações.
O livre-pensamento, nesse sentido, é a capacidade
de questionar com responsabilidade e abertura. O adulto que trilha esse caminho
está preparado para enfrentar os desafios da pós-modernidade: desinformação,
manipulação ideológica e crise dos paradigmas.
Autores em educação destacam a importância do
pensamento crítico como motor da libertação, um conceito que ressoa com a
essência do grau 14.
Cultura, Vida Acadêmica e Científica
A Maçonaria sempre foi um bastião da cultura. O grau
14, em particular, valoriza a transmissão e o cultivo do saber universal,
conectando-se com a tradição hermética, cabalística e filosófica. O maçom
contemporâneo, inserido em uma sociedade do conhecimento, é desafiado a
cultivar uma formação sólida, aberta às ciências, às humanidades e à arte.
O envolvimento com a vida acadêmica, científica ou
literária é visto como uma extensão do trabalho do templo: busca da Verdade,
purificação da linguagem, contribuição social. A ciência e a razão são
aliadas, e não inimigas, do espírito.
Educação Emocional e Relações Humanas
O grau 14 não propõe apenas a elevação intelectual
ou ritualística, mas também a transformação do coração. O maçom é chamado a
cultivar virtudes emocionais como a paciência, a empatia, a moderação e a
compaixão.
Na prática, isso significa maturidade nas relações
interpessoais: saber ouvir, lidar com conflitos de modo construtivo, exercer o perdão, controlar os impulsos destrutivos. A educação
emocional é uma competência fundamental para o adulto na vida conjugal,
profissional e social, conforme Goleman (1995) destacou em sua obra clássica
sobre inteligência emocional.
Ciências Humanas e Religiões Comparadas
O delta com o Nome Divino remete à pluralidade de
caminhos que conduzem ao sagrado. No grau 14, o maçom é incentivado a
transcender dogmas religiosos e dialogar com a diversidade espiritual da
humanidade. O estudo comparado das religiões, das culturas e das doutrinas
filosóficas amplia a compreensão da alma humana e favorece a tolerância.
Esse diálogo com as ciências humanas, antropologia,
psicologia, sociologia, história, permite ao maçom agir no mundo com mais
empatia, justiça e consciência crítica.
Aprendizado Contínuo e Educação Andragógica
A Andragogia, ciência da educação de adultos, é
especialmente adequada à filosofia do grau 14. O adulto que atinge esse grau é
um aprendiz permanente, ciente de que o verdadeiro conhecimento é aquele que
transforma.
Aprender de forma ativa, colaborativa e
contextualizada é um dos pilares da educação maçônica. A loja torna-se, assim,
um espaço de investigação, debate e crescimento mútuo, muito além da repetição
de fórmulas simbólicas.
Segundo Knowles (1984), adultos aprendem melhor
quando o conhecimento está relacionado com experiências vividas e quando têm
participação ativa no processo. O grau 14 exemplifica essa abordagem ao exigir
do iniciado a interiorização, interpretação e aplicação dos ensinamentos.
Transformação Interna, Despertar da Consciência e do Ser Sagrado
O ápice do grau 14 é a revelação simbólica do Nome
Divino. Este momento representa a união do homem com sua essência mais pura e
com a presença do sagrado em seu interior. O Templo de Salomão, destruído no
plano externo, é reconstruído no coração do iniciado.
A transformação interna exigida por esse grau
equivale ao nascimento de um novo ser, mais consciente, mais conectado com o
divino, mais livre das ilusões do ego. Trata-se de um verdadeiro processo
alquímico.
Esse despertar da consciência é a base para
toda ação no mundo: ética, liderança, relações familiares, trabalho, cultura,
espiritualidade. Sem ele, toda sabedoria permanece superficial.
Conclusão
O grau 14 do Rito Escocês Antigo e Aceito é, ao
mesmo tempo, uma síntese e um novo começo. Ele condensa os valores fundamentais
da tradição maçônica e os projeta na vida do maçom como uma proposta de
autogoverno ético, liberdade interior e aperfeiçoamento integral.
O adulto que trilha esse caminho está chamado a
aplicar esses valores de forma concreta: no lar, na empresa, na comunidade, na
espiritualidade e no próprio coração. Ao fazer isso, torna-se verdadeiro arquiteto de sua vida, e cocriador de
um mundo mais justo, sábio e sagrado.
Bibliografia
1.
GOLEMAN, D., Inteligência Emocional, Rio de
Janeiro, Objetiva, 1995;
2. GREENLEAF, R., Servant Leadership, New
York, Paulist Press, 1977;
3. KANT,
I., Resposta à Pergunta: O que é Esclarecimento? 1784;
4. KNOWLES, M., Andragogy in Action, Applying
Modern Principles of Adult Learning, San Francisco, Jossey-Bass, 1984;
5.
SÊNECA, século I d. C., Cartas a Lucílio;
6.
WAITE, A. E., A New Encyclopaedia of
Freemasonry, London, William Rider & Son, 1913;
7.
PIKE, A., Morals and Dogma of the Ancient and
Accepted Scottish Rite of Freemasonry, Charleston, Supreme Council, 1871;
[1] Em termos simples, o Iluminismo
para Kant é a saída da menoridade intelectual, um estado de dependência de
outros para pensar e decidir, em que o próprio indivíduo é responsável por sua
condição. É um movimento de libertação através do uso da razão, onde o ser
humano se torna capaz de pensar por si mesmo, sem a tutela de autoridades ou
dogmas;
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