Charles Evaldo Boller
A quarta instrução do grau de aprendiz, no Rito Escocês Antigo e
Aceito, apresenta-se como um compêndio simbólico e moral de extraordinária
riqueza. Por meio do diálogo entre o venerável mestre e os vigilantes, somos
conduzidos a reflexões profundas sobre a universalidade da Maçonaria, a
sustentação da loja nas colunas da sabedoria, força e beleza, a luta contra a
ignorância, o fanatismo e a superstição, e a correta compreensão da
solidariedade maçônica.
Neste ensaio, desenvolveremos uma expansão dos conceitos
propostos, inserindo-os dentro da tradição filosófica e ética da Maçonaria,
relacionando-a com pensadores clássicos e modernos, e sugerindo aplicações
práticas à vida do maçom em suas dimensões pessoal, familiar, profissional e
social.
A Loja como Universalidade
A primeira parte da instrução apresenta as dimensões simbólicas
da loja: do Oriente ao Ocidente, do Norte ao Sul, da Terra ao céu, da
superfície ao centro da Terra. Esta universalidade aponta para a noção de que a
Maçonaria é, por essência, uma escola de caráter cosmopolita.
Na filosofia maçônica, tal concepção remete ao ideal estoico de
Cosmópolis, a cidade universal da razão, em que todos os homens são cidadãos
sob a lei natural. Marco Aurélio já dizia que somos membros de uma mesma
comunidade cósmica; a Maçonaria, ao adotar dimensões que abarcam o Universo inteiro,
faz eco a este princípio, afirmando-se como uma oficina universal.
Aplicação prática: o maçom contemporâneo deve compreender que
sua atuação não se limita à loja, à cidade ou ao país, mas se insere em um
contexto global. Ética profissional, responsabilidade ambiental, solidariedade
internacional e respeito às culturas tornam-se desdobramentos modernos desse
princípio.
O Oriente Como Fonte da Luz
Quando o segundo vigilante afirma que a loja está disposta de
Oriente a Ocidente porque a Luz vem do Oriente, insere-se um ensinamento que
transcende o simples simbolismo geográfico. O Oriente é o lugar do nascer do
Sol, da aurora, da iluminação, mas também o berço histórico das civilizações e
das tradições espirituais.
A filosofia, segundo a tradição, nasce na Grécia, mas
alimenta-se das fontes egípcias, persas e indianas. A religião, em suas formas
abraâmicas, surge no Oriente Médio. A ciência, em sua proto-história, nasce na
Babilônia e no Egito. Assim, afirmar que a Luz vem do Oriente é reconhecer que
a sabedoria humana é plural, que sua origem é comum, e que a civilização
ocidental apenas se expandiu e sistematizou o que vinha das margens orientais.
Aplicação prática: o maçom deve cultivar a abertura cultural e
intelectual, valorizando a diversidade e aprendendo com diferentes tradições.
No mundo globalizado, este ensinamento se traduz na necessidade de dialogar com
outras religiões, filosofias e culturas, sem fanatismo, dogmatismo ou
preconceito.
As Três Colunas: Sabedoria, Força e Beleza
A sustentação da loja em três colunas, sabedoria, força e
beleza, é um dos ensinamentos mais emblemáticos da Maçonaria. Essas colunas não
são apenas virtudes, mas categorias estruturantes da vida humana.
·
Sabedoria: a capacidade de deliberar e
dirigir. Na tradição platônica, remete ao governo da alma pela razão. Kant
associa-a à maturidade do pensar autônomo.
No contexto maçônico, o venerável mestre encarna a sabedoria porque orienta os
obreiros.
·
Força: a sustentação da obra. Aristóteles
já dizia que a virtude requer hábito e perseverança. A força, no sentido
maçônico, não é violência, mas resiliência, disciplina e ação. O primeiro
vigilante a representa porque zela pela manutenção e pelo salário dos obreiros.
·
Beleza: a harmonia da criação. Plotino
descreve a beleza como reflexo da unidade do Uno. A Maçonaria vê nela o adorno
que dá sentido à vida e ao trabalho. O segundo vigilante, ao conceder repouso,
manifesta a dimensão estética e equilibrada da existência.
Aplicação prática: o maçom deve buscar o equilíbrio entre razão
(sabedoria), ação (força) e estética (beleza). No trabalho, isso significa
aliar competência técnica, esforço contínuo e apresentação ética e estética das
obras; na família, unir prudência, responsabilidade e ternura; na vida
interior, cultivar clareza mental, disciplina e sensibilidade espiritual.
A Luta Contra a Ignorância
A instrução declara: "a
ignorância é a mãe de todos os vícios". Essa máxima ecoa a tradição
socrática, segundo a qual o mal é fruto da ignorância. Para Sócrates, conhecer
o bem é praticá-lo; ignorar é perder-se no erro.
A Maçonaria combate a ignorância porque ela escraviza os povos,
mesmo sob constituições liberais. Um povo ignorante é incapaz de exercer
plenamente sua liberdade. Essa crítica tem relação com Kant, em seu célebre
ensaio "O que é o Esclarecimento?",
quando afirma que a saída da menoridade depende da coragem de pensar por si mesmo.
Aplicação prática: o maçom deve combater a ignorância em si e
nos outros. Isso se traduz em dedicação ao estudo, incentivo à educação, apoio
a projetos culturais e combate às mentiras e manipulações que, no mundo
contemporâneo, perpetuam novas formas de servidão.
O Combate ao Fanatismo e à Superstição
O segundo vigilante afirma que o fanatismo é uma moléstia mental
que leva os homens, em nome de Deus, a cometer atrocidades. A superstição,
por sua vez, é descrita como religião dos ignorantes.
Essa crítica não é à fé, mas à sua deturpação. A fé,
quando desprovida de razão, degenera em fanatismo; quando desprovida de
liberdade, degenera em superstição. Spinoza, no tratado teológico-político, já
advertia que o fanatismo é fruto da imaginação desregrada, e que somente a
razão pode libertar a religião da tirania.
Aplicação prática: o maçom deve cultivar espiritualidade
racional, ética e tolerante. Isso implica respeito às religiões sem aderir a
dogmas cegos, valorização da ciência sem reducionismos materialistas, e
promoção de diálogo inter-religioso como caminho de paz.
A Solidariedade Como Laço Sagrado
A instrução apresenta a solidariedade como elo que
fortalece os maçons, mas adverte contra sua interpretação deturpada. Solidariedade
não é cumplicidade com o erro, mas amparo aos que sofrem injustamente.
A ética maçônica é clara: não se deve proteger irmãos que se
desviam da moral, pois isso seria pactuar com a corrupção. A
fraternidade exige mérito, probidade e honra.
Aplicação prática: o maçom deve praticar solidariedade seletiva
e justa. No ambiente profissional, isso significa apoiar colegas competentes e
éticos, mas não favorecer corruptos. Na vida pública, significa agir com
imparcialidade, preferindo irmãos apenas quando há igualdade de condições. Na
família, significa educar com amor, mas também com firmeza.
Fraternidade e Cidadania
O primeiro vigilante esclarece: a Maçonaria seleciona seus
membros pela inteligência, caráter e probidade, e é por isso que tantos se
destacam no mundo profano. Essa observação desmonta a acusação de
protecionismo: não é a solidariedade que favorece os maçons, mas a
excelência de sua formação.
Aplicação prática: o maçom deve ser exemplo de cidadania,
colocando o bem público acima dos interesses pessoais ou corporativos. O
juramento maçônico não é uma carta branca para favorecer irmãos, mas um
compromisso com a justiça e a verdade.
A Ética Maçônica na Prática
A quarta instrução conclui reafirmando a fraternidade como
processo educativo: instruir-se, corrigir defeitos, ser tolerante e
generoso. A ética maçônica não se resume a códigos, mas a uma prática diária de
lapidação moral.
Aplicação prática: o maçom deve aplicar esses princípios:
·
Na vida pessoal: cultivar disciplina,
estudo contínuo, equilíbrio emocional;
·
Na família: ser esposo leal, pai justo,
filho respeitoso;
·
Na profissão: agir com probidade,
competência e espírito de serviço;
·
Na sociedade: defender a justiça, apoiar
causas justas, lutar contra a corrupção;
Conclusão
A quarta instrução do grau de aprendiz no Rito Escocês Antigo e
Aceito é, em essência, um tratado de ética prática. Ensina que a loja é universal
como o universo, que se sustenta em sabedoria, força e beleza, que combate a
ignorância, o fanatismo e a superstição, e que pratica uma solidariedade justa
e fraternal.
Sua atualidade é evidente: em tempos de manipulação midiática,
intolerância religiosa e crise ética, os ensinamentos desta instrução ressoam
como um chamado ao esclarecimento, à razão e à fraternidade verdadeira. O
maçom, como obreiro da arte real, deve ser Luz no mundo, exemplo vivo de
cidadania e guardião da dignidade humana.
Bibliografia Comentada
- ANDERSON, James. Constituições de Anderson (1723). Tradução maçônica, diversas edições. Texto fundacional da Maçonaria moderna, base para os princípios de fraternidade e cidadania;
- CHOPRA, Deepak. Você é o Universo. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2017. Explora a universalidade do ser humano, ressonante com a visão maçônica da Loja como microcosmo do universo;
- KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é o Esclarecimento? São Paulo: Martins Fontes, 2005. Fundamenta a crítica à ignorância e à menoridade, ecoando o chamado da Maçonaria à autonomia da razão;
- MACKEY, Albert. Encyclopedia of Freemasonry. New York: Masonic History Co., 1917. Repertório de símbolos e instruções maçônicas, útil para compreender o contexto histórico da Quarta Instrução;
- MARCO AURÉLIO. Meditações. Lisboa: Gulbenkian, 2014. A visão estoica de cosmópolis dialoga com a ideia maçônica da Loja como universal;
- PLOTINO. Enéadas. São Paulo: Loyola, 2000. Inspira a compreensão da Beleza como reflexo da unidade, essencial à tríade Sabedoria-Força-Beleza;
- SPINOZA, Baruch. Tratado Teológico-Político. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Oferece a crítica filosófica ao fanatismo religioso, base para a visão maçônica da tolerância;
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