quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Alegorias e Símbolos na Segunda Instrução do Grau de Aprendiz Maçom

 Charles Evaldo Boller

Abstrato

A segunda instrução ensina que o maçom deve lapidar-se como pedra bruta, guiado por símbolos e alegorias, libertando-se de paixões e preconceitos, cultivando fraternidade e virtude, para transformar-se em construtor social e cooperar na edificação de um mundo melhor.

Revela-se a essência da instrução maçônica: ensinar por meio de alegorias e símbolos. Ao afirmar a existência do Grande Arquiteto do Universo, recorda ao iniciado que a vida é obra a ser edificada com inteligência, liberdade e moral sã. As viagens simbólicas representam a trajetória humana da ignorância à luz, enquanto o juramento reforça o valor do compromisso e da fraternidade. O avental, as ferramentas e as pedras bruta e cúbica recordam que o trabalho é o destino do homem e que sua lapidação é constante. A loja, como microcosmo do universo, ensina ordem, harmonia e fraternidade, simbolizadas pelo pavimento mosaico, pelas romãs e pelas colunas. Esta instrução, longe de ser mera retórica ritual, é método de vida, convocando o maçom a transformar a si mesmo para edificar a sociedade com sabedoria, força e beleza.

Como a Maçonaria ensina por símbolos e alegorias, tudo começa com a certeza de que há um Grande Arquiteto do Universo e de que fomos dotados de inteligência para distinguir o bem do mal. Essa inteligência, porém, só floresce quando guiada por uma moral sã. As três viagens simbolizam a vida: primeiro o caos da ignorância, depois as lutas da ambição e, por fim, a paz da maturidade. O juramento reforça a importância da palavra dada e do compromisso com os irmãos. O avental lembra que nascemos para o trabalho, e as ferramentas ensinam retidão, equilíbrio e justiça. A pedra bruta e a cúbica mostram o esforço de lapidação interior. A loja, imagem do Universo, convida à fraternidade, à busca da verdade e ao combate ao vício. Assim, o aprendiz aprende que o trabalho é transformar-se para ajudar a transformar o mundo.

Um Catecismo Iniciático

A instrução maçônica repousa sobre um método peculiar: o ensino por meio de alegorias e símbolos. A segunda instrução do grau de aprendiz do Rito Escocês Antigo e Aceito revela a profundidade deste caminho, que não se contenta em fornecer definições conceituais, mas convida o iniciado a viver um processo experiencial, psicológico e espiritual. As perguntas e respostas entre o venerável mestre e os vigilantes constituem um catecismo iniciático, em que cada resposta abre novas possibilidades de reflexão, e cada imagem simbólica é como uma chave para a compreensão do homem, do cosmos e da sociedade.

Neste ensaio, buscaremos expandir o conteúdo desta instrução, abordando a filosofia maçônica em sua dimensão moral, social e espiritual; o papel das alegorias e símbolos como método de educação de adultos; a relevância prática dos ensinamentos para a vida contemporânea; e, finalmente, a articulação entre a Maçonaria e as grandes tradições de pensamento humano.

A Verdade Fundamental: O Grande Arquiteto do Universo

A instrução se inicia com uma afirmação categórica: o que há de comum entre todos os maçons é uma verdade. Essa verdade é a existência de um Grande Arquiteto do Universo. A escolha da palavra "arquiteto" não é arbitrária. O arquiteto é aquele que concebe, ordena e dá forma à matéria bruta, estabelecendo proporções e harmonia. A divindade, assim concebida, transcende dogmas particulares: não é um ídolo tribal, nem um deus institucionalizado, mas o princípio ordenador do cosmos. Trata-se apenas de um conceito, de uma ideia, e não detalha um deus porque isso foge à capacidade intelectual do homem, porém, mesmo que fisicamente inconcebível o iniciado tem certeza da existência de um Princípio Criador, independentemente de como é e o que é; reconhece-o como intuição espiritual. Isso apoia-se nas escrituras hebraicas, onde a divindade revelou-se como energia na sarça ardente e como algo que apenas é. Não especificou nome nem sua essência.

Na filosofia maçônica, essa concepção tem duas implicações centrais:

·         Universalidade - todo homem pode reconhecer o Grande Arquiteto do Universo, seja pela ciência, pela filosofia, pela religião ou pela intuição espiritual.

·         Racionalidade moral - se há ordem no cosmos, também deve haver ordem na consciência; o ser humano participa desta ordem por meio da inteligência, dom supremo que o distingue e que lhe confere a capacidade de discernir o bem do mal.

Em termos práticos, esse princípio convida o maçom a ser construtor social: tal como o Grande Arquiteto do Universo ordena o universo, o iniciado deve ordenar sua vida, sua família, sua profissão e sua comunidade com sabedoria, força e beleza.

A Inteligência Humana e o Processo de Aprimoramento

A inteligência é apresentada como faculdade capaz de distinguir o bem do mal, mas sua eficácia depende de estar guiada por uma "moral sã". Tal afirmação é de grande atualidade. Em tempos de abundância de informação, mas carência de discernimento, a inteligência sem princípios torna-se instrumento de destruição. A Segunda Instrução reconhece que a inteligência evolui: tem infância, adolescência e maturidade. Este desenvolvimento progressivo encontra paralelo na filosofia de Piaget, ao descrever os estágios cognitivos; em Vygotsky, ao relacionar desenvolvimento à interação social; e em Malcolm Knowles, ao definir a andragogia como processo de amadurecimento da autonomia.

Assim, a inteligência não é apenas um dom natural, mas uma obra em construção. Cabe ao maçom cultivá-la com estudo, disciplina e abertura ao diálogo. A instrução maçônica, nesse sentido, propõe-se como escola de formação integral, na qual símbolos e alegorias funcionam como ferramentas de lapidação intelectual e moral.

A Moral Maçônica e o Amor ao Próximo

Ao ser indagado sobre o fundamento da moral maçônica, o segundo vigilante responde: o amor ao próximo. Embora tal princípio seja universal, a Maçonaria o aplica de modo singular, por meio de um "sistema de mistérios e alegorias". O que diferencia a moral maçônica de outros sistemas éticos não é o conteúdo, que coincide em grande medida com os mandamentos das religiões ou os princípios da filosofia, mas a forma instrucional: a moral é transmitida de modo experiencial, simbólico e ritualístico, mobilizando não apenas a razão, mas também a imaginação, a emoção e a vontade.

Na vida prática, isso se traduz em atitudes concretas: solidariedade entre irmãos, respeito às diferenças, auxílio mútuo em tempos de necessidade, e compromisso com a justiça social. A Maçonaria oferece ao adulto não apenas normas, mas exercícios de convivência, que fortalecem o caráter e desenvolvem a empatia.

Liberdade e Escravidão Interior

Um dos pontos mais notáveis da instrução é a definição de liberdade. A Maçonaria exige que o candidato seja "livre e de bons costumes". Livre não significa apenas não estar em cadeias físicas, mas principalmente não ser escravo de paixões e preconceitos. A escravidão mais perigosa é a que o homem impõe a si mesmo, ao abdicar de sua autonomia crítica. Aqui ressalta-se o espírito kantiano da Aufklärung, segundo o qual a maioridade consiste em "ousar pensar por si mesmo" (sapere aude).

Aplicação prática: o maçom deve vigiar sua vida interior, libertando-se de vícios, ideologias cegas e dependências emocionais ou materiais. Esta liberdade interior é condição para assumir compromissos sérios na vida familiar, profissional e cívica.

As Viagens Simbólicas: Da Ignorância à Luz

A narrativa das três viagens constitui uma das mais belas alegorias do processo iniciático. Cada viagem representa uma etapa da humanidade e do indivíduo:

·         Primeira viagem - caos e ignorância, simbolizando a infância da humanidade e do homem, dominados pelas paixões.

·         Segunda viagem - lutas e combates, representando a fase da ambição, das guerras e do esforço por equilíbrio.

·         Terceira viagem - paz e serenidade, simbolizando a maturidade, quando a razão governa as paixões e reina a reflexão.

As purificações pela água e pelo fogo reforçam a ideia de transformação interior. O caminho iniciático é árduo, mas leva ao encontro com a Luz da Verdade. No plano prático, essas viagens ensinam que a vida adulta exige esforço contínuo para superar obstáculos, combater injustiças e buscar a serenidade da consciência.

O Juramento e o Laço Fraterno

Ao término das viagens, o iniciado liga-se à ordem por meio de um juramento. Este não é mero formalismo, mas compromisso existencial: guardar segredos, amar e socorrer os irmãos. Em uma época em que a palavra dada muitas vezes perdeu valor, a Maçonaria reafirma o poder ético do compromisso voluntário. O juramento é, ao mesmo tempo, vínculo pessoal e responsabilidade comunitária.

Aplicação prática: o maçom deve ser homem de palavra, cumpridor de seus deveres, leal em suas relações pessoais e profissionais, firme em suas convicções, mas sempre guiado pelo espírito fraternal.

Alegorias do Trabalho: Avental, Ferramentas e Pedra

O avental recorda que o homem nasceu para o trabalho. Não o trabalho alienado, mas o labor criador que edifica templos à virtude. Os instrumentos: maço, cinzel, esquadro, compasso, nível e prumo, são símbolos da razão e da moral. A pedra bruta representa o homem ignorante; a pedra cúbica, o homem instruído e virtuoso. Cada maçom é ao mesmo tempo pedreiro e pedra, construtor e obra.

Aplicação prática: o maçom deve aplicar suas ferramentas simbólicas no cotidiano: o esquadro para a retidão nos negócios; o compasso para o equilíbrio nas emoções; o prumo para a justiça; o nível para a igualdade social. A vida se torna um canteiro de obras, e cada gesto ético é um golpe de cinzel que aproxima a perfeição.

A Loja como Imagem do Universo

A loja é descrita como quadrilongo que se estende "do Oriente ao Ocidente, do Norte ao Sul, da Terra ao Céu e da superfície ao centro da Terra". É a imagem do Universo: macrocosmo refletido no microcosmo. Sua cobertura é a abóbada azul estrelada, sustentada pelos doze signos do zodíaco, lembrando o ciclo cósmico do tempo. Três pilares, sabedoria, força e beleza, sustentam moralmente a ordem.

Essa visão cósmica insere o maçom em uma perspectiva holística: sua vida não é isolada, mas parte de uma ordem maior. Aplicação prática: pensar ecologicamente, respeitar o equilíbrio da natureza, agir com consciência planetária.

Alegorias da Fraternidade: Pavimento Mosaico e Romãs

O pavimento mosaico, com pedras brancas e negras, simboliza a dualidade da vida: bem e mal, alegria e dor, luz e trevas. A orla dentada que o circunda representa a união fraternal, que supera as diferenças. As romãs abertas sobre as colunas simbolizam abundância e fraternidade: sementes diversas, mas unidas num só fruto.

Aplicação prática: aceitar a diversidade cultural, política e religiosa sem perder a unidade essencial da fraternidade humana. O maçom deve ser agente de reconciliação, superando divisões por meio do diálogo e da solidariedade.

O Trabalho Iniciático e o Progresso Moral

A instrução conclui com a famosa fórmula: "Levantam-se templos à virtude e cavam-se masmorras ao vício". Eis a missão da Maçonaria: ajudar o homem a educar-se para que ele construa em si mesmo e na sociedade a civilização da virtude. O tempo de trabalho - "do meio-dia à meia-noite", indica que o labor do aprendiz é constante, e que a busca pela Verdade não tem descanso.

Aplicação prática: o maçom deve ser protagonista de seu tempo, atuando como facilitador, líder ético, cidadão consciente. O aprendizado maçônico não é mera especulação filosófica, mas prática transformadora.

Alegorias e Símbolos como Método de Vida

A Segunda Instrução do Grau de Aprendiz é, em si mesma, um mapa da vida adulta. Desde a afirmação do Grande Arquiteto até o uso das ferramentas simbólicas, passando pelas viagens, juramento, avental, pavimento mosaico e colunas, tudo convida o iniciado a refletir e a agir. As alegorias não são decorações, mas metáforas existenciais, que oferecem ao maçom um método de autoconhecimento, de lapidação e de contribuição social.

Em uma sociedade marcada pelo imediatismo, pela superficialidade e pela crise de valores, o método maçônico mantém sua atualidade: ensinar pela experiência, cultivar símbolos que despertam a imaginação, formar homens livres que sejam ao mesmo tempo cidadãos éticos, trabalhadores criativos e irmãos solidários. Essa é a verdadeira obra do maçom: transformar a si mesmo para transformar o mundo.

Bibliografia Comentada

1.      ANDERSON, James. Constituições dos Franco-Maçons (1723). Documento fundador da Maçonaria Especulativa, que define princípios como liberdade, bons costumes e fraternidade. Relevante para compreender a exigência de liberdade interior destacada na instrução;

2.      CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito (1988). Analisa a função dos mitos e símbolos nas culturas. Confirma o valor pedagógico das alegorias maçônicas como narrativas que estruturam a experiência humana;

3.      ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano (1957). Estudo sobre a simbologia do espaço e do tempo nas religiões. Ajuda a interpretar a loja como microcosmo do universo;

4.      GUÉNON, René. A Simbólica da Cruz (1931). Exemplo de estudo esotérico do símbolo como estrutura do cosmos e do homem. Reforça a leitura tradicionalista da Maçonaria como ciência simbólica;

5.      KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é Esclarecimento? (1784). Texto clássico sobre a maioridade intelectual e a coragem de pensar por si mesmo. Dialoga diretamente com a ideia maçônica de libertação das paixões e preconceitos;

6.      KNOWLES, Malcolm. The Adult Learner (1973). Obra fundamental da andragogia moderna, descrevendo princípios da educação de adultos. Útil para compreender como a Maçonaria adapta seus símbolos a um processo formativo experiencial;

7.      MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry (1873). Repertório completo de alegorias, símbolos e ritos maçônicos, fundamental para ampliar a compreensão da instrução;

8.      PIAGET, Jean. A Psicologia da Inteligência (1947). Referência essencial sobre o desenvolvimento cognitivo. Ajuda a fundamentar a visão da inteligência como faculdade progressiva, presente na instrução;

9.      VYGOTSKY, Lev. A Formação Social da Mente (1934). Destaca a importância da interação social no aprendizado. Dialoga com a Maçonaria, que ensina por meio de vivências coletivas e rituais simbólicos;

10.  WIRTH, Oswald. O Livro do Aprendiz (1922). Clássico da literatura maçônica, que explora em detalhe os símbolos do grau de aprendiz. Oferece interpretação aprofundada das ferramentas, da pedra bruta e cúbica, e do pavimento mosaico;

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