sábado, 9 de agosto de 2025

Deveres do Maçom e Fé

 Charles Evaldo Boller

Razão, Fé e Maçonaria

A Maçonaria, como escola iniciática, propõe uma rara e sofisticada síntese entre razão e fé. Pela razão, o homem define, organiza e interpreta a fé; pela fé, o homem dá sentido último à razão e orienta a sua ação moral. Embora não seja possível ver certas assertivas ditadas pela crença, pois a fé é, essencialmente, a confiança no invisível, o maçom a adota como princípio fundamental, segundo condição precípua para ser aceito na ordem maçônica, a crença em uma vida futura após a morte física. Essa exigência não se vincula a dogma confessional, mas a um entendimento espiritual que transcende denominações religiosas.

Platão, ao registrar o diálogo final de Sócrates, pouco antes da execução, preservou uma das mais coerentes reflexões sobre o tema: "Fugir à morte não é difícil. Bem mais difícil é fugir à maldade, pois mais célere que a morte é a malvadez. Temer a morte é acreditar ser sábio e não o ser, posto que é acreditar saber aquilo que não se sabe. Ela só pode significar: ou aquele que morre é reduzido ao nada, como uma longa noite de sono sem sonhos, ou é a passagem daqui para outro lugar; e, se é verdade, como se diz, que todos os mortos aí se reúnem, pode-se imaginar maior bem? Mas eis a hora de partirmos: eu para a morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo, ninguém sabe, exceto Deus".

Esse pensamento sintetiza a postura que a Maçonaria adota: a vida e a morte fazem parte de um mistério maior; e o desconhecimento sobre o além não deve servir como combustível para o medo, mas como estímulo para viver com dignidade e propósito.

Fé e Liberdade: a Lição da História

A história humana demonstra que, por séculos, a fé foi instrumentalizada como ferramenta de dominação política e social. Na Europa medieval e moderna, a Igreja Católica Apostólica Romana, por meio da Inquisição instituiu tribunais para punir divergências teológicas e suprimir heresias, muitas vezes confundindo fé com imposição ideológica. Incontáveis vidas foram ceifadas, não pela prova objetiva de crime, mas pela suspeita de pensamento divergente.

O maçom, sem pretender destruir religiões, reconhece nelas um papel relevante na coesão social e no cultivo da moral. Entretanto, combate firmemente qualquer radicalismo que atente contra a liberdade de consciência, a fraternidade entre os homens e a igualdade de direitos. Como afirmou Voltaire, Símbolo do Iluminismo e defensor incansável da tolerância: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las".

Assim, o juramento maçônico não é submissão a uma ortodoxia religiosa, mas pacto de defesa da liberdade, inclusive a liberdade de crer ou de não crer?

O Modelo Cavaleiresco: Virtude em Ação

A inspiração do maçom provém, em parte, dos vetustos cavaleiros do Oriente Próximo, que buscavam a perfeição no combate ao mal e na prática do bem. Tal como os templários, que protegiam os caminhos a Jerusalém e os peregrinos que os percorriam, o maçom sabe que lutar pela liberdade pode custar-lhe a própria vida.

O ideal cavaleiresco, ressignificado na Maçonaria, não é a glória da guerra, mas a glória do serviço e da proteção dos mais fracos. Lutar contra tiranias, políticas, econômicas ou ideológicas, exige coragem, mas também preparo moral. Kant, em sua "Fundamentação da Metafísica dos Costumes", ensina que o dever moral não depende de expectativa de recompensa, mas do respeito à lei moral em si mesma. O maçom, nesse sentido, age não para ser exaltado, mas porque é o que deve ser feito.

Cultura, Racionalidade e Espiritualidade

A Maçonaria estimula o maçom a conhecer os costumes e a história dos povos, não para subjugá-los, mas para libertá-los da ignorância e da servidão mental. A razão, cultivada como ferramenta de iluminação, é o único caminho seguro para a liberdade interior, e esta, longe de negar a espiritualidade, confirma-a em sua forma mais pura.

O maçom aceita a existência de um Princípio Criador, Grande Arquiteto do Universo, como reconhecimento de que há uma ordem e um sentido maiores. Essa fé, porém, não é cega: ela se enraíza na compreensão de que toda ação orientada para o bem deve estar impregnada de espiritualidade genuína.

Virtudes e Combate ao Vício

O maçom é chamado a cultivar virtudes universais: fraternidade, tolerância, prudência, discrição e fidelidade. Esses valores não são abstrações; traduzem-se em condutas concretas, tanto no templo como na vida profana.

O simbolismo do malho e do cinzel expressa a disciplina moral: com força inteligente e abnegação, o maçom golpeia os vícios, discórdia, indiscrição, orgulho, maledicência, perfídia, até lapidar-se como pedra polida, apta a se integrar na construção simbólica do Templo da Humanidade.

O Juramento e a Missão Social

Cumprir o juramento maçônico é fortalecer a fé em um futuro de progresso para a sociedade humana. Esse compromisso não se restringe ao ambiente ritualístico: ele se expande à vida pública, à profissão, à família etc.

O maçom sabe que não vive temporariamente neste planeta sem um propósito justo. Assim, cada tarefa é iniciada exaltando a glória do Grande Arquiteto do Universo. O trabalho maçônico é um laboratório ético, onde a prática da caridade não busca resolver, sozinha, a miséria do mundo, mas treinar o coração para o bem.

Maçonaria e Defesa Ativa da Liberdade

De orientação não pacifista, a Maçonaria entende que a paz não pode ser confundida com passividade diante da injustiça. Cabe ao maçom "retirar a paz" dos que abusam do poder e dos falsos irmãos, constrangendo-os à mudança ou isolando-os para proteção da sociedade. Se perseguido por sua integridade, o maçom sabe que encontrará asilo na loja, espaço de justiça e equidade.

Esse aspecto se relaciona com o pensamento de Cícero, que via a justiça como "o mais elevado dever do homem em sociedade", sendo injusto não apenas o que pratica o mal, mas também o que, podendo impedir o mal, nada faz.

O Legado Maçônico na História

O progresso civilizatório moderno traz, direta ou indiretamente, a marca de ações maçônicas. A defesa da liberdade de imprensa, a separação entre Igreja e Estado, a promoção da educação universal e a luta contra a escravidão contaram, em diferentes momentos, com maçons destacados entre seus protagonistas.

Esse legado é também uma expressão da fé maçônica: não apenas na vida futura, mas na possibilidade de aperfeiçoamento constante da humanidade, pela razão e pela ação moral.

Fé Racional e Dever Perene

A fé do maçom não é superstição; é confiança lúcida em um propósito universal. A razão lhe dá os instrumentos para discernir o justo, e a espiritualidade lhe fornece a motivação para agir. Como guardião da liberdade de consciência, ele combate o radicalismo e defende a dignidade humana. Como discípulo da tradição cavaleiresca, assume riscos e não teme a luta pela justiça. Como servidor da humanidade, busca a perfeição moral, golpeando incessantemente os vícios que o afastam do ideal.

Razão e fé se entrelaçam na vida maçônica: a primeira ilumina o caminho; a segunda dá coragem para trilhá-lo até o fim.

Bibliografia

1.      ANDERSON, James. Constituições de Anderson de 1723. Tradução de Rizzardo da Camino. São Paulo: Madras, 2007;

2.      BARBER, Malcolm. The New Knighthood: A History of the Order of the Temple. Cambridge: Cambridge University Press, 1994;

3.      CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Tradução de Carlos Ancêde Nougué. São Paulo: Martins Fontes, 1999;

4.      COIL, Henry Wilson. Coil's Masonic Encyclopedia. Richmond: Macoy Publishing, 1996;

5.      GUÉNON, René. A Crise do Mundo Moderno. Lisboa: Vega, 1991;

6.      HALL, Manly Palmer. The Secret Teachings of All Ages. Los Angeles: Philosophical Research Society, 1928;

7.      KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70, 2005;

8.      MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry. Chicago: Masonic History Co., 1916;

9.      PETERS, Edward. Inquisition. Berkeley: University of California Press, 1989;

10.  PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston: Supreme Council, 1871;

11.  PLATÃO. Apologia de Sócrates. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: UFPA, 2001;

12.  STEVENSON, David. The Origins of Freemasonry: Scotland's Century, 1590-1710. Cambridge: Cambridge University Press, 1988;

13.  VOLTAIRE. Tratado sobre a Tolerância. São Paulo: Martins Fontes, 2007;

Comunicação Afiada: a Arte Maçônica de Lapidar a Palavra

 Charles Evaldo Boller

A Comunicação Como Essência da Oratória

A oratória é a mais elevada das artes comunicativas e, desde os primórdios da civilização, é considerada instrumento de poder, educação e transformação. A palavra molda culturas, constrói alianças e determina destinos. Para o homem livre e de bons costumes, a maestria na comunicação não é luxo, mas necessidade vital.

No campo maçônico, essa habilidade transcende o utilitarismo da vida em sociedade. Ela se converte em um ofício sagrado, pois é pela palavra que se transmite o conhecimento iniciático, se fortalece a fraternidade e se constrói a unidade do templo simbólico da humanidade.

Cícero, o grande orador romano, declarou em seu De Oratore: "A eloquência é inseparável da sabedoria, pois falar bem é pensar bem". Para o maçom, isso significa que a clareza no falar é filha da clareza no pensar.

A Dimensão Histórica da Comunicação e a Retórica Clássica

A Maçonaria, enquanto tradição iniciática, herda da Antiguidade clássica muito do seu ideal de comunicação. Aristóteles concebia a retórica como "a capacidade de descobrir, em cada caso, o meio disponível de persuasão". Os três pilares aristotélicos: ethos (credibilidade moral), pathos (mobilização emocional) e logos (estrutura racional), permanecem como fundamentos da arte maçônica de falar.

O ethos, para o maçom, é sustentado pela sua conduta moral irrepreensível; o pathos, pela capacidade de comover os irmãos em loja; o logos, pela força lógica e coerente de seus argumentos.

No Renascimento, com o florescimento das sociedades discretas, a palavra voltou a ganhar prestígio como instrumento de libertação e resistência intelectual. Francis Bacon, cujas ideias ecoam em princípios maçônicos, defendia que "o saber é poder", e que o saber, para ser poder de fato, precisa ser transmitido de modo claro e eficaz.

A Metáfora da Espada, Entre o Pensamento e a Palavra

A metáfora de afiar espadas para simbolizar o aprimoramento do pensamento é profundamente enraizada na simbologia iniciática. Na tradição cavaleiresca, a espada era mais que arma: era símbolo da justiça, da proteção e da verdade.

Na bíblia judaico-cristã, em Hebreus 4:12, lemos: "A palavra de Deus é viva e eficaz, mais cortante do que qualquer espada de dois gumes". A Maçonaria, ao interpretar esse versículo de forma simbólica, entende que a palavra do homem justo também deve ser afiada para cortar a ignorância e a injustiça.

O maçom, ao preparar-se para falar, age como o ferreiro que coloca a espada na pedra de amolar: remove as rebarbas, ajusta o fio, tempera o metal. O filosofar maçônico é exatamente essa pedra de afiar: um processo contínuo de reflexão, diálogo e depuração.

A Linguagem Simbólica Maçônica de Sinais, Toques e Palavras

Uma das particularidades mais fascinantes da comunicação maçônica é o seu sistema simbólico de reconhecimento: sinais, toques e palavras, os únicos segredos maçônicos de fato.

Essa linguagem oculta remonta às guildas de pedreiros operativos da Idade Média, que precisavam proteger seus segredos técnicos e assegurar que apenas trabalhadores qualificados ingressassem nas obras. No mundo especulativo, tais sinais não apenas identificam o iniciado, mas recordam que a comunicação exige confiança e discrição.

Albert Galatim Mackey, em sua Encyclopedia of Freemasonry, afirma: "Esses modos de reconhecimento são ao mesmo tempo escudos e chaves: escudos que protegem a fraternidade e chaves que abrem o coração do irmão".

O Sigilo e a Confiança Como Fundamentos

Na loja, a liberdade de expressão repousa sobre um pacto moral chamado sigilo maçônico. Não se trata de ocultar informações por capricho, mas de proteger o espaço onde a mente pode falar sem medo.

Historicamente, sociedades de pensamento, como os Rosa-Cruzes, Illuminati e clubes iluministas do século XVIII, mantiveram práticas similares, compreendendo que o pensamento livre floresce melhor em solo protegido.

O sigilo, portanto, é o que garante que a comunicação maçônica seja honesta, profunda e destemida. Sem ele, a palavra seria tímida; com ele, a palavra é audaz.

A Finalidade Ética da Comunicação Maçônica

A palavra proferida na Maçonaria deve estar a serviço da construção do homem e da sociedade. Em um discurso célebre de 1870, pronunciado por John Yarker, destacado maçom inglês, declarou: "que nossas palavras sejam como pedras assentadas: firmes, precisas e capazes de sustentar o peso da verdade".

A finalidade ética da comunicação maçônica inclui:

·         Educar pelo exemplo e pelo ensino;

·         Resolver discordâncias pela concórdia;

·         Inspirar a ação virtuosa;

·         Fortalecer os vínculos fraternos.

A loja, como microcosmo da sociedade ideal, exige que a palavra seja instrumento de conciliação, e não de divisão.

A Psicologia Simbólica da Palavra e do Silêncio

Carl Jung identificou a palavra como veículo de arquétipos, e o silêncio como o útero onde esses arquétipos se gestam antes de se manifestar. No contexto maçônico, isso se traduz na prática de refletir antes de falar.

O silêncio, longe de ser ausência, é um estado de escuta ativa e elaboração mental. É nesse intervalo que a espada é afiada. Assim, quando a palavra surge, ela não é improviso ocioso, mas golpe preciso.

O maçom aprende que há um tempo para falar e um tempo para calar, tal como ensina (Eclesiastes 3:7): "Tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar".

Exemplos Históricos de Discursos Maçônicos

A história registra orações maçônicas memoráveis. Entre elas:

·         Benjamin Franklin - Em uma reunião maçônica na Filadélfia, Franklin afirmou: "A Maçonaria é uma arte que nos ensina a viver como se fôssemos eternos, e a falar como se cada palavra fosse a última";

·         José Bonifácio de Andrada e Silva - No Brasil, em suas falas políticas e maçônicas, defendeu a palavra como arma contra a tirania, inspirando a independência nacional;

·         Lafayette - O herói franco-americano, maçom, dizia: "A liberdade precisa da espada para ser conquistada e da palavra para ser preservada".

Esses exemplos mostram que, em diferentes contextos históricos, a comunicação maçônica foi instrumento de transformação social e política.

A Comunicação Como Instrumento de Progresso Humano

Quando o maçom afia sua comunicação, ele não o faz apenas para a loja, mas para a vida. Uma palavra justa pode corrigir um erro, inspirar uma ação nobre ou consolar um espírito aflito.

Assim, a comunicação afiada:

·         Desperta no homem natural a consciência do dever;

·         Harmoniza o indivíduo com a comunidade;

·         Reforça a percepção de que cada um é artífice de seu próprio destino;

No sentido mais elevado, comunicar-se bem é colaborar com a obra do Grande Arquiteto do Universo, ajudando a edificar um mundo mais justo e iluminado.

O Caminho para o Cosmos

Ao afiar a espada da palavra, o maçom prepara-se para cortar a ignorância e a injustiça. A comunicação, quando polida pela razão e temperada pela virtude, torna-se ponte entre o homem e o infinito.

O destino final da palavra justa é o próprio Cosmos: um estado de harmonia universal onde cada som é melodia, cada silêncio é repouso, e cada frase é pedra firme na construção da obra eterna.

Bibliografia

1.      ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005;

2.      BACON, Francis. Novum Organum. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001;

3.      CÍCERO, Marco Túlio. De Oratore. São Paulo: Martin Claret, 2012;

4.      ECO, Umberto. O Nome da Rosa. Rio de Janeiro: Record, 2001;

5.      FRANKLIN, Benjamin. The Papers of Benjamin Franklin. Yale University Press, 1961;

6.      JUNG, Carl Gustav. O Homem e Seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008;

7.      MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry. Chicago: Masonic History Company, 1914;

8.      OLIVEIRA, José Castellani de. Maçonaria: História, Lendas e Mistérios. São Paulo: Madras, 2006;

9.      PIMENTEL, Álvaro. A Filosofia da Comunicação Maçônica. Lisboa: Ed. Esquadro e Compasso, 2010;

10.  YARKER, John. The Arcane Schools. Belfast: William Tait, 1909;

Enoch, o Nome Inefável e a Missão Maçônica da Liberdade de Culto e Pensamento

 Charles Evaldo Boller

A Importância do Grau 13 no Percurso Iniciático

No Universo do Rito Escocês Antigo e Aceito, o grau 13, Cavaleiro do Real Arco, ocupa um lugar de destaque entre os Graus Inefáveis. Trata-se de síntese e revelação que conduz o maçom a um ponto culminante de sua busca simbólica: o contato com o Nome Inefável do Grande Arquiteto do Universo. Esta revelação não é ato puramente narrativo ou teatral, mas um marco espiritual que representa a união entre a alma humana e a Verdade eterna.

Ao contrário de graus mais voltados à ação externa ou à moralidade social, o grau 13 mergulha profundamente na dimensão mística da iniciação. Sua lenda não é de caráter guerreiro ou jurídico, mas essencialmente contemplativa, centrada na preservação e descoberta de um conhecimento supremo que transcende o tempo e a história.

Neste grau, o iniciado entra em contato com a tradição antediluviana, representada por Enoch, o sétimo patriarca após Adão, e com a ideia de que o saber deve ser protegido contra as forças destrutivas, sejam elas naturais, como o dilúvio, ou humanas, como o esquecimento e a corrupção moral. É também um grau que, filosoficamente, proclama a liberdade de culto e de pensamento como condições indispensáveis para o progresso humano e a dignidade da pessoa.

A amplitude do seu ensinamento permite uma leitura em vários planos: histórico, simbólico, metafísico, esotérico, social, político, psicológico e prático. Ao ampliarmos cada um desses aspectos, perceberemos que o Cavaleiro do Real Arco não é apenas uma figura de ritual, mas um arquétipo universal de buscador da Verdade.

A Lenda de Enoch e o Real Arco - Raízes Históricas e Tradições Correlatas

A Narrativa Bíblica

No Livro do Gênesis (5:18-24), Enoch é apresentado como alguém que "andou com Deus" e, ao atingir 365 anos (número que simbolicamente corresponde aos dias do ano solar), "já não foi encontrado, pois Deus o levou". Essa formulação lacônica alimentou séculos de interpretações místicas, muitas das quais influenciaram tradições posteriores que a Maçonaria incorporou e reelaborou.

As Tradições Apócrifas e Místicas

Nos Livros de Enoch (1 Enoque, 2 Enoque e 3 Enoque), que não integram o cânon bíblico na maioria das tradições cristãs, encontramos a descrição de Enoch como escriba celestial, guardião de segredos cósmicos e iniciador de uma linhagem de sábios. Ele ascende aos céus, recebe revelações dos anjos e registra o conhecimento divino para as futuras gerações.

Na tradição rabínica e cabalística, Enoch é identificado com Metatron, o mais elevado dos anjos, testemunhando sua transformação espiritual e sua proximidade com o Nome divino. Essa identificação o coloca como mediador entre o humano e o divino, função essencialmente iniciática.

A Lenda Maçônica de Enoch

A tradição maçônica associa Enoch à construção de um templo subterrâneo de nove arcos, situado sob o monte Moriá, no mesmo local onde, séculos depois, o rei Salomão edificaria seu Templo. No arco mais profundo, Enoch deposita uma placa de ouro com o Nome Inefável do Grande Arquiteto do Universo. Para assegurar a preservação desse tesouro, constrói também duas colunas: uma de bronze, resistente ao fogo, e outra de mármore, resistente à água.

A lenda afirma que essas precauções visavam proteger a Palavra contra as alternâncias cíclicas de destruição do mundo, catástrofes aquáticas (dilúvios) e ígneas (incêndios cósmicos), temas recorrentes em mitos sumérios, egípcios, gregos e na filosofia estóica.

Influências de Outras Culturas

O mito do conhecimento oculto preservado em estruturas subterrâneas encontra paralelo no Egito, com a lenda das câmaras secretas sob a Esfinge; na Grécia, com as histórias órficas sobre cavernas iniciáticas; e entre os povos celtas, cujas tumbas megalíticas eram vistas como portais para o Outro Mundo.

A Maçonaria, ao adotar a lenda de Enoch, não apenas preserva um relato tradicional, mas o insere num código simbólico universal: a descida ao interior da terra como imagem da jornada interior; o número nove como símbolo de perfeição; o Nome sagrado como síntese da Verdade última.

O Simbolismo do Grau 13

O Nome Inefável

No judaísmo, o Tetragrama Sagrado (YHWH) não é pronunciado, sendo substituído por títulos reverenciais. Na Maçonaria, o Nome Inefável representa mais que uma sequência de letras, é o símbolo da Verdade absoluta, inacessível ao intelecto comum e revelada somente àquele que purificou seus pensamentos e intenções.

Esse Nome não é apenas um dado histórico ou linguístico: é a chave para a compreensão de que o divino não pode ser aprisionado em fórmulas humanas, e que toda definição é apenas aproximação de um mistério maior.

O Templo Subterrâneo de Nove Arcos

O número nove, último dos algarismos simples, simboliza plenitude e fechamento de ciclo. Os nove arcos representam etapas iniciáticas, camadas sucessivas de purificação e autoconhecimento, pelas quais o iniciado deve passar antes de alcançar a Palavra.

O caráter subterrâneo do templo sugere o inconsciente profundo e o mistério do mundo interior. Descer a ele é realizar uma catábase[1] iniciática, enfrentando sombras e ilusões para encontrar a centelha divina.

As Duas Colunas

A coluna de bronze representa a resistência ao fogo (símbolo das paixões destrutivas e das provações espirituais). A de mármore representa resistência à água (símbolo das emoções descontroladas e das catástrofes cíclicas). Juntas, representam a proteção do saber contra os dois grandes agentes de dissolução: a corrupção interna e a destruição externa.

Elas também simbolizam estabilidade e permanência no tempo, lembrando ao iniciado que a Verdade deve ser defendida com firmeza, mas também com equilíbrio.

A Placa de Ouro

O ouro é símbolo de incorruptibilidade e perfeição. A placa gravada com o Nome é a materialização do ideal supremo: a Verdade pura, preservada contra o desgaste do tempo e contra a degradação moral.

Dimensão Metafísica e Esotérica

O grau 13, em sua essência, ensina que o conhecimento não é fruto apenas do estudo externo, mas da experiência interior.

A Revelação Interior

Metafisicamente, a descida aos arcos subterrâneos é a jornada da alma em direção à sua origem divina. O Nome Inefável não é algo que se "aprende" como se aprende um fato histórico, mas algo que se reconhece quando se atinge determinado estado de consciência.

Correspondências Tradicionais

·         Na Cabala, conhecer o Nome é atingir o ponto mais alto da árvore da vida, Kether, onde a unidade com o Infinito é plena;

·         No Hermetismo, é a reintegração ao Uno, princípio de todas as coisas;

·         Na Alquimia, corresponde à obtenção da Pedra Filosofal, que transmuta o homem imperfeito no Homem verdadeiro;

·         No Cristianismo esotérico, a Palavra é o Logos, Cristo como encarnação da Verdade;

O Número Nove

O nove, triplo de três, é o número da realização espiritual. Ele aparece nas nove hierarquias angélicas de PseudoDionísio[2], nos nove céus da tradição islâmica e nos nove mundos da mitologia nórdica. No grau 13, representa o último passo antes da perfeição completa simbolizada pelo dez.

Dimensão Social e Filosofia Política

O ensinamento central do Grau 13, a liberdade de culto e de pensamento, é inseparável da missão histórica da Maçonaria.

Liberdade de Culto

O maçom do Real Arco defende que todo ser humano tem direito de se relacionar com o divino segundo sua própria consciência. Isso implica rejeitar tanto o fanatismo religioso quanto o materialismo intolerante. A diversidade de credos não é obstáculo, mas enriquecimento da vida espiritual.

Liberdade de Pensamento

A liberdade de pensamento é a base da ciência, da arte e da filosofia. Sem ela, não há progresso humano real. O grau 13 ensina que o homem deve estar livre para investigar, questionar e expressar suas ideias, desde que o faça com respeito e responsabilidade.

Relação com a Justiça e o Progresso

A Maçonaria defende que o progresso das nações depende da tríade: educação, justiça e liberdade. Um povo oprimido intelectualmente ou espiritualmente está condenado à estagnação.

Psicologia simbólica

Do ponto de vista psicológico, o Nome Inefável é símbolo do Self, o núcleo integrador da personalidade segundo Carl Gustav Jung. Encontrá-lo é alcançar a individuação, processo pelo qual o indivíduo se torna aquilo que é em potencial.

A descida aos nove arcos corresponde ao enfrentamento de nove camadas de resistência interna: medos, preconceitos, ilusões, traumas, condicionamentos, vaidades, apegos, ignorância e orgulho. Ao ultrapassá-las, o iniciado chega ao centro de si mesmo.

Aplicações Práticas

No Plano Individual

·         Estudo contínuo das tradições espirituais, identificando princípios universais;

·         Exercício diário da tolerância e do diálogo inter-religioso;

·         Prática das virtudes cardeais e teologais;

No Plano Social

·         Apoio a legislações que garantam a liberdade de crença e de expressão;

·         Defesa da educação laica e de qualidade;

·         Combate a toda forma de censura ideológica;

No Plano Maçônico

·         Fomento a trabalhos de loja que integrem simbolismo, filosofia e ação social;

·         Promoção de estudos sobre pluralidade religiosa e filosófica;

·         Criação de espaços de debate interno que respeitem divergências;

Conclusão

O Cavaleiro do Real Arco é o guardião da Verdade e o defensor da liberdade. Ao reencontrar o Nome Inefável, ele não adquire apenas um conhecimento oculto, mas assume uma responsabilidade moral e social: viver de acordo com a Verdade, protegê-la e promovê-la no mundo.

O grau 13 ensina que o verdadeiro templo é o interior, e que a Palavra não se perde enquanto houver quem a preserve no coração. Seu ensinamento é atemporal, aplicável tanto na vida maçônica quanto na vida profana, como um chamado à construção de um mundo mais livre, justo e iluminado.

Bibliografia

1.      ANDERSON, James. Constituições de Anderson de 1723. Lisboa: Ed. Maçônica, 2017;

2.      COIL, Henry Wilson. Coil's Masonic Encyclopedia. Richmond: Macoy Publishing, 1996;

3.      HALL, Manly P. The Secret Teachings of All Ages. Los Angeles: Philosophical Research Society, 2003;

4.      MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry. Chicago: Masonic History Co., 1917;

5.      PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston, 1871;

6.      WAITE, Arthur Edward. A New Encyclopedia of Freemasonry. London: William Rider, 1921;

7.      WESTCOTT, W. Wynn. Numbers: Their Occult Power and Mystic Virtues. London: Theosophical Publishing Society, 1890;

8.      YATES, Frances A. The Rosicrucian Enlightenment. London: Routledge, 2002;

9.      ELIOT, Charles W. The Sacred Books of the East. New York: P.F. Collier, 1910;

10.  CASE, Paul Foster. The True and Invisible Rosicrucian Order. York Beach: Samuel Weiser, 1985;

11.  JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008;

12.  PSEUDO-DIONÍSIO Areopagita. Hierarquia Celestial. Lisboa: Edições 70, 2005;

13.  BÍBLIA SAGRADA. Livro do Gênesis e Livros de Enoque. Diversas edições e traduções;



Apêndice - Os Nove Arcos do Templo de Enoch e sua Interpretação Iniciática

O templo subterrâneo de nove arcos que figura na lenda do Cavaleiro do Real Arco é mais que uma construção lendária: é um mapa iniciático. Cada arco representa um degrau da jornada interior, exigindo do iniciado o desenvolvimento de uma virtude, a superação de um obstáculo e a assimilação de um ensinamento.

A disposição em nove níveis é coerente com antigas tradições que viam a ascensão espiritual (ou, neste caso, a descida iniciática) como um percurso de nove fases, como as nove esferas celestes de Dante na Divina Comédia, as nove hierarquias angélicas ou as nove etapas do processo alquímico.

Significado de cada arco:

1º Arco - Humildade

·         Virtude: Reconhecimento da própria limitação diante do mistério;

·         Símbolo numérico: Unidade que se abre ao todo;

·         Arquétipo psicológico: O Neófito que inicia a busca;

·         Aplicação prática: O maçom deve iniciar cada estudo e ação livre de arrogância intelectual, consciente de que a Verdade não pode ser possuída, mas apenas servida;

2º Arco - Pureza de Intenção

·         Virtude: Honestidade interior e desapego de interesses pessoais;

·         Símbolo numérico: Dois como espelho, refletindo a alma;

·         Arquétipo psicológico: O Peregrino que escolhe seu caminho;

·         Aplicação prática: Em loja, as discussões e deliberações devem visar o bem coletivo, não o benefício de poucos;

3º Arco - Perseverança

·         Virtude: Capacidade de manter a busca apesar dos obstáculos;

·         Símbolo numérico: Três como harmonia e equilíbrio;

·         Arquétipo psicológico: O Guerreiro paciente;

·         Aplicação prática: Não abandonar estudos ou trabalhos maçônicos diante de dificuldades ou incompreensões;

4º Arco - Coragem

·         Virtude: Enfrentar o desconhecido sem ceder ao medo;

·         Símbolo numérico: Quatro como estabilidade e fundação;

·         Arquétipo psicológico: O Guardião da Porta;

·         Aplicação prática: Defender a liberdade de pensamento mesmo quando ela é contestada no meio profano;

5º Arco - Discernimento

·         Virtude: Saber separar o verdadeiro do falso;

·         Símbolo numérico: Cinco como a estrela de cinco pontas, símbolo do homem equilibrado;

·         Arquétipo psicológico: O Sábio em formação;

·         Aplicação prática: Examinar informações e tradições com espírito crítico e método racional;

6º Arco - Justiça

·         Virtude: Dar a cada um o que lhe é devido, com equidade;

·         Símbolo numérico: Seis como harmonia entre o Céu e a Terra;

·         Arquétipo psicológico: O Legislador interno;

·         Aplicação prática: Ser imparcial nas decisões em loja e no mundo profano, independentemente de afinidades pessoais;

7º Arco - Misericórdia

·         Virtude: Compreensão e compaixão pelas fraquezas alheias;

·         Símbolo numérico: Sete como espiritualidade e completude;

·         Arquétipo psicológico: O Curador;

·         Aplicação prática: Conciliar firmeza com benevolência, lembrando que todo julgamento deve ser temperado por clemência;

8º Arco - Sabedoria

·         Virtude: Integração do conhecimento com a experiência vivida;

·         Símbolo numérico: Oito como equilíbrio dinâmico e infinito;

·         Arquétipo psicológico: O Mestre;

·         Aplicação prática: Unir teoria e prática, simbolismo e ação, tornando-se exemplo vivo dos princípios maçônicos;

9º Arco - União com a Verdade

·         Virtude: Estado de consciência no qual o eu se harmoniza com o divino;

·         Símbolo numérico: Nove como plenitude e retorno à unidade superior;

·         Arquétipo psicológico: O Iluminado;

·         Aplicação prática: Viver em coerência com o Nome Inefável, que não é apenas conhecido, mas encarnado na conduta;



[1] "Catábase" refere-se a qualquer forma de descida, mas na mitologia e literatura, especialmente na mitologia grega, o termo descreve a descida ao mundo inferior ou submundo, geralmente com o objetivo de realizar uma missão, consultar os mortos ou resgatar algo ou alguém. É o oposto de anábase, que é a subida;

[2] Dionísio Areopagita, autor, filósofo neoplatônico e teólogo cristão. Também conhecido por Dionísio o Pseudo-Areopagita ou Pseudo-Dionísio o Areopagita. Faleceu em 485. Nome dado ao autor de uma série de escritos místicos que influíram determinantemente na filosofia medieval. Sua teologia forneceu fundamentação à iconofilia bizantina e a diversos temas.

Grau 5, a Construção do Templo com Retidão

 Charles Evaldo Boller

O grau 5 do Rito Escocês Antigo e Aceito, intitulado Mestre Perfeito, representa um momento simbólico de reconstrução interior e aprofundamento moral no caminho do maçom. Após os quatro primeiros graus, nos quais o maçom aprende as bases da construção do templo interior, o quinto grau propõe a superação da dor, da perda e da desilusão, direcionando o iniciado à perfeição ética, à justiça e à sabedoria aplicada. Tal grau adquire especial relevância quando lido à luz das necessidades e aspirações do adulto contemporâneo, em sua busca por liberdade, autonomia, equilíbrio financeiro, liderança e desenvolvimento espiritual.

O Grau 5: Contexto Simbólico e Filosófico

O Mestre Perfeito é aquele que, diante da ausência de seu mestre ideal, Hiram Abif, decide continuar a construção do templo com retidão. Ele honra a memória e os ensinamentos de seu mestre não apenas com sentimentos, mas com ações concretas. O grau trata do sepultamento digno de Hiram, indicando que a dor pela perda deve ser transmutada em ação moral e progresso contínuo. A simbologia do túmulo, da urna e das lágrimas não convida à estagnação melancólica, mas ao reconhecimento do valor do mestre e ao compromisso com os ideais mais elevados. O maçom, neste estágio, torna-se guardião da virtude e da integridade moral.

Liberdade e Autonomia como Bases da Reconstrução

A busca pela liberdade, nesta fase, não é apenas externa (política ou social), mas interna: a libertação dos apegos emocionais destrutivos, do ego inflado, da escravidão do consumo e das paixões desordenadas. O Mestre Perfeito compreende que liberdade é aquela cultivada pela autodisciplina e pelo discernimento ético (Kant, 2003). Assim, o grau favorece o desenvolvimento da autonomia, conceito central da Andragogia, conforme definido por Knowles (1980), como a capacidade de se autogerir no processo de aprendizagem e na vida.

Aplicações Econômicas e Controle Financeiro

A ética da responsabilidade, emergente neste grau, possui implicações práticas na vida econômica. O maçom, ao tornar-se "perfeito", deve gerenciar seus recursos com prudência, parcimônia e honestidade, pois compreende que a estabilidade financeira é também um alicerce da liberdade. A simbologia do túmulo e da memória de Hiram reforça a necessidade de se valorizar o legado e o trabalho honesto. A consciência de que os bens são transitórios orienta o Mestre Perfeito a priorizar investimentos no conhecimento, na família e no progresso humano, reduzindo o apelo consumista e aderindo a uma ética financeira madura (Sen, 1999).

Edificação Ética e Moral

A ética no grau 5 é elevada à condição de telos[1], ou seja, de finalidade maior da ação humana. O maçom é chamado à perfeição moral, compreendida como um processo contínuo de aperfeiçoamento interior. Inspirando-se na tradição estoica e nos ensinamentos cristãos e judaicos que permeiam o Rito Escocês Antigo e Aceito, o Mestre Perfeito assume o compromisso de agir com justiça, lealdade e verdade. A moralidade aqui não é apenas um conjunto de regras, mas um modo de ser que se expressa na vida cotidiana: na palavra honrada, na responsabilidade profissional, na fidelidade familiar e no respeito pelo outro (Macintyre, 2001).

Liderança Consciente e Responsável

No contexto simbólico do grau 5, o maçom é convocado a liderar pelo exemplo. A liderança não é compreendida como dominação ou prestígio, mas como serviço, inspiração e construção coletiva. Em sua prática, o Mestre Perfeito deve ser capaz de influenciar positivamente seu entorno: empresa, família, loja e comunidade. Ele assume posturas proativas, promove o diálogo e estimula o desenvolvimento dos outros. Essa forma de liderança está alinhada com o modelo da liderança servidora (Greenleaf, 2002), em que o líder é, acima de tudo, um servidor da verdade e do bem comum.

Valores Aplicáveis à Vida Empresarial

Na vida empresarial, o grau oferece fundamentos sólidos para o exercício ético e sustentável dos negócios. Como proprietário, o Mestre Perfeito deve adotar práticas empresariais justas e humanizadas. Como funcionário, deve agir com responsabilidade, comprometimento e honestidade. Como gerente, deve integrar liderança com sensibilidade, inteligência emocional e justiça. A retidão ensinada pelo grau é incompatível com a corrupção, a exploração e a fraude. Assim, o maçom fortalece a cultura da integridade organizacional e atua como agente de transformação nas instituições em que opera (Friedman, 2005).

Fortalecimento da Família como Núcleo Humano

No âmbito familiar, o grau inspira o maçom a se tornar um pilar de equilíbrio e sabedoria. A memória de Hiram, honrada no ritual, ensina o valor da figura do mestre como guia, o que pode ser traduzido em termos de paternidade consciente, companheirismo e dedicação à educação dos filhos. A família é reconhecida como espaço privilegiado para a transmissão dos valores morais, culturais e espirituais. A harmonia conjugal, o diálogo intergeracional e a formação integral dos filhos são responsabilidades éticas do Mestre Perfeito (Bauman, 2004).

Desenvolvimento da Inteligência e do Livre-Pensar

O grau propicia o aprimoramento da inteligência racional, emocional e espiritual. A valorização da sabedoria prática (phronesis[2]), em Aristóteles (2001), é aqui reafirmada. O Mestre Perfeito é incentivado a refletir criticamente, estudar, questionar e buscar a verdade com humildade. Esse processo leva à formação do ser livre-pensante, que não se submete passivamente a dogmas, ideologias ou manipulações, mas busca o conhecimento com discernimento. Trata-se da recuperação da razão ilustrada, aliada à espiritualidade consciente (Habermas, 2003).

Incremento Cultural, Acadêmico e Científico

Na perspectiva do grau 5, o aprimoramento cultural e científico é um dever moral. A formação contínua em diversas áreas do saber contribui para o progresso individual e coletivo. A erudição não é vaidade, mas ferramenta de serviço. O maçom deve ser agente de circulação de saber, de democratização do conhecimento e de defesa da verdade científica em tempos de negacionismo[3]. A Maçonaria, como espaço de diálogo e investigação, pode fomentar grupos de estudo, círculos de leitura e debates filosóficos que ampliem o repertório dos irmãos (Morin, 2005).

Educação Emocional e Diálogo com as Ciências Humanas

A educação emocional é central na filosofia do Mestre Perfeito. Ele deve aprender a reconhecer, regular e expressar suas emoções com maturidade. A compaixão, o perdão e a empatia tornam-se virtudes indispensáveis. O contato com as ciências humanas — psicologia, sociologia, filosofia, história — contribui para ampliar a compreensão de si e do outro. O diálogo com religiões comparadas favorece o respeito à diversidade espiritual, fomentando uma espiritualidade ecumênica e integradora (Eliade, 2000).

Educação de Adultos e Andragogia

Como adulto em processo de aperfeiçoamento, o Mestre Perfeito deve assumir o protagonismo de sua educação, conforme os princípios da andragogia (Knowles, 1980). Ele aprende pela experiência, pela reflexão e pela aplicação prática do conhecimento. A loja torna-se um espaço privilegiado de aprendizagem colaborativa, onde o debate, o exemplo e o testemunho são fontes de crescimento mútuo. Os valores transmitidos no grau são consolidados quando internalizados pelo maçom adulto e aplicados em sua vida concreta.

Progresso Maçônico e Transformação Interna

O progresso na Maçonaria exige transformação interna. O grau 5 propõe um rito de passagem simbólico em que o maçom abandona a imaturidade moral e assume a responsabilidade por seu aperfeiçoamento. O "túmulo" de Hiram torna-se um símbolo de renascimento, indicando que todo aprendizado maçônico visa não apenas o conhecimento, mas a conversão existencial. O Mestre Perfeito não é aquele que sabe, mas aquele que vive o que aprendeu. Ele é símbolo de coerência, humildade e serviço.

Despertar do Ser Sagrado e Desenvolvimento Espiritual

O grau estimula o despertar do sagrado que habita no homem. Trata-se de um espiritualismo não dogmático, que reconhece o divino na interioridade do ser e na ética do amor ao próximo. A espiritualidade do Mestre Perfeito é ativa, operante, vinculada à prática da justiça e da verdade. Ao se aproximar do "sagrado" — seja ele compreendido teologicamente ou metafisicamente — o maçom transcende a banalidade e reencontra o sentido mais profundo da existência (Assmann, 2000).

Considerações Finais

O grau 5 do Rito Escocês Antigo e Aceito, ao propor a perfeição simbólica do mestre por meio da ação justa, da memória honrada e da superação da dor, oferece ao adulto contemporâneo um guia para sua vida prática. Liberdade, autonomia, ética, liderança, educação, espiritualidade e desenvolvimento humano convergem na figura do Mestre Perfeito como arquétipo de maturidade e plenitude. Seu exemplo inspira não apenas o progresso maçônico, mas também o aperfeiçoamento da sociedade.

Bibliografia

1.      ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, São Paulo, abril Cultural, 2001;

2.      ASSMANN, Jan, O preço do monoteísmo, São Paulo, Unesp, 2000;

3.      BAUMAN, Zygmunt, Amor líquido, Sobre a fragilidade dos laços humanos, Rio de Janeiro, Zahar, 2004;

4.      ELIADE, Mircea, O sagrado e o profano, São Paulo, Martins Fontes, 2000;

5.      FRIEDMAN, Milton, Capitalismo e liberdade, São Paulo, abril Cultural, 2005;

6.      GREENLEAF, Robert, O líder servidor, São Paulo, Makron Books, 2002;

7.      HABERMAS, Jürgen, Consciência moral e agir comunicativo, Lisboa, Instituto Piaget, 2003;

8.      KANT, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos costumes, São Paulo, Martins Fontes, 2003;

9.      KNOWLES, Malcolm, The Adult Learner, A Neglected Species, Houston, Gulf Publishing, 1980;

10.  MACINTYRE, Alasdair, Depois da virtude, São Paulo, Martins Fontes, 2001;

11.  MORIN, Edgar, Os sete saberes necessários à educação do futuro, São Paulo, Cortez, 2005;

12.  SEN, Amartya, Desenvolvimento como liberdade, São Paulo, Companhia das Letras, 1999;



[1] Ponto ou estado de caráter atrativo ou concludente para o qual se move uma realidade; finalidade, objetivo, alvo, destino. Fase final, derradeira; a última parte, o remate;

[2] Phronesis, em grego, significa sabedoria prática ou prudência. É a capacidade de tomar decisões corretas em situações concretas, especialmente em relação à ação moral e ao bem comum. Aristóteles considerava a phronesis uma virtude intelectual essencial para a vida ética;

[3] O negacionismo é a atitude de recusar a aceitação de fatos históricos ou científicos comprovados, mesmo diante de evidências robustas. Em outras palavras, é uma postura de recusa em reconhecer a validade de algo, geralmente com base em crenças pessoais ou interesses, em vez de evidências;