Considerações a respeito do aprendizado que suporta a
obediência e respeito às leis.
Charles Evaldo Boller
De nada adiantam constituições que garantam direitos e
deveres individuais se o beneficiado, o cidadão, em particular o maçom,
continua preso de noção equivocada de si mesmo. Se vive infeliz e angustiado
porque não tem coragem de mudar a si mesmo ou por indolência não possui energia
vital para sair de sua ignorância e "andar com suas próprias pernas".
Mesmo que os pensamentos do legislador levem ao desenvolvimento de leis justas
e equitativas, estas usualmente são usurpadas e desviadas de seus objetivos
originais pelo Poder Executivo, em ditadura que degrada e escraviza ao homem.
Oriundas do legislativo, a sociedade pode até ser regulamentada por boas leis,
mas se não existir quem faça oposição a um Poder Executivo pervertido por
ideologias que visam o poder pelo poder, de nada adiantam leis perfeitas e
justas. O fanático por poder despótico, que se coloca acima da lei e da moral,
vence, perverte e derruba as leis no recôndito de seu covil.
Exemplo: a lei do aborto no Brasil. Sabe-se que mais de
oitenta por cento da população brasileira é contra a legalização do aborto no
país. O Poder Executivo, aplicando suas normas técnicas, legaliza na prática o
crime do aborto: divulgado na mídia, em junho de 2012 o Ministério da Saúde
propôs a criação de cartilha, já disponível, que ensina à mulher a abortar com
segurança, oferecendo apoio e aconselhamento antes e suporte médico após o crime.
Na ocasião, o secretário de Atenção à Saúde, afirmou que, aconselhar e dar
suporte para abortos não é crime! Quem comete crime é a cidadã. Uma vez
consolidado o crime, o judiciário a absolve, porque recebe apoio do ativismo
judiciário; juízes torcem, interpretam as leis e "legislam" em favor
da descriminalização do aborto. Matar alguém é crime. Entretanto, os sucessores
de Herodes continuam sua macabra missão! Matar um indefeso feto não é crime! A
pavimentação da estrada para a legalização do aborto no Brasil é resultado de
lenta e gradual ação da revolução cultural. Muda-se gradualmente o pensamento
das pessoas na direção de aceitarem o assassinato de fetos. No conjunto isto
pinta um quadro onde, em sentido lato, o Brasil caminha célere a um golpe de
estado de veludo. Gradativamente estabelece-se uma ditadura. O aborto por
qualquer motivo será liberado em breve. Relacionado ao tema do aborto
questiona-se: existem ações proativas ou revoltas dos maçons brasileiros?
A sociedade é dominada pela força do pensamento. Não existe
déspota no Universo que consiga demover as ações de um homem que acredita em
sua ação moral e justa. Nem mesmo o Grande Arquiteto do Universo interfere na
vontade do homem decidido e convencido de sua vontade, seja boa seja má; para isso
dispõem de livre-arbítrio. O homem que se modifica no pensamento só pode ser
desviado de seus objetivos pela morte. Quanto mais pessoas pensarem de forma
idêntica, mais aumenta o poder do grupo para opor-se ao prepotente e arrogante
ditador. É por isso que o maçom é instado a mudar sua forma de pensar alinhada
com a moralidade e com a construção social positiva emanada da filosofia
político-social da Maçonaria. Infeliz do homem que não modifica a si mesmo para
exercitar a diferença na evolução social e intelectual dele mesmo. Enquanto
persiste em divagar e perder seu tempo com o circo armado para escravizá-lo, o
injusto sistema humano arranca dele a parte mais importante de sua capacidade
produtiva e vital. Sem modificar-se no pensamento ele permanecerá escravo do
sistema. Aquele que permitiu que a iluminação da Maçonaria o modificasse,
obedece a constituição de seu País e tudo faz para que as leis emanadas do
legislativo sejam justas, e, enquanto em vigor, sejam aplicadas e respeitadas.
O maçom iluminado é por definição desobediente civil quando obedece primeiro às
leis naturais do Grande Arquiteto do Universo e depois às leis dos homens. Por
juramento, o maçom obedece às leis dos homens porque se encontra inserido numa
sociedade que, à priori, as define com base na moral de sua sociedade local e
com vistas a paz social. Mas, no instante em que ocorre conflito entre uma lei
humana e o projeto original do Grande Arquiteto do Universo, ele é forçado a
rebelar-se. Como decidirá o que está certo ou errado se não aprende a pensar
com lógica e inteligência?
A Maçonaria coloca toda a sua estrutura baseada na fundação
de sociedades fraternas onde possa florescer o fundamento da
"verdadeira" liberdade a ser sacrificada pelo bem da sociedade. O
maçom que conhece a si mesmo e tem a coragem de fugir ao desespero de ser
diferente, tudo faz para conservar pura a Constituição de seu país e age para
estabelecer triunfo e glória da ordem constituída. Este objetivo só ocorre se
ele se modificar. Se não se modificar, os outros também não mudam. Os outros só
mudam se ele adquire coragem de mudar a si próprio. Sozinho é trabalho de
difícil consecução. Apenas em grupo, na dinâmica social desenvolvida em loja e
na sociedade que se obtém a vitalidade de mudar a si mesmo, e, em consequência,
com todos aqueles com os quais se convive. Para entender isso é necessário
analisar o que se faz na Maçonaria.
O maçom que não entrou na Maçonaria movido por
"inclinação para ação política militante, regida por princípios de
moralidade barata e movimentada por interesses inconfessáveis" (Ritual do
aprendiz maçom), tem o perfil certo para ver a luz; é o homem saudável que
almeja em si a liberdade de tornar seu "eu" diferente do que é;
usualmente transforma-se num homem melhorado. Se não obtém sucesso na
empreitada, passa a desprezar-se; na maioria dos casos, pede afastamento da
ordem maçônica. Principalmente quando percebe que não pode tirar vantagens
pessoais do fato de ser reconhecido maçom. Também esmorece e se afasta da
Maçonaria aquele ao qual falta coragem para passar pelo trauma de abandonar o
ignorante "eu" anterior (Kierkegaard). Na Maçonaria o trauma da
mudança é revivido a cada iniciação; o maçom morre simbolicamente e reiteradas
vezes para condições menos aperfeiçoadas e ressuscita encarnando um
"eu" melhorado. É questão de liberdade do cavaleiro humanitário da
Francomaçonaria conquistar seu novo "eu"; de modificar-se sem
desesperar-se.
O desespero mais fraco em relação à mudança ocorre em função
da ignorância sobre o "eu"; condição que desaparece se entendida a
iniciação. Ignorância é condição natural do homem. Conhecimento e sabedoria é
condição do homem superior. Uma condição elevada normalmente é alcançada pelo
iniciado na Maçonaria, desde que conviva com os outros de igual disposição mental.
A iniciação não consta apenas da cerimônia onde são feitos juramentos e
dramatizações filosóficas, mas das consequências de se ver esclarecido e
modificado para colocar o conhecimento maçônico em prática na vida; isto
desperta a significação vital do "eu", do "ser"; é a razão
da vida do maçom para o bem da sociedade. A cada iniciação o maçom depara-se
com um homem novo; com novo propósito. A transformação é difícil; normalmente
cercada de angústia e desespero. O maçom só atinge a Liberdade Absoluta depois
de alcançar a verdade pelo pensamento; quando toma conhecimento de si mesmo,
abandonando condição subserviente, castradora, e abraça outras condições
melhoradas. Na caminhada pela Maçonaria, o "eu" anterior que não está
alinhado com os princípios morais do grupo que o cerca, passa a ser repudiado.
Sensação que piora ao conscientizar-se que não tem liberdade; o poder de
afastar de si uma condição decaída; entendida como falta de coragem. A negação
de si mesmo para assumir outra condição melhorada é sempre dolorosa porque
aflora da noção de que não se é possuidor de si mesmo; é sempre o grupo que
influencia e impõem a moral. A filosofia maçônica muda a situação avassaladora
quando leva o adepto buscar dentro de si harmonia e paz, o que o leva a desejar
aquilo que de fato reforça a modificação; cria novo homem mais espiritualizado.
O maçom potencializa o que realmente pode ser. Ao chegar à
Maçonaria ele já tem atendidas as deficiências de suas necessidades
fisiológicas como: ar, exercício, calor, bebida, sono, comida etc. Estão
igualmente superadas as deficiências de segurança, como: emprego, estabilidade,
dinheiro, abrigo, saúde etc. Também já tem satisfeitas as necessidades de amor
e pertencimento, como: relacionamentos, aceitação, intimidade, amizade etc. Já
está suprido nas carências de autoestima, como: reconhecimento, competência,
conquista, respeito etc. Depois de iniciado na Maçonaria ele busca melhorar ou
suprir as necessidades relacionadas ao crescimento e modificação do
"eu". De seus estudos humanistas iluminados melhora sua necessidade
cognitiva, como: conhecer-se, compreender-se etc. Afloram e se intensificam as
necessidades de estética, como: ordem, disciplina, beleza, simetria etc. No
topo de suas necessidades alcança a autorrealização. A partir deste ponto
desenvolve seu "eu" potencial naquilo que faz sem esperar outro
reconhecimento que não seja o do trabalho feito sem busca de recompensa, de
cumprir seu dever social e cívico sem aguardar por recompensa; basta-lhe a
sensação de haver realizado algo bem feito. Seguindo a vereda, aflora o
derradeiro estágio das necessidades humanas; aquilo que é possível fazer para o
"eu" sentir-se completo: a autotranscedência; ocasião em que passa a
ajudar aos outros, ligar-se além de si mesmo, (Maslow) no caso do maçom,
tornar-se trabalhador numa confraria de construtores sociais que se ajudam
mutuamente. Atendidas estas necessidades e do desejo de ser quem realmente
"é", obtém a liberdade de afastar-se do desespero e a coragem de
modificar-se; é quando passa a aceitar o que realmente "é". Neste
estágio fica fácil aplicar o esforço do pensamento orientado em aceitar a
natureza modificável que existe em si. É a senda para o maçom encontrar sua
essência natural e o propósito de sua vida.
O não iniciado dificilmente, raramente, conhece o Universo
mental que o rodeia e que lhe tolhe a liberdade de modificar-se. O maçom
"conhece a si mesmo"; primeira iniciação. Envereda ao nível do
"penso, logo existo", pensa, debate e medita mais; segunda iniciação.
Efetua a síntese dos problemas com que se confronta; terceira iniciação. E
assim vai em frente, galgando sempre mais elevados conceitos e incentivado a
modificar o "eu". A força motriz desta evolução é a força mental do
maçom reunido em grupo; quando emerge a força energética do grupo pensante cujo
poder modificador está em sincronia com o projeto do Grande Arquiteto do
Universo. Tal capacidade modificadora pode ser deduzida das leis naturais e
diversidade do Espírito Universal. Debaixo dos eflúvios inefáveis deste tipo de
manifestação grupal, o maçom vence o desespero e consegue mudar a si mesmo, seu
"eu", sem desespero.
As habilidades de convivência social do homem advêm da
experiência ao lado dos colegas, família e professores; o maçom obtém o mesmo
de seus irmãos em loja. O desenvolvimento humano ocorre nos níveis: cultural,
interpessoal e individual. O cultural é de fácil acesso, porém, pouco
motivador; a poucos atrai; principalmente aos maçons ainda não iluminados,
ainda não iniciados de fato. Ao nível individual sobra pouco tempo e
oportunidade; na maioria das vezes o cidadão é alienado de oportunidades de
introspecção e meditação; facilmente trocado por: futebol, circo, restaurante e
"rock and roll". Para Lev Vygotsky, sobram apenas os níveis cultural
e interpessoal com grande possibilidade de modificar o "eu". A pessoa
constitui sua identidade em resultado das relações que estabelece com outros; o
relacionamento interpessoal é o que mais influi para o maçom mudar seu
"eu" interior. Conhecimento e sabedoria são obtidos dos outros em
resultado de acumulo de gerações, entretanto, só se coloca este conhecimento em
prática na relação com os outros. A principal responsável pela interação social
é a internalização das ferramentas culturais que modificam o "eu". Na
Maçonaria nem interessa tanto passar conhecimento, senão, propiciar o meio, o
laboratório onde os obreiros da nobre arte evolutiva possa multiplicar suas
capacidades de aprendizagem, concentração e atenção. Uma sessão maçônica é
momento de internalização, particular, introspectiva - o derradeiro encontro
com o "eu". É a forma de utilizar da aprendizagem colaborativa, que
na Maçonaria só ocorre no ambiente disciplinado de uma sessão maçônica. A isto
se soma o pensamento de Jean Piaget: "o homem é resultado do ambiente em
que vive"; se o ambiente é bom, disciplinado e ordeiro, as habilidades
inatas afloram e manifestam-se, causando internamente a modificação do
"eu". É isto que a Maçonaria persegue. Corrobora na linha da
aprendizagem colaborativa do interior das lojas maçônicas o pensamento de
Robert Slavin que: "identifica nos grupos de aprendizagem cooperativa a
capacidade de desenvolver o "eu" quando é reduzida a rivalidade e as
situações competitivas"; característica das sessões maçônicas bem conduzidas.
A técnica de aprendizagem cooperativa já é utilizada pela Maçonaria há séculos
e constitui hoje um conhecimento que nos círculos educacionais foi objeto de
estudo sério faz apenas uma década. Os estudiosos e profissionais da área da
aprendizagem perceberam que as pessoas que trabalham em pequenos grupos
cooperativos, como no caso de uma loja maçônica, desenvolvem, de forma intensa,
a troca intelectual que possibilita o pensamento criativo e a solução de
problemas complicados. O sistema de aprendizagem e estudo da Maçonaria é
perfeito: onde estão as ações? O maçom tem as mais modernas ferramentas de
aprendizagem, basta agir conforme.
O grande prêmio do maçom é o desenvolvimento do potencial de
pensar por conta própria. Por contar com a Liberdade Absoluta ao pensar, ele
surpreende e ultrapassa todos os limites que o cativeiro deste sistema humano
de coisas impõe. É o maior estágio de liberdade que se pode atingir de forma
consciente. É o que dignifica e realiza o homem, elevando-o acima das outras
criaturas viventes na biosfera terrestre. Isto coloca tremenda responsabilidade
nos ombros do evolucionista maçom; a de sustentar as leis fundamentais da
"verdadeira" liberdade aos especialmente preparados e que o tornam
homem equilibrado, sábio e líder social. Feliz do maçom que alcança a iniciação
interna onde desenvolve o amor fraterno para honra e à glória do Grande
Arquiteto do Universo.
Bibliografia
1. KIERKEGAARD, Sören, o Desespero Humano, Martin Claret,
São Paulo, 2001;
2. MASLOW, Abraham, Introdução à Psicologia do Ser, Título
Original: Toward a Psychology of Being, Tradução: Álvaro Cabral, primeira
Edição, Livraria Eldorado Tijuca limitada., 252 Páginas, Rio de Janeiro;
3. Paraná, Grande Loja do, Ritual do Grau de Aprendiz Maçom
do Rito Escocês Antigo e Aceito do Grande Loja do Paraná, Grande Loja do
Paraná, 44 Páginas, Curitiba, 1975;
4. PIAGET, Jean William Fritz a Psicologia da Inteligência.
Tradução: Egléa de Alencar, Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 239 Páginas,
1958;
5. SLAVIN, Robert E., Cooperative Learning, Theory,
Research, and Practice, Englewood Cliffs, New Jersey, Prentice-Hall, 1990;
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