domingo, 31 de março de 2013

Liberdade Absoluta

Considerações a respeito do aprendizado que suporta a obediência e respeito às leis.

Charles Evaldo Boller


De nada adiantam constituições que garantam direitos e deveres individuais se o beneficiado, o cidadão, em particular o maçom, continua preso de noção equivocada de si mesmo. Se vive infeliz e angustiado porque não tem coragem de mudar a si mesmo ou por indolência não possui energia vital para sair de sua ignorância e "andar com suas próprias pernas". Mesmo que os pensamentos do legislador levem ao desenvolvimento de leis justas e equitativas, estas usualmente são usurpadas e desviadas de seus objetivos originais pelo Poder Executivo, em ditadura que degrada e escraviza ao homem. Oriundas do legislativo, a sociedade pode até ser regulamentada por boas leis, mas se não existir quem faça oposição a um Poder Executivo pervertido por ideologias que visam o poder pelo poder, de nada adiantam leis perfeitas e justas. O fanático por poder despótico, que se coloca acima da lei e da moral, vence, perverte e derruba as leis no recôndito de seu covil.

Exemplo: a lei do aborto no Brasil. Sabe-se que mais de oitenta por cento da população brasileira é contra a legalização do aborto no país. O Poder Executivo, aplicando suas normas técnicas, legaliza na prática o crime do aborto: divulgado na mídia, em junho de 2012 o Ministério da Saúde propôs a criação de cartilha, já disponível, que ensina à mulher a abortar com segurança, oferecendo apoio e aconselhamento antes e suporte médico após o crime. Na ocasião, o secretário de Atenção à Saúde, afirmou que, aconselhar e dar suporte para abortos não é crime! Quem comete crime é a cidadã. Uma vez consolidado o crime, o judiciário a absolve, porque recebe apoio do ativismo judiciário; juízes torcem, interpretam as leis e "legislam" em favor da descriminalização do aborto. Matar alguém é crime. Entretanto, os sucessores de Herodes continuam sua macabra missão! Matar um indefeso feto não é crime! A pavimentação da estrada para a legalização do aborto no Brasil é resultado de lenta e gradual ação da revolução cultural. Muda-se gradualmente o pensamento das pessoas na direção de aceitarem o assassinato de fetos. No conjunto isto pinta um quadro onde, em sentido lato, o Brasil caminha célere a um golpe de estado de veludo. Gradativamente estabelece-se uma ditadura. O aborto por qualquer motivo será liberado em breve. Relacionado ao tema do aborto questiona-se: existem ações proativas ou revoltas dos maçons brasileiros?

A sociedade é dominada pela força do pensamento. Não existe déspota no Universo que consiga demover as ações de um homem que acredita em sua ação moral e justa. Nem mesmo o Grande Arquiteto do Universo interfere na vontade do homem decidido e convencido de sua vontade, seja boa seja má; para isso dispõem de livre-arbítrio. O homem que se modifica no pensamento só pode ser desviado de seus objetivos pela morte. Quanto mais pessoas pensarem de forma idêntica, mais aumenta o poder do grupo para opor-se ao prepotente e arrogante ditador. É por isso que o maçom é instado a mudar sua forma de pensar alinhada com a moralidade e com a construção social positiva emanada da filosofia político-social da Maçonaria. Infeliz do homem que não modifica a si mesmo para exercitar a diferença na evolução social e intelectual dele mesmo. Enquanto persiste em divagar e perder seu tempo com o circo armado para escravizá-lo, o injusto sistema humano arranca dele a parte mais importante de sua capacidade produtiva e vital. Sem modificar-se no pensamento ele permanecerá escravo do sistema. Aquele que permitiu que a iluminação da Maçonaria o modificasse, obedece a constituição de seu País e tudo faz para que as leis emanadas do legislativo sejam justas, e, enquanto em vigor, sejam aplicadas e respeitadas. O maçom iluminado é por definição desobediente civil quando obedece primeiro às leis naturais do Grande Arquiteto do Universo e depois às leis dos homens. Por juramento, o maçom obedece às leis dos homens porque se encontra inserido numa sociedade que, à priori, as define com base na moral de sua sociedade local e com vistas a paz social. Mas, no instante em que ocorre conflito entre uma lei humana e o projeto original do Grande Arquiteto do Universo, ele é forçado a rebelar-se. Como decidirá o que está certo ou errado se não aprende a pensar com lógica e inteligência?

A Maçonaria coloca toda a sua estrutura baseada na fundação de sociedades fraternas onde possa florescer o fundamento da "verdadeira" liberdade a ser sacrificada pelo bem da sociedade. O maçom que conhece a si mesmo e tem a coragem de fugir ao desespero de ser diferente, tudo faz para conservar pura a Constituição de seu país e age para estabelecer triunfo e glória da ordem constituída. Este objetivo só ocorre se ele se modificar. Se não se modificar, os outros também não mudam. Os outros só mudam se ele adquire coragem de mudar a si próprio. Sozinho é trabalho de difícil consecução. Apenas em grupo, na dinâmica social desenvolvida em loja e na sociedade que se obtém a vitalidade de mudar a si mesmo, e, em consequência, com todos aqueles com os quais se convive. Para entender isso é necessário analisar o que se faz na Maçonaria.

O maçom que não entrou na Maçonaria movido por "inclinação para ação política militante, regida por princípios de moralidade barata e movimentada por interesses inconfessáveis" (Ritual do aprendiz maçom), tem o perfil certo para ver a luz; é o homem saudável que almeja em si a liberdade de tornar seu "eu" diferente do que é; usualmente transforma-se num homem melhorado. Se não obtém sucesso na empreitada, passa a desprezar-se; na maioria dos casos, pede afastamento da ordem maçônica. Principalmente quando percebe que não pode tirar vantagens pessoais do fato de ser reconhecido maçom. Também esmorece e se afasta da Maçonaria aquele ao qual falta coragem para passar pelo trauma de abandonar o ignorante "eu" anterior (Kierkegaard). Na Maçonaria o trauma da mudança é revivido a cada iniciação; o maçom morre simbolicamente e reiteradas vezes para condições menos aperfeiçoadas e ressuscita encarnando um "eu" melhorado. É questão de liberdade do cavaleiro humanitário da Francomaçonaria conquistar seu novo "eu"; de modificar-se sem desesperar-se.

O desespero mais fraco em relação à mudança ocorre em função da ignorância sobre o "eu"; condição que desaparece se entendida a iniciação. Ignorância é condição natural do homem. Conhecimento e sabedoria é condição do homem superior. Uma condição elevada normalmente é alcançada pelo iniciado na Maçonaria, desde que conviva com os outros de igual disposição mental. A iniciação não consta apenas da cerimônia onde são feitos juramentos e dramatizações filosóficas, mas das consequências de se ver esclarecido e modificado para colocar o conhecimento maçônico em prática na vida; isto desperta a significação vital do "eu", do "ser"; é a razão da vida do maçom para o bem da sociedade. A cada iniciação o maçom depara-se com um homem novo; com novo propósito. A transformação é difícil; normalmente cercada de angústia e desespero. O maçom só atinge a Liberdade Absoluta depois de alcançar a verdade pelo pensamento; quando toma conhecimento de si mesmo, abandonando condição subserviente, castradora, e abraça outras condições melhoradas. Na caminhada pela Maçonaria, o "eu" anterior que não está alinhado com os princípios morais do grupo que o cerca, passa a ser repudiado. Sensação que piora ao conscientizar-se que não tem liberdade; o poder de afastar de si uma condição decaída; entendida como falta de coragem. A negação de si mesmo para assumir outra condição melhorada é sempre dolorosa porque aflora da noção de que não se é possuidor de si mesmo; é sempre o grupo que influencia e impõem a moral. A filosofia maçônica muda a situação avassaladora quando leva o adepto buscar dentro de si harmonia e paz, o que o leva a desejar aquilo que de fato reforça a modificação; cria novo homem mais espiritualizado.

O maçom potencializa o que realmente pode ser. Ao chegar à Maçonaria ele já tem atendidas as deficiências de suas necessidades fisiológicas como: ar, exercício, calor, bebida, sono, comida etc. Estão igualmente superadas as deficiências de segurança, como: emprego, estabilidade, dinheiro, abrigo, saúde etc. Também já tem satisfeitas as necessidades de amor e pertencimento, como: relacionamentos, aceitação, intimidade, amizade etc. Já está suprido nas carências de autoestima, como: reconhecimento, competência, conquista, respeito etc. Depois de iniciado na Maçonaria ele busca melhorar ou suprir as necessidades relacionadas ao crescimento e modificação do "eu". De seus estudos humanistas iluminados melhora sua necessidade cognitiva, como: conhecer-se, compreender-se etc. Afloram e se intensificam as necessidades de estética, como: ordem, disciplina, beleza, simetria etc. No topo de suas necessidades alcança a autorrealização. A partir deste ponto desenvolve seu "eu" potencial naquilo que faz sem esperar outro reconhecimento que não seja o do trabalho feito sem busca de recompensa, de cumprir seu dever social e cívico sem aguardar por recompensa; basta-lhe a sensação de haver realizado algo bem feito. Seguindo a vereda, aflora o derradeiro estágio das necessidades humanas; aquilo que é possível fazer para o "eu" sentir-se completo: a autotranscedência; ocasião em que passa a ajudar aos outros, ligar-se além de si mesmo, (Maslow) no caso do maçom, tornar-se trabalhador numa confraria de construtores sociais que se ajudam mutuamente. Atendidas estas necessidades e do desejo de ser quem realmente "é", obtém a liberdade de afastar-se do desespero e a coragem de modificar-se; é quando passa a aceitar o que realmente "é". Neste estágio fica fácil aplicar o esforço do pensamento orientado em aceitar a natureza modificável que existe em si. É a senda para o maçom encontrar sua essência natural e o propósito de sua vida.

O não iniciado dificilmente, raramente, conhece o Universo mental que o rodeia e que lhe tolhe a liberdade de modificar-se. O maçom "conhece a si mesmo"; primeira iniciação. Envereda ao nível do "penso, logo existo", pensa, debate e medita mais; segunda iniciação. Efetua a síntese dos problemas com que se confronta; terceira iniciação. E assim vai em frente, galgando sempre mais elevados conceitos e incentivado a modificar o "eu". A força motriz desta evolução é a força mental do maçom reunido em grupo; quando emerge a força energética do grupo pensante cujo poder modificador está em sincronia com o projeto do Grande Arquiteto do Universo. Tal capacidade modificadora pode ser deduzida das leis naturais e diversidade do Espírito Universal. Debaixo dos eflúvios inefáveis deste tipo de manifestação grupal, o maçom vence o desespero e consegue mudar a si mesmo, seu "eu", sem desespero.

As habilidades de convivência social do homem advêm da experiência ao lado dos colegas, família e professores; o maçom obtém o mesmo de seus irmãos em loja. O desenvolvimento humano ocorre nos níveis: cultural, interpessoal e individual. O cultural é de fácil acesso, porém, pouco motivador; a poucos atrai; principalmente aos maçons ainda não iluminados, ainda não iniciados de fato. Ao nível individual sobra pouco tempo e oportunidade; na maioria das vezes o cidadão é alienado de oportunidades de introspecção e meditação; facilmente trocado por: futebol, circo, restaurante e "rock and roll". Para Lev Vygotsky, sobram apenas os níveis cultural e interpessoal com grande possibilidade de modificar o "eu". A pessoa constitui sua identidade em resultado das relações que estabelece com outros; o relacionamento interpessoal é o que mais influi para o maçom mudar seu "eu" interior. Conhecimento e sabedoria são obtidos dos outros em resultado de acumulo de gerações, entretanto, só se coloca este conhecimento em prática na relação com os outros. A principal responsável pela interação social é a internalização das ferramentas culturais que modificam o "eu". Na Maçonaria nem interessa tanto passar conhecimento, senão, propiciar o meio, o laboratório onde os obreiros da nobre arte evolutiva possa multiplicar suas capacidades de aprendizagem, concentração e atenção. Uma sessão maçônica é momento de internalização, particular, introspectiva - o derradeiro encontro com o "eu". É a forma de utilizar da aprendizagem colaborativa, que na Maçonaria só ocorre no ambiente disciplinado de uma sessão maçônica. A isto se soma o pensamento de Jean Piaget: "o homem é resultado do ambiente em que vive"; se o ambiente é bom, disciplinado e ordeiro, as habilidades inatas afloram e manifestam-se, causando internamente a modificação do "eu". É isto que a Maçonaria persegue. Corrobora na linha da aprendizagem colaborativa do interior das lojas maçônicas o pensamento de Robert Slavin que: "identifica nos grupos de aprendizagem cooperativa a capacidade de desenvolver o "eu" quando é reduzida a rivalidade e as situações competitivas"; característica das sessões maçônicas bem conduzidas. A técnica de aprendizagem cooperativa já é utilizada pela Maçonaria há séculos e constitui hoje um conhecimento que nos círculos educacionais foi objeto de estudo sério faz apenas uma década. Os estudiosos e profissionais da área da aprendizagem perceberam que as pessoas que trabalham em pequenos grupos cooperativos, como no caso de uma loja maçônica, desenvolvem, de forma intensa, a troca intelectual que possibilita o pensamento criativo e a solução de problemas complicados. O sistema de aprendizagem e estudo da Maçonaria é perfeito: onde estão as ações? O maçom tem as mais modernas ferramentas de aprendizagem, basta agir conforme.

O grande prêmio do maçom é o desenvolvimento do potencial de pensar por conta própria. Por contar com a Liberdade Absoluta ao pensar, ele surpreende e ultrapassa todos os limites que o cativeiro deste sistema humano de coisas impõe. É o maior estágio de liberdade que se pode atingir de forma consciente. É o que dignifica e realiza o homem, elevando-o acima das outras criaturas viventes na biosfera terrestre. Isto coloca tremenda responsabilidade nos ombros do evolucionista maçom; a de sustentar as leis fundamentais da "verdadeira" liberdade aos especialmente preparados e que o tornam homem equilibrado, sábio e líder social. Feliz do maçom que alcança a iniciação interna onde desenvolve o amor fraterno para honra e à glória do Grande Arquiteto do Universo.


Bibliografia

1. KIERKEGAARD, Sören, o Desespero Humano, Martin Claret, São Paulo, 2001;

2. MASLOW, Abraham, Introdução à Psicologia do Ser, Título Original: Toward a Psychology of Being, Tradução: Álvaro Cabral, primeira Edição, Livraria Eldorado Tijuca limitada., 252 Páginas, Rio de Janeiro;

3. Paraná, Grande Loja do, Ritual do Grau de Aprendiz Maçom do Rito Escocês Antigo e Aceito do Grande Loja do Paraná, Grande Loja do Paraná, 44 Páginas, Curitiba, 1975;

4. PIAGET, Jean William Fritz a Psicologia da Inteligência. Tradução: Egléa de Alencar, Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 239 Páginas, 1958;

5. SLAVIN, Robert E., Cooperative Learning, Theory, Research, and Practice, Englewood Cliffs, New Jersey, Prentice-Hall, 1990;

6. VYGOTSKY, Lev, Formação Social da Mente, São Paulo, Martins Fontes, 1999;

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