O valor do mito.
Charles Evaldo Boller
O maçom reconhece o valor dos heróis, aos quais presta
homenagem e até culto, para que, do exemplo destes construir valor próprio;
autovalor prezado de onde emana autoconhecimento que abre caminho para a
liberdade e condição aperfeiçoada de vida. Herói é ideal; modelo a ser seguido.
Jesus Cristo foi crucificado em resultado de seus pensamentos
discordantes com os mandatários de seu povo; desobedeceu ao poder constituído;
morto, constituiu-se mártir. O alferes Joaquim José da Silva Xavier, o
Tiradentes, foi enforcado e esquartejado porque lhe imputaram a liderança do
movimento contra o extorsivo imposto da coroa portuguesa; morto, não passava de
lesa-pátria.
Qual é a diferença entre os dois? Qual deles foi herói?
Jesus é ícone; símbolo e mito que levou os cristãos a abrirem os olhos para a
luz de significado inefável. Um símbolo que induz ao cérebro a ser convencido
para a harmonia do Universo. Tiradentes foi criado para transformar-se em
ídolo. Inclusive é representado nas pinturas oficiais com semelhança a Jesus
Cristo para transmitir a ideia de herói. Fizeram dele mártir, herói. No Brasil,
depois da expulsão da família real e mudança para o sistema republicano, surgiu
a necessidade de criar-se um ícone, em substituição à família real, que movesse
o coração do povo no sentido de criar um pensamento de hegemonia nacional, um
sentimento pátrio. Os militares da época conceberam a figura de Tiradentes como
herói nacional.
Qual desses dois ícones destaca-se como modelo a ser
seguido? Qual deles impõe uma ordem moral? Se herói é aquele que faz o cidadão
crescer como pessoa em sentido intelectual ou moral, então os dois símbolos
tocam centros vitais que estão fora do contexto da comunicação da razão. Ambos
despertam sentimentos impossíveis de explicar com a razão e impõe uma ordem
moral, cada um a sua maneira. O primeiro, busca a Luz interior, o segundo,
justifica um sistema de governo do homem pelo homem. Ambos são bons. Um é
natural, o outro artificial. A completude do homem é forjada quando o herói, o
símbolo, modifica-o em seus diversos aspectos para a vida e busca da
felicidade. Mesmo o herói forjado numa mentira histórica carrega uma mensagem,
um símbolo que voltado para a imposição de uma ordem moral que modifica,
sustenta. Se a sociedade, onde o homem está imerso, vive em conflito, não
existe felicidade. O ícone muda isso. Diversos são os caminhos para alcançar
este objetivo. Uma delas é a razão alicerçada na espiritualidade. Jesus
desperta os valores internos. O herói fabricado, a exemplo de Tiradentes, forja
valores para criar o espírito de corpo da tribo, da comunidade, da identidade do
povo; nem interessa mais se o que lhe deu origem seja verdade ou mentira,
interessa apenas o símbolo, o efeito modificador e unificador promovido pelo
mito.
Nesta vida, o homem procura significado na experiência de
estar vivo no plano físico. E isto é realizado de tal maneira que a experiência
exterior tenha reflexos imediatos em seu interior, corroborado com a percepção
da realidade mais íntima, de tal forma a conceber a percepção de estar vivo.
Esta formação de ideias está dentro de cada um; é a utilidade dos mitos,
ícones, símbolos e heróis que traduzem uma mensagem de valor moral que faz
crescer e justificar a experiência da vida. Todos os conhecimentos nascem da
experiência; o conhecimento não antecede a experiência. Mito é a manifestação
de um poder modificador, ou sistema de valores aplicável ao indivíduo ou ao
Universo. É da experiência que nasce a metáfora da capacidade espiritual
humana, aplicável tanto para vida animada como inanimada. O conhecimento
empírico nasce das impressões dos sentidos, é onde o mito estabelece relação
com a natureza, o mundo natural onde o homem busca sua significação ou a
interação com determinada sociedade.
Se a sociedade humana está às voltas com dificuldades, é
porque eliminou mitos que edificam ordens morais e nada colocaram em seu lugar.
Acabam com Tiradentes, Cristo e outros ícones para submeter-se às paixões do
mundo virtual, no qual nem humanidade nem divindade são perceptíveis. A
tradição perdeu-se. Não se possui nada para colocar em seu lugar. Os heróis
sempre deram sustentação para a vida do homem. Civilizações foram moldadas e
criadas com ícones que duravam gerações. O indivíduo tinha tempo para analisar
e solucionar os profundos mistérios da caminhada pela vida. Como hodiernamente
o homem não tem o que colocar no lugar dos mitos destruídos pela razão sem
espiritualidade, terá de identificar os mais diversos sinais que encontrar pelo
caminho para formar sua significação existencial. Enquanto isso, ele sofre com
as crises existenciais.
Valorizando os ícones, dos homens que se destacam, e calcado
no comportamento ético-maçônico o maçom é bem-sucedido nos diversos segmentos
de sua atuação. Caminha com as forças de suas próprias pernas porque respeita
os símbolos; regras construídas a partir do autoconhecimento ético, cuja
jornada iniciou em seus primeiros passos na Maçonaria. Isto promove
autodesenvolvimento em todas as frentes e iniciativas em que se lança. Resulta
em bem-estar, boa consciência, ambiente fraterno, progresso profissional e
financeiro. A mudança social cria a ética congruente com o desenvolvimento de
comportamentos de investimento e poupança; é o que define a acumulação de
capital e exerce papel determinante como forma de acumulação da riqueza e
sucesso material.
O exemplo daquele ícone que se destaca na vida baseada na
ética maçônica promove autoeducação ao homem que o emita. Isto se traduz em
conforto e bem-estar debaixo de ambiente fraterno. Para caminhar em sociedade
onde se obtenham estas condições, há necessidade de construir o homem em todas
as suas características internas e externas. Para isso carece-se de modelos,
ícones e heróis. Daí a razão do maçom homenagear os heróis. Valorizar os que se
destacam é a forma de desenvolver e facilitar a construção de ordens morais que
culminam no bem viver.
A Maçonaria estabelece o ambiente próprio onde
relacionamentos se fortalecem, heróis são respeitados e homenageados e o amor,
o laço do perfeito vínculo de união e fraternidade vigora. A experiência traz
conhecimento que se traduz em amor fraterno, característica que foi colocada no
coração do homem pelo Grande Arquiteto do Universo.
Bibliografia
1. CAMPBELL, Joseph, As Máscaras de Deus, Mitologia
Criativa, tradução: Carmen Fischer, ISBN 978-85-60804-10-8, primeira edição,
Palas Athena Editora, 624 páginas, São Paulo, 2010;
2. KANT, Immanuel, Crítica da Razão Pura, tradução: Fulvio
Lubisco, Lucimar A. Coghi Anselmi, ISBN 978-85-274-0927-8, primeira edição,
Ícone Editora, 542 páginas, São Paulo, 2011;
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