Considerações sobre espiritualidade e fatores que contribuem
ao desenvolvimento da pessoa na Maçonaria;
Linhas de pensamentos e formação eclética do maçom.
Charles Evaldo Boller
Para absorver a capacidade de dominar a tendência natural de
tomar a justiça em suas próprias mãos, o maçom desenvolve uma espiritualidade
racional que, aliada à inteligência, possibilita aprendizado superior.
É amplamente conhecido que apenas a sociedade educada, que
valoriza sua cultura e disposta a dominar os segredos de postura mais
tolerante, flexível, desperta para a possibilidade de levar a intolerância e o
fanatismo a níveis insignificantes.
O resultado do combate à intolerância é admitir que a
tolerância absoluta seja impossível; caso contrário seria o fim dela. Se tudo
for tolerado de que serve tolerância? Se aceita que nem sempre algo que é
considerado intolerável seja demonstração de intolerância.
A tolerância é elemento basilar da possibilidade de existir
da própria ordem maçônica. Nasceu em resultado da ação de homens de visão para
propiciar a reunião de pessoas das mais diversas religiões e linhas de
pensamentos filosóficos para, em conjunto, desenvolverem soluções para diversos
problemas da sociedade, que naquela época eram a crueldade resultante de
despotismo, intolerância e fanatismo dos poderes do estado e religião.
Muitos homens e mulheres valorosos foram mortos de forma
cruel apenas porque discordaram de um ou outro extremista que de forma absoluta
exercia poder tirânico. Para manter-se no poder estes senhores da verdade
absoluta e do poder temporal impediam o crescimento em conhecimento do povo,
escravizado em sua força de trabalho e submetido a leis que mudavam conforme a
vontade do títere que exercia o poder absoluto do Estado. Na Maçonaria
descobre-se em maior profundidade que a ninguém, a nenhum ser humano é dado
chamar para si a capacidade de possuir a verdade absoluta em qualquer tema. Daí
o esforço naqueles tempos para neutralizar o poder absolutista da Igreja
Católica Apostólica Romana que forçava o obscurantismo para não perder o poder
secular, o qual compartilhava com os governos dos países onde atuava.
Para o maçom a verdade absoluta só pode emanar do Grande
Arquiteto do Universo. E quando ele descobre esta limitação, passa a crescer de
fato. Não por fingimento ou pelo que o seu grupo social, por coerção social,
lhe impinge nas diversas fases da vida. Quando o maçom atinge a maturidade de
sua espiritualidade ele dispensa todo e qualquer intermediário entre si e a sua
divindade, ou aquilo que ele considera sagrado. Pelo fato de apoiar sua posição
num conceito ao qual denomina Grande Arquiteto do Universo, a Maçonaria é
religiosa, ela religa o homem a sua divindade, mas não é uma religião. Como
acontece isto? Para provar que a afirmação não constitui ambiguidade é
necessário buscar apoio no que significa religião, definindo o que a ordem
maçônica faz em cada definição:
Culto Prestado a uma Divindade
O maçom nunca inicia qualquer tarefa sem dar glória ao
Grande Arquiteto do Universo. A Maçonaria não pratica culto de nenhuma espécie
em sua ritualística. Existem duas linhas doutrinárias comuns e ativas na
Maçonaria:
Deísmo
Considera a razão como a única via capaz de nos assegurar da
existência de Deus, rejeitando, para tal fim, o ensinamento ou a prática de
qualquer religião organizada; como define John Locke.
Teísmo
Comum às religiões monoteístas caracterizadas por afirmar a
existência de um único Deus, de caráter pessoal e transcendente, soberano do
Universo e em intercâmbio com a criatura humana; como define Immanuel Kant.
A única oração, que segue a linha de pensamento teísta, que
faz parte oficial da liturgia maçônica é a efetuada pelo venerável mestre no
início dos trabalhos e a leitura de um versículo do livro da lei, no caso a
bíblia judaico-cristã em lojas de obreiros cristãos; poderia ser qualquer outro
livro sagrado, desde que represente a crença da maioria presente.
Platão foi o criador da teologia ocidental, pelo fato de
lançar as categorias do imaterial, o que permitiu o pensamento do divino
imaterial. A Maçonaria não discute este campo por influência do Iluminismo que
não vê nisso nenhum resultado prático, apenas causa de separações e litígio.
Para ser maçom impõem-se crença num Princípio Criador e vida após a morte.
Fomenta-se o desenvolvimento completo do homem pelo uso da sã racionalidade
dirigida por uma espiritualidade não dogmática. Não se discute Deus em sentido
teológico, pois o conhecimento de um ser desta magnitude não é concebível ao
homem e qualquer tentativa nesta direção leva ao incompreensível, ilógico e
intratável pela razão.
Os pensadores da Maçonaria reconhecem o objetivo de fomentar
nos homens a capacidade de pensar de forma livre, sem imposições externas e em
todos os campos intelectuais e eruditos. Convivem com esotéricos e místicos e
interagem entre si de forma proativa. Esta forma de associação de pessoas da
Maçonaria provoca cada pessoa em sua própria base de adoração numa busca
interna e solitária de sua espiritualidade e conhecimentos.
Crença na Existência de um Ente Supremo Como Causa, Fim ou
Lei Universal
Mesmo em resultado de forte influência teísta, em verdade
Grande Arquiteto do Universo não é considerado pelos Maçons uma entidade, um
ser, é apenas um conceito da existência de um Princípio Criador. Não lhe
prestam culto. Qualquer tentativa em confundir o conceito por uma entidade é
rechaçada porque só resulta em confusão, como é característica das religiões.
É condição indispensável para a admissão na ordem que o
cidadão acredite em um ente supremo e numa vida após a morte - Landemarques 19
e 20 - e Grande Arquiteto do Universo não é o Deus de qualquer religião, é
apenas um conceito que cada obreiro materializa conforme sua própria crença. Na
verdade, apesar de ser praticado por maioria cristã, é comum este conceito
aplicar-se a Deus da Bíblia judaico-cristã, cujo nome hodierno é Jeová, mas o
conceito genérico representa qualquer Deus, de qualquer religião, seja ela cristã
ou não.
Conceito de Grande Arquiteto do Universo
É um erro denominar a Maçonaria a "Ordem do Grande
Arquiteto do Universo", escrever Grande Arquiteto do Universo sem a
tripontuação ou outra forma abreviada ou não escrita por extenso - a designação
não corresponde a uma entidade, mas estritamente a um conceito.
É induzido no maçom que nenhum homem foi lançado por acaso
em meio ao caos e à arbitrariedade ao despertar em si que pertence a uma ordem
superior de criaturas, uma maravilhosa sinfonia da vida onde cada um constrói o
seu próprio Deus à sua maneira, de acordo com sua herança cultural, de acordo
com a sua religião, seja esta uma interpretação antropomórfica ou não.
Grande Arquiteto do Universo é causa, a razão de ser da
vida, criador da ordem no Universo, o bem e tem relação com a ordem moral. A
concepção mais comum é a que considera Grande Arquiteto do Universo como
garante da ordem moral do mundo, onde mesmo como criador da ordem natural, não
tem nenhuma responsabilidade sobre a ordem moral que é confiada ao
livre-arbítrio da criatura. Se os eventos aleatórios, bons ou maus, o
comportamento moral do homem, fossem da vontade do Grande Arquiteto do
Universo, Este estaria negando a autenticidade de sua criação, não a teria
criado para ter vida e intelecto independente e gozando de livre-arbítrio.
Na prática veem-se manifestações dentro da ordem maçônica
que oscilam entre o Deísmo de John Locke e o teísmo de Immanuel Kant, estas
diferenças são toleradas, podem até ser invocadas, porém nunca discutidas ou
veneradas, algo impensável em qualquer religião.
Conjunto de Dogmas e Práticas Próprias de uma Confissão
Religiosa
Apesar das leis basilares emanadas dos Landemarques 19 e 20
constituírem dogmas; crença num ente supremo e numa vida futura, estes dogmas
não sofrem nenhum tipo de adoração ou tradução em ato de fé.
Os místicos que fazem parte da ordem maçônica introduziram
miríades de conceituações e rituais que não são parte integrante da base da
ritualística e liturgia maçônica. Inconveniente que Albert Pike, em 1871,
considerou como "em muitos aspectos também corrompidos pelo tempo,
desfigurados por adições modernas e por interpretações absurdas",
referindo-se às modificações que aos três primeiros graus do Rito Escocês
Antigo e Aceito foram submetidos.
É do entendimento maçônico a especulação de que o corpo não
morrerá e que continuará perpetuamente vivo, onde a vida continua, haja vista
que todos têm moléculas em comum com o restante dos seres viventes da biosfera,
bem como guardam entre si os princípios básicos da organização vital. A mente
encarnada leva à dedução da espiritualidade também fazer parte do corpo, porque
os conceitos e metáforas estão profundamente misturados neste caldeirão de vida
da biosfera. Todos os seres vivos pertencem ao Universo no qual estão em sua
própria residência, e o perceber desta realidade, deste fazer parte de um
projeto gigante e complexo dá um profundo sentido a vida. O espírito, o sopro
da vida que mora em cada um, é o que todos têm em comum com os seres viventes.
É esta que alimenta a todos e os mantêm vivos. Uns mais evoluídos outros menos,
mas todos pertencentes a um ser vivo imenso composto de uma imensa variedade de
seres individuais, interdependentes entre si. A relação existe desde as
criaturas monocelulares até o homem no topo da cadeia evolucional.
Manifestação de Crença por Meio de Doutrinas e Rituais
Próprios
Não existe na Maçonaria doutrina de profissão fé, apenas o
desenvolvimento de princípios morais e de conduta em resultado de estórias,
ficções, que representam princípios morais a serem cultivados; não são
praticados rituais de adoração, apenas de circulação, respeito e
posicionamento.
O que existe são influências de quatro linhas do pensamento:
o místico e o esotérico que praticam cerimoniais vindos de antigas escolas
místicas ou práticas de magia; a autêntica e a antropológica que seguem
rigorosamente posição neutra em relação à adoração, dogmas, proselitismo e
religiões; praticam a Maçonaria como preconizada por seus autores que visavam
obter independência dos poderes eclesiásticos para evoluir o homem em
humanismo, ciência e racionalidade; estas duas últimas são as principais
vertentes evolutivas da ordem maçônica.
Mesmo que as linhas de pensamento místico e o esotérico
fossem enxertados na ritualística maçônica especulativa depois do advento da
Maçonaria no século XVI, todas são necessárias para permitir a evolução
daqueles que estão agarrados ao materialismo ou fantasias de Deuses e dogmas
impossíveis de compreender pela sã racionalidade. As tendências misturam-se e
cada linha de pensamento expõem seus pensamentos aos demais resultando uma
mistura de pensamentos que oscilam em todas as direções, algo impensável em
qualquer religião ou estado. Mesmo que um maçom de orientação mecanicista não
alcance o pensamento do irmão místico ou esotérico, não surgem maiores
problemas de convívio e todos se complementam; o que falta em um o outro
conclui ou melhora. É como diz o provérbio brasileiro "cada um puxa a
brasa para a sua sardinha" e sem ferir susceptibilidades.
Filiação a um Sistema Específico de Pensamento ou Crença que
Envolve uma Posição Filosófica, Ética, Metafísica
Estuda-se filosofia em sentido lato, de qualquer origem,
eclética, para extrair o que existe de bom em cada uma e formar bons
princípios; existe uma ética própria, como em qualquer classe profissional,
haja vista a ordem maçônica derivar de antigas organizações de talhadores de
pedra; obedece aos conceitos metafísicos do platonismo que infere uma
libertação total para o campo da ideia, racional; perceptível com a mente e
imperceptível aos sentidos. Dependendo da escola de pensamento que o maçom
segue este raciocínio se inverte, existindo aqueles que desenvolvem mais os
sentidos, sensibilidades em detrimento da racionalidade. É um caldeirão efervescente
de pensamentos onde todos gozam da mais ampla liberdade de expressão.
Cada maçom já possui sua própria forma de adoração; o
cristão torna-se melhor cristão, o maometano um melhor maometano. A própria
cerimônia de iniciação na Maçonaria é um ensaio para a saída dos homens do
estado de minoridade devido a eles mesmos e que conduz para uma madureza
revelada pela luz, a sabedoria. Onde esta minoridade é a incapacidade de usar a
própria capacidade intelectual sem a orientação de outro. O iniciando é vendado
e conduzido o tempo todo por um guia. E essa minoridade será debitada a cada um
se não for causada por deficiência da capacidade de pensar por si próprio, por
falta de decisão, falta de coragem para utilizar do intelecto como seu guia, ou
ainda por simples indolência.
Os maçons são permanentemente provocados a ousarem a
utilização de seus próprios intelectos; alguns assim agem, outros, mesmo no
decurso de muitos anos ainda remanescem adormecidos na minoridade. Então, não
basta ser iniciado na ordem maçônica, a verdadeira iniciação ocorre dentro do
intelecto e emocionalidade, e para isto há necessidade de estudar, discutir,
pensar, enfim, honrar o avental e trabalhar muito.
Quadro Final
O maçom evoluído busca o equilíbrio consigo, com os outros e
o meio-ambiente. É dotado de motivação para a prática de virtudes, não por
obrigação, mas por sentimento de dever cumprido. Não demonstra receio de
punições num mundo após sua morte, se faz algo, certo ou errado, está
consciente que tanto a recompensa como o castigo o alcançarão enquanto estiver
vivo. Aplaca paixões desenfreadas a níveis insignificantes. Equilibra e libera
suas paixões dentro de limites que tornem a vida bela e prazerosa. É moderado
até no falar e expor suas ideias, sem ser subserviente, arrogante, ou adulador
oportunista. Fala com franqueza e clareza sempre contando com a indulgência de
seus pares para os momentos em que seu pensamento seguir veredas de pensamentos
ilógicos e até incongruentes. Nunca existe espaço para Intolerância e
fanatismo.
Em função de sua condição e estado neurofisiológico é
cordial não só com seus irmãos em loja, mas com toda a coletividade, mesmo que
sua reação contra a violência e o mal demonstrem o contrário; com a ignorância,
o fanatismo e a intolerância não existe comiseração - o maçom usa de sua
espada, a sua língua e do escudo da verdade para destruir os títeres que surgem
e almejam escravizar o homem. Expressa fora da Maçonaria a atuação de sua condição
de vida melhorada para a população ao seu redor e alicerçado nos princípios que
absorveu na ordem. É moderado, discreto e tem como objetivo principal da vida a
busca de um espírito desenvolvido para honra e à glória do Grande Arquiteto do
Universo.
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