Uma Reflexão Maçônica Sobre o Governo Interior, a Harmonia Social e o Religar-se ao Grande Arquiteto do Universo
O ensaio propõe uma reflexão profunda sobre o despertar do
cidadão livre, reinterpretando os desafios sociais como símbolos da jornada
interior ensinada pela Maçonaria. Em vez de esperar salvadores externos, o
texto convida o leitor a governar a si mesmo, compreendendo que a transformação
do mundo começa na lapidação da própria consciência. A crítica ao mecanicismo
cartesiano abre caminho para uma visão mais orgânica e interdependente da
realidade, dialogando com a física quântica, o pensamento oriental e o
simbolismo do Grande Arquiteto do Universo. Cada indivíduo é visto como um
templo vivo, formado por átomos que vibram em busca de sentido,
responsabilidade e liberdade. A síntese entre ética, ciência, espiritualidade e
cidadania revela que o governo, interno e externo, nasce
da luz interior. Um convite para pensar, sentir e construir um mundo
melhor a partir de si mesmo.
O Político como Alegoria: o Governante Interno e o Governante Externo
·
O político externo, representante das estruturas
sociais;
·
O político interno, arquétipo psicológico que
governa nossos impulsos, escolhas e prioridades.
No hermetismo, encontramos a máxima: "Assim como é dentro, é fora".
Os governos exteriores refletem, de certo modo, o grau de
maturidade dos governos interiores. Uma sociedade composta por indivíduos
preguiçosos e medrosos tenderá a eleger líderes frágeis, manipuladores ou
ineficientes. Uma sociedade composta por homens lúcidos, autodisciplinados e
éticos tenderá a eleger governantes igualmente lúcidos, autodisciplinados e
éticos. Assim, a transformação social não começa nas urnas, mas no Templo
interior.
O político interno, esse "gestor da alma", é responsável por harmonizar: razão e emoção,
interesse próprio e interesse coletivo, instinto e ética, ambição e serviço.
A Maçonaria chama esse equilíbrio de governo de si mesmo,
conceito que remonta a Platão, Aristóteles e aos estoicos. Platão, em sua
República, descreve a cidade justa como reflexo da alma justa. Aristóteles
define a política como "ciência da
felicidade", mas reconhece que só um homem virtuoso pode contribuir
para uma comunidade virtuosa. Nesse sentido, o político externo só será
realmente bom quando o político interno, dentro de cada cidadão, for iluminado.
A formação de um cidadão livre exige mais do que leis,
estruturas públicas ou modelos econômicos; exige antes de tudo a lapidação de
uma consciência desperta, que reconheça sua própria dignidade e o valor
sagrado de participar da vida coletiva. Em linguagem maçônica, poderíamos dizer
que a regeneração política e social começa na câmara do meio, no interior do homem,
onde a Luz supera as sombras, onde o Espírito se ergue sobre a inércia e a
ignorância.
Ao se mencionar a letargia de um povo e a necessidade de um
governante que ame sua pátria, oferece-se uma metáfora preciosa: a sociedade
como organismo vivo necessita de indivíduos despertos, capazes de assumir o
próprio destino com responsabilidade. A Maçonaria ensina justamente isso: cada
homem deve acordar para realizar sua parte, e só então emergirá uma comunidade
mais justa, equilibrada e fraterna.
Este ensaio expande essa ideia para além da política estatal,
transformando-a em reflexão simbólica, ancorada na filosofia clássica, no
esoterismo maçônico, na física quântica e no humanismo universal.
A Herança Oculta: o Passado como Pedra Bruta da Sociedade
Toda sociedade carrega um passado, e esse passado age sobre ela
como uma tradição que molda, restringe, inspira ou paralisa. Assim como o
Aprendiz deve reconhecer as irregularidades de sua pedra bruta, o cidadão
precisa compreender as irregularidades de sua cultura.
No Brasil (e em qualquer país), há uma herança psicológica
coletiva que produz dependência, passividade e expectativas irreais. Em termos
simbólicos, poderíamos chamar isso de inércia da matéria bruta, a tendência do espírito
adormecido de esperar que forças externas resolvam aquilo que só pode ser
resolvido por esforço interno.
A Maçonaria não nega o auxílio mútuo, mas ensina que: a liberdade
nasce do trabalho, da disciplina e do aprimoramento interior.
Como nos lembra Kant, o homem esclarecido é aquele que ousa
pensar por si mesmo. Mas para ousar é preciso coragem, virtude rara em
sociedades habituadas a delegar tudo a terceiros, sejam líderes políticos,
religiosos ou intelectuais.
A tradição maçônica, por sua vez, sempre exaltou a autonomia
moral, a capacidade de agir com discernimento próprio. No simbolismo do Grau 1,
o maço e o cinzel indicam que nenhum mestre externo pode lapidar a pedra em
nosso lugar.
Assim, a metáfora social se torna clara: enquanto a cidadania
esperar que outros construam o país, o país continuará sendo apenas uma
promessa.
O Mecanismo Relojoeiro e a Ilusão da Máquina Social
Descartes é ponto de virada de uma visão mecanicista[1] do mundo. De fato, o
racionalismo cartesiano impregnou a ciência, a filosofia e, por extensão, a
política com uma ideia sedutora: o Universo seria uma máquina, um relógio
perfeito. Essa metáfora produziu avanços extraordinários na física clássica,
mas também uma cegueira perigosa: a ignorância de que a vida é mais do que
engrenagens previsíveis.
Na física quântica moderna, essa visão ruiu. O elétron não é
uma esfera girando; é uma probabilidade, uma onda, um estado que depende do
observador. O mundo subatômico não se comporta como relógio, mas como tecido
vivo, vibrante, interdependente, exatamente como diziam os antigos místicos
orientais e como sugere a tradição iniciática.
Se a natureza não é um mecanismo estático, por que insistimos
em tratar a sociedade como máquina quebrada que pode ser consertada trocando
engrenagens?
A Maçonaria considera o Universo um organismo vivo governado
pela inteligência do Grande Arquiteto do Universo, não um relógio montado por
um relojoeiro distante.
Como dizia Hermes Trismegisto: "O Universo é mental".
E como ensina o Rito Escocês: "O Templo é vivo, porque quem o constrói também é vivo".
O mecanicismo político, que reduz pessoas a números, grupos a
estatísticas e problemas a gráficos, é ideologia tão limitadora quanto a
superstição que Descartes buscou superar.
A Interdependência Quântica e a Esfera da Fraternidade
Os orientais possuem uma percepção profunda da
interdependência. O budismo, por exemplo, ensina o princípio da co-originação
dependente: nada existe isoladamente.
A física quântica chega à mesma conclusão por meio do entrelaçamento
quântico: duas partículas podem permanecer correlacionadas
independentemente da distância espacial.
Essas ideias aparecem diretamente no simbolismo maçônico.
O pavimento mosaico nos lembra que: claro e escuro, bem e mal,
ordem e caos, indivíduo e sociedade.
Não são entidades independentes, mas opostos complementares em
eterna dança.
A cadeia de união, presente em sessões maçônicas, simboliza
essa interdependência fundamental. Cada irmão é elo indispensável. Se um irmão falha,
a cadeia enfraquece; se todos se fortalecem, a cadeia se torna indestrutível.
Da mesma forma, uma sociedade só prospera quando seus cidadãos
reconhecem sua união profunda, e o político se torna, então, mero servidor de
uma força maior: a fraternidade universal.
O Despertar do Cidadão Maçom: da Letargia à Ação Consciente
Considerando a letargia de um povo, aqui entendida como a
sonolência espiritual que afeta todas as eras. No simbolismo maçônico,
despertar significa passar da: ignorância para o conhecimento, passividade para
a responsabilidade, heteronomia para a autonomia, dispersão para o foco, sombra
para a luz.
O maçom é convidado a trabalhar diariamente para superar: preguiça
intelectual, dependência emocional, culpa paralisante, crenças infantis,
ilusões políticas.
O trabalho maçônico, silencioso, persistente, invisível,
torna-se modelo para o cidadão livre.
Sugestões práticas, em linguagem simbólica:
·
Acender a luz interior, dedicar 10
minutos por dia à meditação, reflexão ou leitura inspiradora.
·
Afinar o compasso moral, avaliar decisões
sempre pela tríade: é justo? É útil? É belo?
·
Polir a pedra bruta, superar um hábito
negativo por mês (procrastinação, impulsividade, dispersão).
·
Construir o templo social, realizar
pequenas ações de impacto: ensinar alguém, orientar um jovem, ajudar
discretamente.
·
Seguir o rumo pela estrela flamejante,
traçar um plano de vida baseado em propósito, não em reatividade.
O cidadão desperto compreende que não precisa de um salvador
externo, porque o Templo que precisa ser construído é o que existe dentro e ao
redor de si.
A Religião Interior e o Religar-se ao Grande Arquiteto do Universo
Surge a ideia de que é necessário religar-se a uma "mente
brilhante por trás de tudo". É a intuição ancestral da presença do Grande
Arquiteto do Universo.
Na Maçonaria, essa expressão: não define um deus específico,
não impõe dogmas, não descreve figura antropomórfica.
É conceito filosófico: síntese da ordem cósmica, da razão
universal, da harmonia natural, da inteligência criadora, do mistério que
sustenta o ser.
Religar-se ao Grande Arquiteto do Universo significa religar-se
a: natureza, ética, fraternidade, beleza, propósito, silêncio interior,
sabedoria tradicional.
No plano político-social, isso implica cultivar uma
espiritualidade racional, que reconhece: o valor da vida, a dignidade humana, a
interdependência universal, o dever de servir, a busca do bem comum.
Quando o cidadão se religa ao Princípio, o político externo
perde a arrogância e se torna instrumento. A sociedade se transforma não
pela força das leis, mas pela força da consciência coletiva.
O Homem como Relógio e como Cosmos
Para concluir a metáfora cartesiana, podemos afirmar: o homem é
relógio? Apenas em sua estrutura, não em sua alma. O mundo é máquina? Apenas em
seus aspectos mensuráveis, não em seu mistério.
Somos formados por átomos, sim, mas estes não são tijolos de
matéria morta, são vibrações, possibilidades, campos de energia, ecos do Big
Bang.
Cada maçom, cada cidadão, cada ser humano é fragmento
consciente do cosmos tentando compreender-se a si mesmo.
Assim, "deste monte
de átomos amalgamados em criatura humana", torna-se aqui símbolo
sublime: somos poeira estelar que despertou para a ética, para o amor fraternal
e para a responsabilidade de construir um mundo melhor.
E esse despertar é, em essência, o
trabalho da Maçonaria.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Base para a
discussão da virtude como caminho para o bem comum e para o aperfeiçoamento do
caráter;
2.
BLAVATSKY, Helena P. A Doutrina Secreta.
Importante para o entendimento do simbolismo da interdependência, da mente
cósmica e da natureza viva, afinado ao conceito de Grande Arquiteto do
Universo;
3.
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. Fundamental
para integrar física quântica, espiritualidade e sistemas orgânicos ao
pensamento social e filosófico;
4.
DESCARTES, René. Discurso do Método. Base
estrutural da visão mecanicista moderna. Importante para entender a crítica ao
pensamento cartesiano e sua influência política e social;
5.
EINSTEIN, Albert. Textos sobre Relatividade e
Sobre o Humanismo. Contribui para a visão não-mecanicista do Universo e para
reflexões éticas sobre responsabilidade humana;
6.
JUNG, Carl. Tipos Psicológicos. Base para
compreender o político interno como arquétipo psicológico, não apenas figura
externa;
7.
KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é
Esclarecimento? Clássico sobre autonomia intelectual e coragem de pensar por si
mesmo, essencial à formação do cidadão livre;
8.
LAO-TSÉ. Tao Te Ching. Obra central da visão
oriental da interdependência, relacionando-se à crítica ao mecanicismo e à
valorização da harmonia;
9.
PLATÃO. A República. Referência fundamental para
compreender a ligação entre alma individual e cidade justa. Inspirou as
reflexões sobre o "político interno";
10. WILMSHURST, W. Bro. The Meaning of
Masonry. Obra maçônica clássica que enfatiza o caminho interior do maçom
e sua responsabilidade social;
[1]
Mecanicismo, doutrina filosófica, também adotada como princípio
heurístico na pesquisa científica, que concebe a natureza como uma máquina, que
obedece a relações de causalidade necessárias, automáticas e previsíveis,
constituídas pelo movimento e interação de corpos materiais no espaço;

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