quarta-feira, 12 de novembro de 2025

O Despertar do Cidadão Livre

 Charles Evaldo Boller

Uma Reflexão Maçônica Sobre o Governo Interior, a Harmonia Social e o Religar-se ao Grande Arquiteto do Universo

O ensaio propõe uma reflexão profunda sobre o despertar do cidadão livre, reinterpretando os desafios sociais como símbolos da jornada interior ensinada pela Maçonaria. Em vez de esperar salvadores externos, o texto convida o leitor a governar a si mesmo, compreendendo que a transformação do mundo começa na lapidação da própria consciência. A crítica ao mecanicismo cartesiano abre caminho para uma visão mais orgânica e interdependente da realidade, dialogando com a física quântica, o pensamento oriental e o simbolismo do Grande Arquiteto do Universo. Cada indivíduo é visto como um templo vivo, formado por átomos que vibram em busca de sentido, responsabilidade e liberdade. A síntese entre ética, ciência, espiritualidade e cidadania revela que o governo, interno e externo, nasce da luz interior. Um convite para pensar, sentir e construir um mundo melhor a partir de si mesmo.

O Político como Alegoria: o Governante Interno e o Governante Externo

·         O político externo, representante das estruturas sociais;

·         O político interno, arquétipo psicológico que governa nossos impulsos, escolhas e prioridades.

No hermetismo, encontramos a máxima: "Assim como é dentro, é fora".

Os governos exteriores refletem, de certo modo, o grau de maturidade dos governos interiores. Uma sociedade composta por indivíduos preguiçosos e medrosos tenderá a eleger líderes frágeis, manipuladores ou ineficientes. Uma sociedade composta por homens lúcidos, autodisciplinados e éticos tenderá a eleger governantes igualmente lúcidos, autodisciplinados e éticos. Assim, a transformação social não começa nas urnas, mas no Templo interior.

O político interno, esse "gestor da alma", é responsável por harmonizar: razão e emoção, interesse próprio e interesse coletivo, instinto e ética, ambição e serviço.

A Maçonaria chama esse equilíbrio de governo de si mesmo, conceito que remonta a Platão, Aristóteles e aos estoicos. Platão, em sua República, descreve a cidade justa como reflexo da alma justa. Aristóteles define a política como "ciência da felicidade", mas reconhece que só um homem virtuoso pode contribuir para uma comunidade virtuosa. Nesse sentido, o político externo só será realmente bom quando o político interno, dentro de cada cidadão, for iluminado.

A formação de um cidadão livre exige mais do que leis, estruturas públicas ou modelos econômicos; exige antes de tudo a lapidação de uma consciência desperta, que reconheça sua própria dignidade e o valor sagrado de participar da vida coletiva. Em linguagem maçônica, poderíamos dizer que a regeneração política e social começa na câmara do meio, no interior do homem, onde a Luz supera as sombras, onde o Espírito se ergue sobre a inércia e a ignorância.

Ao se mencionar a letargia de um povo e a necessidade de um governante que ame sua pátria, oferece-se uma metáfora preciosa: a sociedade como organismo vivo necessita de indivíduos despertos, capazes de assumir o próprio destino com responsabilidade. A Maçonaria ensina justamente isso: cada homem deve acordar para realizar sua parte, e só então emergirá uma comunidade mais justa, equilibrada e fraterna.

Este ensaio expande essa ideia para além da política estatal, transformando-a em reflexão simbólica, ancorada na filosofia clássica, no esoterismo maçônico, na física quântica e no humanismo universal.

A Herança Oculta: o Passado como Pedra Bruta da Sociedade

Toda sociedade carrega um passado, e esse passado age sobre ela como uma tradição que molda, restringe, inspira ou paralisa. Assim como o Aprendiz deve reconhecer as irregularidades de sua pedra bruta, o cidadão precisa compreender as irregularidades de sua cultura.

No Brasil (e em qualquer país), há uma herança psicológica coletiva que produz dependência, passividade e expectativas irreais. Em termos simbólicos, poderíamos chamar isso de inércia da matéria bruta, a tendência do espírito adormecido de esperar que forças externas resolvam aquilo que só pode ser resolvido por esforço interno.

A Maçonaria não nega o auxílio mútuo, mas ensina que: a liberdade nasce do trabalho, da disciplina e do aprimoramento interior.

Como nos lembra Kant, o homem esclarecido é aquele que ousa pensar por si mesmo. Mas para ousar é preciso coragem, virtude rara em sociedades habituadas a delegar tudo a terceiros, sejam líderes políticos, religiosos ou intelectuais.

A tradição maçônica, por sua vez, sempre exaltou a autonomia moral, a capacidade de agir com discernimento próprio. No simbolismo do Grau 1, o maço e o cinzel indicam que nenhum mestre externo pode lapidar a pedra em nosso lugar.

Assim, a metáfora social se torna clara: enquanto a cidadania esperar que outros construam o país, o país continuará sendo apenas uma promessa.

O Mecanismo Relojoeiro e a Ilusão da Máquina Social

Descartes é ponto de virada de uma visão mecanicista[1] do mundo. De fato, o racionalismo cartesiano impregnou a ciência, a filosofia e, por extensão, a política com uma ideia sedutora: o Universo seria uma máquina, um relógio perfeito. Essa metáfora produziu avanços extraordinários na física clássica, mas também uma cegueira perigosa: a ignorância de que a vida é mais do que engrenagens previsíveis.

Na física quântica moderna, essa visão ruiu. O elétron não é uma esfera girando; é uma probabilidade, uma onda, um estado que depende do observador. O mundo subatômico não se comporta como relógio, mas como tecido vivo, vibrante, interdependente, exatamente como diziam os antigos místicos orientais e como sugere a tradição iniciática.

Se a natureza não é um mecanismo estático, por que insistimos em tratar a sociedade como máquina quebrada que pode ser consertada trocando engrenagens?

A Maçonaria considera o Universo um organismo vivo governado pela inteligência do Grande Arquiteto do Universo, não um relógio montado por um relojoeiro distante.

Como dizia Hermes Trismegisto: "O Universo é mental".

E como ensina o Rito Escocês: "O Templo é vivo, porque quem o constrói também é vivo".

O mecanicismo político, que reduz pessoas a números, grupos a estatísticas e problemas a gráficos, é ideologia tão limitadora quanto a superstição que Descartes buscou superar.

A Interdependência Quântica e a Esfera da Fraternidade

Os orientais possuem uma percepção profunda da interdependência. O budismo, por exemplo, ensina o princípio da co-originação dependente: nada existe isoladamente.

A física quântica chega à mesma conclusão por meio do entrelaçamento quântico: duas partículas podem permanecer correlacionadas independentemente da distância espacial.

Essas ideias aparecem diretamente no simbolismo maçônico.

O pavimento mosaico nos lembra que: claro e escuro, bem e mal, ordem e caos, indivíduo e sociedade.

Não são entidades independentes, mas opostos complementares em eterna dança.

A cadeia de união, presente em sessões maçônicas, simboliza essa interdependência fundamental. Cada irmão é elo indispensável. Se um irmão falha, a cadeia enfraquece; se todos se fortalecem, a cadeia se torna indestrutível.

Da mesma forma, uma sociedade só prospera quando seus cidadãos reconhecem sua união profunda, e o político se torna, então, mero servidor de uma força maior: a fraternidade universal.

O Despertar do Cidadão Maçom: da Letargia à Ação Consciente

Considerando a letargia de um povo, aqui entendida como a sonolência espiritual que afeta todas as eras. No simbolismo maçônico, despertar significa passar da: ignorância para o conhecimento, passividade para a responsabilidade, heteronomia para a autonomia, dispersão para o foco, sombra para a luz.

O maçom é convidado a trabalhar diariamente para superar: preguiça intelectual, dependência emocional, culpa paralisante, crenças infantis, ilusões políticas.

O trabalho maçônico, silencioso, persistente, invisível, torna-se modelo para o cidadão livre.

Sugestões práticas, em linguagem simbólica:

·         Acender a luz interior, dedicar 10 minutos por dia à meditação, reflexão ou leitura inspiradora.

·         Afinar o compasso moral, avaliar decisões sempre pela tríade: é justo? É útil? É belo?

·         Polir a pedra bruta, superar um hábito negativo por mês (procrastinação, impulsividade, dispersão).

·         Construir o templo social, realizar pequenas ações de impacto: ensinar alguém, orientar um jovem, ajudar discretamente.

·         Seguir o rumo pela estrela flamejante, traçar um plano de vida baseado em propósito, não em reatividade.

O cidadão desperto compreende que não precisa de um salvador externo, porque o Templo que precisa ser construído é o que existe dentro e ao redor de si.

A Religião Interior e o Religar-se ao Grande Arquiteto do Universo

Surge a ideia de que é necessário religar-se a uma "mente brilhante por trás de tudo". É a intuição ancestral da presença do Grande Arquiteto do Universo.

Na Maçonaria, essa expressão: não define um deus específico, não impõe dogmas, não descreve figura antropomórfica.

É conceito filosófico: síntese da ordem cósmica, da razão universal, da harmonia natural, da inteligência criadora, do mistério que sustenta o ser.

Religar-se ao Grande Arquiteto do Universo significa religar-se a: natureza, ética, fraternidade, beleza, propósito, silêncio interior, sabedoria tradicional.

No plano político-social, isso implica cultivar uma espiritualidade racional, que reconhece: o valor da vida, a dignidade humana, a interdependência universal, o dever de servir, a busca do bem comum.

Quando o cidadão se religa ao Princípio, o político externo perde a arrogância e se torna instrumento. A sociedade se transforma não pela força das leis, mas pela força da consciência coletiva.

O Homem como Relógio e como Cosmos

Para concluir a metáfora cartesiana, podemos afirmar: o homem é relógio? Apenas em sua estrutura, não em sua alma. O mundo é máquina? Apenas em seus aspectos mensuráveis, não em seu mistério.

Somos formados por átomos, sim, mas estes não são tijolos de matéria morta, são vibrações, possibilidades, campos de energia, ecos do Big Bang.

Cada maçom, cada cidadão, cada ser humano é fragmento consciente do cosmos tentando compreender-se a si mesmo.

Assim, "deste monte de átomos amalgamados em criatura humana", torna-se aqui símbolo sublime: somos poeira estelar que despertou para a ética, para o amor fraternal e para a responsabilidade de construir um mundo melhor.

E esse despertar é, em essência, o trabalho da Maçonaria.

Bibliografia Comentada

1.      ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Base para a discussão da virtude como caminho para o bem comum e para o aperfeiçoamento do caráter;

2.      BLAVATSKY, Helena P. A Doutrina Secreta. Importante para o entendimento do simbolismo da interdependência, da mente cósmica e da natureza viva, afinado ao conceito de Grande Arquiteto do Universo;

3.      CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. Fundamental para integrar física quântica, espiritualidade e sistemas orgânicos ao pensamento social e filosófico;

4.      DESCARTES, René. Discurso do Método. Base estrutural da visão mecanicista moderna. Importante para entender a crítica ao pensamento cartesiano e sua influência política e social;

5.      EINSTEIN, Albert. Textos sobre Relatividade e Sobre o Humanismo. Contribui para a visão não-mecanicista do Universo e para reflexões éticas sobre responsabilidade humana;

6.      JUNG, Carl. Tipos Psicológicos. Base para compreender o político interno como arquétipo psicológico, não apenas figura externa;

7.      KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é Esclarecimento? Clássico sobre autonomia intelectual e coragem de pensar por si mesmo, essencial à formação do cidadão livre;

8.      LAO-TSÉ. Tao Te Ching. Obra central da visão oriental da interdependência, relacionando-se à crítica ao mecanicismo e à valorização da harmonia;

9.      PLATÃO. A República. Referência fundamental para compreender a ligação entre alma individual e cidade justa. Inspirou as reflexões sobre o "político interno";

10.  WILMSHURST, W. Bro. The Meaning of Masonry. Obra maçônica clássica que enfatiza o caminho interior do maçom e sua responsabilidade social;



[1] Mecanicismo, doutrina filosófica, também adotada como princípio heurístico na pesquisa científica, que concebe a natureza como uma máquina, que obedece a relações de causalidade necessárias, automáticas e previsíveis, constituídas pelo movimento e interação de corpos materiais no espaço;

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