A morte não é inimiga da vida, mas sua mestra silenciosa. Fugir
dela é simples: basta compreender que a vida começa quando o medo termina. O
maçom, ao longo de sua jornada, aprende a morrer para viver, e, ao fazê-lo,
conquista a única imortalidade que importa: a da consciência
desperta.
A Dialética do Fim e do Recomeço
A morte, tema que perpassa todas as tradições humanas, é o
ponto de convergência entre o mistério e o medo, o finito e o eterno. Fugir da
morte, como ironizou Sócrates diante de seus discípulos, não é difícil; o que é
realmente difícil é escapar à maldade, essa força corrosiva que atravessa a
existência humana e, muitas vezes, mata o espírito antes do corpo. A morte
física, dizia o filósofo, é apenas o termo natural da vida; mas a morte moral é
a ruína da alma.
Na Maçonaria, esta distinção é central: o homem morre muitas
vezes, não biologicamente, mas simbolicamente, e cada uma dessas mortes é uma
iniciação. Morre o profano para nascer o iniciado; morre o ignorante para
nascer o sábio; morre o egoísta para nascer o servidor. Assim, a Arte Real
converte a morte em metáfora da transformação,
como um rito contínuo de regeneração espiritual e intelectual.
A Morte na Perspectiva Filosófica e Maçônica
Desde os tempos pré-históricos, o homem buscou compreender a
morte, tentando inseri-la em um horizonte de sentido. Os antigos egípcios, com
suas tumbas adornadas, não celebravam o fim, mas o começo de uma nova jornada.
A tumba, revestida de hieróglifos e oferendas, era uma biblioteca simbólica de
instruções para o espírito que atravessaria o "Duat", o outro mundo. O "Livro dos Mortos" era, na verdade, o "Livro de Saída para a Luz",
expressão que surge na Maçonaria quando o neófito é conduzido "da escuridão para a Luz".
O que o Egito chamava de renascimento do Ka, a Maçonaria chama
de iniciação. Ambas as tradições partem da ideia de que a morte não é
aniquilação, mas transmutação. O maçom aprende a "morrer bem", não no sentido físico, mas como exercício
constante de desapego, purificação e preparação para níveis mais elevados de
consciência.
Sócrates e o Paradigma do Destemor
A serenidade de Sócrates diante da cicuta é um arquétipo de
sabedoria iniciática. Em seu último discurso, no Fédon, ele ensina que o
filósofo deve, durante toda a vida, aprender a morrer. O exercício filosófico
é, em essência, uma preparação para libertar a alma das correntes do corpo e da
ignorância. Para Sócrates, a morte não é o fim, mas o desatamento das amarras
que prendem a alma ao mundo sensível.
Na perspectiva maçônica, esta lição traduz-se no simbolismo do
"Sepulcro do Mestre Hiram Abif",
o arquétipo da fidelidade e da ressurreição espiritual. O Mestre é "morto" pela ignorância, pela inveja
e pela ambição, as três paixões humanas simbolizadas pelos maus companheiros,
mas renasce pela força dos irmãos que o buscam com amor e sabedoria. Fugir da
morte, portanto, não é o objetivo; o que se busca é a superação da morte
pela consciência.
A Ciência e a Religião Diante da Morte
O conflito entre ciência e religião acerca da morte é, na
verdade, um falso dilema. A ciência descreve a decomposição da matéria; a
religião busca o destino do espírito. Ambas falam de realidades complementares.
Na física quântica, o princípio da conservação da energia nos
lembra que nada se perde, tudo se transforma. A energia vital que anima o corpo
não desaparece; ela muda de forma, de frequência, de campo. O que para a
biologia é morte, para a Metafísica é transmutação vibracional.
O mesmo conceito encontra respostas na Maçonaria, que ensina
que o homem é um microcosmo, reflexo do macrocosmo universal. Assim, quando a
centelha divina se recolhe, o corpo retorna ao pó, mas a luz interior retorna
ao Grande Arquiteto do Universo, fonte de todas as energias. A morte,
portanto, é apenas a reintegração do fragmento ao Todo.
A Psicologia do Medo e a Educação do Espírito
Do ponto de vista psicológico, o medo da morte é o medo da
perda de controle, da dissolução do "eu".
Viktor Frankl, sobrevivente de Auschwitz, afirmou que o homem não teme o fim em
si, mas teme uma vida sem sentido. A Maçonaria, ao oferecer ao iniciado um
caminho simbólico de aperfeiçoamento, combate justamente essa angústia
existencial. Ensina-lhe que viver bem é preparar-se serenamente para morrer, e
que a morte não é o contrário da vida, mas parte de sua própria estrutura.
Em termos andragógicos, a instrução maçônica oferece ao maçom
instrumentos para lidar com a finitude. Cada ritual é uma lição de
autotranscendência: o "silêncio" do aprendiz ensina a aceitar
o inevitável; o trabalho do Companheiro simboliza o esforço contínuo de lapidação;
e a contemplação do Mestre traduz a serenidade diante do ciclo completo da
existência. Assim, a loja torna-se uma escola de maturidade emocional e
espiritual.
A Dupla Natureza da Morte: Fim e Transcendência
A filosofia clássica oferece duas abordagens complementares da
morte. Epicuro via nela apenas a ausência de sensação: "a morte nada é para nós, pois enquanto
existimos, ela não existe; e quando ela existe, nós não mais existimos".
Já Platão, em contrapartida, concebia a alma como imortal, prisioneira
temporária do corpo.
A Maçonaria concilia essas visões aparentemente opostas.
Reconhece o caráter finito da forma, mas afirma a eternidade da essência. O
corpo físico é o templo perecível; o espírito é o arquiteto imortal que, ao
findar uma obra, passa a outra. A cada reencarnação simbólica, a cada iniciação,
o maçom aprende a reconstruir seu templo com materiais mais nobres, até que
finalmente alcance a "Grande Obra",
a união com o Princípio.
Religião, Mito e o Anseio pela Imortalidade
As religiões sempre procuraram domesticar a morte com
narrativas de esperança. No Cristianismo, Cristo vence a morte pela
ressurreição; no Egito, Osíris renasce após ser despedaçado por Set; na
tradição persa, Mitra nasce da rocha para libertar o homem da escuridão. Todas
essas histórias são expressões simbólicas de um mesmo arquétipo: a passagem da morte para a vida, das trevas para a Luz.
A Maçonaria herda esse arquétipo e o transforma em rito: o
neófito é conduzido "da morte para a
Luz" por meio da Iniciação. Morre para o mundo profano e renasce como
um ser consciente de sua própria divindade interior. É o que Blavatsky chamou
de "morte iniciática", a
descida ao interior do ser é seguida da ascensão à consciência
superior.
Física Quântica e Transcendência: o Campo Unificado da Vida
Os avanços da física moderna aproximam-se surpreendentemente
das antigas concepções esotéricas. A teoria quântica do campo unificado sugere
que toda a matéria é uma manifestação de energia em vibração, e que o
observador participa ativamente na criação da realidade. A morte, nesse
contexto, seria apenas uma mudança de estado energético, uma alteração de
frequência no oceano quântico.
Do ponto de vista hermético, esta ideia já estava expressa na
Tábua de Esmeralda: "Nada morre,
tudo se transforma". O maçom, ao compreender essa lei, transcende o
medo da morte. Ele sabe que a energia que o constitui é eterna, e que cada ato,
cada pensamento, cada emoção deixa uma ressonância no campo universal. Assim, viver
é perpetuar-se no invisível.
Aplicações Andragógicas: Aprender a Morrer, Aprender a Viver
Na educação maçônica, inspirada na andragogia, o adulto é visto
como sujeito de experiência. Ensinar-lhe a "morrer bem" é ensiná-lo a desapegar-se de velhos hábitos,
crenças e ilusões. Em cada sessão de Loja, o maçom é convidado a deixar do lado
de fora seus apegos, símbolo do ego, do orgulho, da vaidade, e entrar no templo
desnudo de falsas identidades. Este gesto simples é uma lição de morte simbólica e de renascimento
interior.
O método andragógico também implica reflexão e diálogo. Discutir
sobre a morte em Loja não é mórbido, mas libertador. Ao encarar o tema com
serenidade, o maçom aprende a viver com propósito, cultivando valores que
sobrevivem ao tempo: a virtude, o amor fraterno, a verdade, a justiça. A
Loja é um laboratório de transcendência, onde se aprende a converter o medo em
sabedoria.
Metáforas e Exemplos Práticos
A borboleta que abandona o casulo não morre: apenas muda de
forma. Assim também o homem que, ao final da vida, abandona o corpo para
assumir novas dimensões. O medo da morte é como o medo da aurora para quem
viveu sempre na noite, não é o fim, mas o início de outra claridade.
Na prática, o maçom que compreende este ensinamento torna-se
mais compassivo, menos apegado a disputas e rancores. Ele sabe que o tempo é
curto e precioso; que cada gesto pode ser o último; e que a única herança é
o bem que se faz. Fugir da morte, nesse sentido, é simplesmente viver de
modo a não morrer nunca na memória dos justos.
Ética, Moral e Liberdade Diante da Morte
Farias Brito afirmava que "cada um é a todo o momento criação de si mesmo". A morte,
portanto, não é apenas biológica, mas ética. Morremos um pouco cada vez que
traímos nossos princípios; renascemos quando agimos conforme a consciência. A liberdade e a felicidade, dizia
o filósofo cearense, não são dádivas, mas conquistas do espírito.
Na Loja, esse princípio se manifesta na prática do dever. Ser
fiel à palavra dada, cumprir com os juramentos, respeitar a vida, tudo isso é
aprender a morrer com dignidade. A liberdade é a serenidade diante do fim,
fruto de uma existência coerente e plena de sentido.
A Morte Simbólica de Hiram Abif
O mito central do Rito Escocês Antigo e Aceito, a morte e
ressurreição de Hiram Abif, é uma síntese de todos os mistérios da morte. O
Mestre Hiram, construtor do Templo de Salomão, é assassinado por três
companheiros que simbolizam a ignorância, a inveja e a ambição. Enterrado no
silêncio, ele é reencontrado e erguido à vida pela Palavra Perdida, símbolo da Verdade eterna.
Cada maçom revive esse drama em sua jornada pessoal. A morte de
Hiram é a morte do ego; sua ressurreição é o despertar do Eu superior. Ao
compreender que a Palavra Perdida é a sabedoria interior, o iniciado aprende
que a morte não destrói a essência, apenas a transforma.
A Sociedade Contemporânea e o Tabu da Morte
A modernidade tenta esconder a morte. Hospitais isolam os
moribundos; a publicidade glorifica a juventude eterna; e a tecnologia promete
prolongar a vida indefinidamente. Todavia, ao negar a morte, o homem nega
também a vida. A Maçonaria, ao contrário, convida-o a olhar de frente o mistério e a reconciliar-se com a finitude.
Num mundo em que tudo é efêmero, o maçom deve ser o exemplo de
equilíbrio. Saber que a vida é breve é o primeiro passo para valorizá-la. O
tempo torna-se, então, um instrumento sagrado, uma régua de 24 polegadas a ser
usada com sabedoria: oito horas para o trabalho, oito para o descanso, oito
para o aperfeiçoamento espiritual. Assim se constrói o Templo do Tempo.
Ciência da Consciência e a Sobrevivência do Ser
As investigações da neurociência contemporânea, somadas aos
estudos da consciência quântica, têm desafiado a visão materialista da morte.
Experiências de quase-morte, fenômenos de consciência ampliada e relatos de
memória extracorpórea sugerem que a mente pode existir independentemente do
cérebro.
A Maçonaria, sem dogmatizar, acolhe essas descobertas como
estímulo ao pensamento livre. Não afirma nem nega, mas convida a investigar. O
princípio da Verdade, gravado no coração do iniciado, exige que ele una razão e
intuição, ciência e fé, para compreender que a morte é apenas uma fronteira
tênue entre planos de manifestação.
O Legado Espiritual: Viver para não Morrer
O ensinamento final da Maçonaria é simples e grandioso: viver
de tal modo que a morte não destrua o que fomos. O homem morre, mas sua
obra permanece, não apenas a obra material, mas a influência benéfica que
exerceu sobre os outros. O sábio morre, mas sua luz continua iluminando
consciências.
Na linguagem hermética, isto é a imortalidade da vibração. Cada
pensamento elevado, cada ato de amor, cada gesto de justiça projeta-se no campo
quântico da humanidade. Fugir da morte, portanto, é transcendê-la pela
virtude.
A Arte de Morrer para Viver
Fugir da morte, afinal, é simples, basta não temê-la.
Difícil é fugir da ignorância, da maldade e do egoísmo que matam a alma em
vida. O iniciado aprende a morrer a cada dia: morre para o erro e renasce para
a Verdade; morre para o ódio e renasce para o amor; morre para o mundo profano
e renasce para o sagrado.
A morte, na Arte Real, é o maior de todos os mestres.
Ela ensina humildade, urgência e sabedoria. Ensina que o templo exterior pode
ruir, mas o templo interior é eterno. E
quando o último alento se extinguir, o iniciado saberá, como Sócrates, que nada
há a temer, pois a morte é apenas a passagem para outra Luz, o reencontro com o
Grande Arquiteto do Universo.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. De Anima. Define a alma como forma
do corpo, inaugurando a reflexão sobre a unidade entre matéria e espírito, cara
à tradição esotérica ocidental;
2.
Bíblia
Judaico-cristã, tradução de João Ferreira de Almeida, versão revista e
atualizada, Eclesiastes 9:5-10; João 11:25. Fontes bíblicas que inspiram tanto
o pessimismo existencial quanto a esperança espiritual; ambas reinterpretadas
sob a luz maçônica como etapas de um mesmo aprendizado;
3.
BLAVATSKY, Helena P. A Doutrina Secreta.
Apresenta a morte como transição vibracional, em conformidade com os princípios
herméticos e com a física quântica moderna;
4.
BRITO, Farias. Finalidade do Mundo. Obra-síntese
do pensamento espiritualista brasileiro; relaciona liberdade e consciência à
superação da morte interior;
5.
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. Explica
o ciclo mítico de morte e renascimento como processo universal de
autotranscendência;
6.
FRANKL, Viktor. Em Busca de Sentido. Demonstra
que o homem pode suportar qualquer sofrimento se encontrar um propósito,
inclusive o medo da morte;
7.
HEISENBERG, Werner. Física e Filosofia. Discorre
sobre a relação entre observador e fenômeno, sugerindo paralelos entre a física
quântica e o conceito maçônico de "criação
pela mente";
8.
JASPERS, Karl. Filosofia da Existência. Defende
a ideia de transcendência como dimensão constitutiva do ser humano, aproximando
o existencialismo da Metafísica iniciática;
9.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of
Freemasonry. Analisa a morte como símbolo da regeneração moral e
espiritual do iniciado;
10. PLATÃO.
Fédon. Diálogo fundamental sobre a imortalidade da alma e a serenidade diante
da morte; base filosófica para o simbolismo maçônico da passagem e da
purificação;

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