sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Intolerância e Fanatismo: uma Reflexão Filosófico-maçônica Sobre os Limites da Razão, da Fé e da Liberdade

 Charles Evaldo Boller

Síntese

Entre a luz e a sombra do espírito humano, a Maçonaria ergue-se como escola de equilíbrio, ensinando que a força não está em impor verdades, mas em lapidar a intolerância pela razão e o fanatismo pela sabedoria. Neste ensaio, o maçom é visto como operário da harmonia, que busca o ponto de ouro entre fé e inteligência, ciência e espiritualidade. Inspirado em Platão, Kant e na física quântica, o texto revela como o Grande Arquiteto do Universo é símbolo da ordem moral e cósmica, e como a tolerância, longe de ser fraqueza, é o poder de compreender sem se render. Trata-se de um convite à reflexão sobre o livre-pensamento, a ética do dever e a arte de construir o templo interior, onde o homem, iluminado pela razão e guiado pelo amor, vence as trevas da ignorância e ascende à verdadeira liberdade.

O Limiar Entre o Racional e o Espiritual

A intolerância é a sombra que persegue a luz da razão. O fanatismo é o fogo que consome a alma quando esta deixa de buscar o equilíbrio e entrega-se à cegueira do dogma. O maçom, viajante do espírito e operário do templo interior, é desafiado a compreender que o combate à intolerância não se dá pela negação da diferença, mas pelo exercício da lucidez, pela aceitação da imperfeição humana e pela prática constante da harmonia interior. A Maçonaria, como escola simbólica e filosófica, ergue-se justamente nesse limiar entre o racional e o espiritual, onde o homem é convidado a despertar de sua minoridade e aprender a dominar a si mesmo para, então, dominar o mundo, não pela força, mas pela sabedoria.

A Gênese da Intolerância e o Despertar Maçônico

Desde as primeiras civilizações, o homem demonstrou a tendência de tomar a justiça em suas próprias mãos. Essa propensão, movida pelo instinto de sobrevivência e reforçada pela ilusão do poder, foi sendo refinada ao longo dos séculos em ideologias políticas, teológicas e culturais. O maçom, ao ser iniciado, é colocado diante do desafio de submeter essa natureza instintiva ao império da razão iluminada pela espiritualidade.

Na linguagem simbólica da Maçonaria, essa passagem é representada pelo ato de desbastar a pedra bruta, ou seja, de lapidar os impulsos primitivos por meio da inteligência e da reflexão ética. Dominar a intolerância é um processo de iniciação permanente, uma forma de alquimia interior em que o chumbo das paixões é transmutado no ouro da temperança.

A intolerância nasce do medo, e o medo é filho da ignorância. O fanatismo, por sua vez, é a cristalização dessa ignorância em forma de certeza absoluta. A tarefa maçônica é dissolver essas cristalizações, reabrindo as janelas do pensamento para a ventilação da dúvida e da busca. Como dizia Voltaire, "a dúvida é um estado incômodo, mas a certeza é ridícula."

O maçom aprende, assim, que a Verdade é um caminho e não uma posse, e que a sabedoria consiste em caminhar com humildade sob a luz das múltiplas interpretações possíveis da realidade.

A Tolerância como Fundamento da Liberdade e da Fraternidade

A tolerância é um dos pilares da Ordem Maçônica porque é a condição para a existência da liberdade e da fraternidade. Uma Loja Maçônica é, por definição, um espaço plural, onde se reúnem homens de diferentes religiões, ideologias e origens culturais para trabalharem juntos em nome da Verdade e do Bem. Essa convivência seria impossível sem a prática consciente da tolerância, não a tolerância passiva do indiferente, mas a tolerância ativa do sábio que reconhece no outro um espelho de si mesmo.

Entretanto, a tolerância absoluta é impossível, pois a própria razão indica que tolerar o intolerável seria destruir o próprio princípio da harmonia. Como afirmava Karl Popper em seu "Paradoxo da Tolerância", uma sociedade que tolera a intolerância acaba por ser destruída por ela. Assim, o maçom entende que há limites éticos e racionais à tolerância: é lícito rejeitar o erro, o fanatismo e o despotismo, não com ódio, mas com firmeza e discernimento.

A tolerância não é permissividade, mas compreensão. Não é fraqueza, mas força moral. É o exercício do equilíbrio, que na filosofia clássica é o ponto de ouro entre o excesso e a falta, entre o vício e a virtude, segundo Aristóteles. A Maçonaria ensina que a moderação é a marca do homem sábio, aquele que não se deixa arrastar pelo radicalismo nem pela apatia, mas que age com prudência, guiado pela luz da razão e pelo amor à humanidade.

O Iluminismo e a Espiritualidade Racional

A Maçonaria moderna nasceu no século XVIII, sob a influência direta do Iluminismo, movimento filosófico que proclamou a autonomia da razão e o valor universal da liberdade. Naquele contexto histórico, a intolerância religiosa e o fanatismo político assolavam a Europa: guerras de religião, tribunais da Inquisição e absolutismos monárquicos. Foi nesse cenário que os maçons propuseram algo revolucionário, a convivência pacífica entre diferentes crenças sob a égide da razão e da moral natural.

O maçom é herdeiro de uma espiritualidade racional, que une fé e inteligência, sem permitir que uma anule a outra. A espiritualidade maçônica não é dogmática nem teológica: é uma experiência interior de religação (religare) do homem com o princípio criador, o Grande Arquiteto do Universo. Este, por sua vez, não é um deus sectário, mas um símbolo da ordem cósmica, da harmonia universal, do logos platônico e do princípio organizador que a ciência moderna chama de energia, campo ou consciência quântica.

Assim, o Grande Arquiteto pode ser compreendido tanto sob o prisma do Deísmo de Locke, que reconhece uma inteligência racional que ordena o universo, quanto sob o Teísmo ético de Kant, que vê em Deus a garantia da ordem moral. A Maçonaria, ao tolerar ambas as visões, eleva-se acima das disputas religiosas, unificando-as no plano da ética e do humanismo.

A Religião, a Ciência e o Símbolo Maçônico

A Maçonaria não é uma religião, mas é religiosa no sentido de religar o homem ao Sagrado. Sua ritualística não é culto, mas método de ensino que se utiliza de símbolos. Em vez de dogmas, propõe alegorias; em vez de fé cega, propõe reflexão. Cada símbolo é uma lição, e cada ritual é um exercício de autoconhecimento.

A oração do venerável mestre no início dos trabalhos não é súplica, mas meditação; a leitura do livro da lei não é imposição doutrinária, mas convite à introspecção. Assim, o maçom aprende a reconhecer a sacralidade em todas as tradições, vendo em cada religião um raio da mesma luz que emana do Sol central do Universo.

Na linguagem da física quântica, poderíamos dizer que o Grande Arquiteto do Universo representa o campo unificado de energia e consciência do qual todas as partículas, seres e galáxias são manifestações temporárias. Como a partícula e a onda coexistem no mesmo quantum, o homem e o divino coexistem na mesma trama energética do cosmos. A intuição mística do místico se encontra, portanto, com a formulação científica do físico: ambos buscam o Uno no múltiplo, a harmonia no caos, a ordem na incerteza.

O maçom moderno deve compreender que ciência e espiritualidade não se opõem, mas se complementam. Einstein dizia que "a ciência sem religião é manca, e a religião sem ciência é cega". Assim também é o maçom que não equilibra razão e fé: ou se torna fanático, ou se torna cético árido. A síntese superior é a do sábio, que compreende o Universo como templo e a razão como instrumento de adoração.

A Ética do Livre-pensamento

O maçom é convidado a pensar por si mesmo. Essa liberdade intelectual, contudo, exige disciplina moral e responsabilidade. Kant, em seu famoso ensaio "Resposta à pergunta: O que é o Iluminismo?", define a maioridade como "a saída do homem de sua menoridade, da qual ele é o próprio culpado". Essa menoridade é a incapacidade de usar o entendimento sem a direção de outro. Na iniciação maçônica, o neófito é conduzido por um guia, símbolo da dependência intelectual e espiritual. Ao receber a Luz, ele é chamado a caminhar com os próprios pés, guiado pela própria consciência, apropriando-se de sua autonomia.

Entretanto, muitos permanecem na minoridade mesmo após anos de Loja. Ser iniciado não é o mesmo que ser iluminado. A iniciação é interior, ocorre depois da cerimônia de iniciação do primeiro grau, na mente e no coração. Exige estudo, reflexão e trabalho sobre si mesmo. O Avental é o símbolo dessa labuta: é o uniforme do operário que trabalha incessantemente na edificação de seu templo moral.

A liberdade de pensar não é o direito de dizer qualquer coisa, mas o dever de buscar a Verdade com honestidade e respeito. É nesse ponto que o livre-pensamento se encontra com a andragogia: o maçom aprende por experiência, reflexão e diálogo. O aprendizado em Loja é coletivo e horizontal: cada irmão é ao mesmo tempo mestre e aprendiz, mesmo o aprendiz, nesses momentos, torna-se facilitador do aprendizado dos demais irmãos. O método andragógico da Maçonaria consiste em provocar, não em doutrinar; em questionar, não em impor.

O Equilíbrio como Antídoto ao Fanatismo

A vida maçônica é um exercício permanente de equilíbrio: entre razão e emoção, entre liberdade e disciplina, entre individualidade e fraternidade. O fanático é aquele que perde esse equilíbrio, entregando-se a uma única dimensão da realidade. Ele é como o viajante que, fascinado pela luz de uma estrela, esquece o caminho sob seus pés e cai no abismo.

O maçom, ao contrário, aprende a ser moderado até no falar e no pensar. A moderação não é fraqueza, mas domínio. Como dizia Epicteto, "nenhum homem é livre se não é senhor de si mesmo". O poder do maçom é o poder sobre si: a capacidade de conter a ira, de controlar o ego, de sublimar as paixões em energia criadora.

A física quântica oferece aqui uma bela metáfora: a dualidade onda-partícula ensina que a realidade depende do observador. Da mesma forma, o fanático vê o mundo como partícula, rígido, fixo, absoluto, enquanto o sábio o percebe como onda, fluido, mutável, interdependente. A tolerância é, pois, a consciência da interconexão de todas as coisas. O que fere o outro fere o todo. O que destrói uma crença destrói também a liberdade de crer.

A Virtude Ativa e o Dever Interior

O maçom, iniciado, evoluído, não age por medo do castigo nem por esperança de recompensa, mas por dever moral. Sabe que o bem praticado é sua própria recompensa, e que o mal cometido é seu próprio tormento. Não deposita no além o juízo de seus atos, mas assume aqui e agora a responsabilidade de suas escolhas. Assim, a Maçonaria o conduz do teísmo infantil ao humanismo ético, onde o Grande Arquiteto do Universo é compreendido como a própria consciência moral universal.

A prática da virtude não é renúncia ao prazer, mas sua sublimação. O maçom deve equilibrar suas paixões, não as suprimir. A paixão é o fogo do malho; o cinzel é a razão que lhe dá forma. O excesso destrói; a falta paralisa. A sabedoria está no ponto médio, onde a energia da vida se transforma em arte e beleza.

A Fraternidade como Ciência da Convivência

Em Loja, a fraternidade é o laboratório da convivência humana. É ali que o maçom aprende a lidar com a diferença, a resolver conflitos, a exercitar a paciência e o amor fraternal. O ambiente ritualístico funciona como um campo energético, uma egrégora, na linguagem esotérica, onde os pensamentos e emoções dos irmãos se somam e criam um espaço de alta vibração espiritual. Essa egrégora é sensível à harmonia ou à discórdia: uma palavra dura pode perturbar o campo, enquanto um gesto de compaixão pode elevá-lo.

A física quântica moderna descreve fenômenos semelhantes no entrelaçamento quântico[1] (entanglement): partículas separadas continuam conectadas por uma informação invisível. Assim também os maçons: unidos por um ideal comum, permanecem ligados por laços sutis de pensamento e intenção, mesmo quando distantes. A fraternidade, portanto, é uma forma de ciência espiritual, a ciência das vibrações do amor e da consciência.

O Templo da Tolerância

O maçom constrói um templo invisível dentro de si, pedra por pedra, gesto por gesto. Cada ato de tolerância é uma coluna erguida; cada vitória sobre o fanatismo é um vitral que se abre à Luz. O inimigo não está fora, mas dentro: é a intolerância que habita o coração humano, o orgulho travestido de convicção, a cegueira que confunde fé com Verdade.

Combater a intolerância é, portanto, um trabalho interior de lapidação e de amor. É transformar o caos em cosmos, o grito em silêncio, a divisão em harmonia. O fanático busca converter os outros; o sábio busca converter-se a si mesmo. O maçom, operário do espírito, sabe que a revolução é a do coração iluminado pela razão.

A Verdade é Infinita

O maçom combate a intolerância não pela espada, mas pela Luz da consciência. Ele compreende que o fanatismo é o entulho que impede a construção do templo interior e que a liberdade é a de pensar com humildade, sentir com equilíbrio e agir com amor. Tolerar é compreender que a Verdade é infinita, e que cada homem, em seu trabalho silencioso, talha uma pedra diferente do mesmo templo universal do Grande Arquiteto do Universo.

Bibliografia comentada

1.      ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Fundamenta a virtude da moderação e o conceito do meio-termo, essência do equilíbrio maçônico;

2.      BLAVATSKY, Helena P. Glossário Teosófico. Fornece conceitos esotéricos úteis à compreensão da egrégora e da estrutura energética da Loja;

3.      CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. Analisa o processo de iniciação e autotransformação presente nos rituais simbólicos da Maçonaria;

4.      EINSTEIN, Albert. O Mundo como Eu o Vejo. Apresenta a visão do Universo como uma totalidade ordenada e espiritual, conciliando ciência e fé;

5.      EPICTETO. Manual de Vida. Oferece base para o domínio de si e a serenidade estoica presentes na conduta do maçom;

6.      Heisenberg, Werner. A Parte e o Todo. Relaciona a física quântica à filosofia, ajudando a compreender a unidade entre observador e realidade;

7.      KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é o Iluminismo? Texto seminal para compreender a ideia de "maioridade" e a importância da autonomia da razão na filosofia maçônica;

8.      LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Fundamenta o Deísmo racional que inspira a noção maçônica do Grande Arquiteto como causa primeira;

9.      POPPER, Karl. A Sociedade Aberta e Seus Inimigos. Discute o paradoxo da tolerância e os limites éticos do liberalismo;

10.  VOLTAIRE. Tratado sobre a Tolerância. Obra essencial do espírito iluminista que moldou a ética maçônica da convivência e do livre-pensamento;



[1] O entrelaçamento quântico é um fenômeno da mecânica quântica onde duas ou mais partículas subatômicas se tornam tão interligadas que o estado de uma instantaneamente afeta o estado da outra, não importa a distância entre elas. Essa conexão é tão forte que uma partícula não pode ser descrita sem a outra. Por exemplo, se duas partículas entrelaçadas compartilham a propriedade de "spin" e uma é medida como girando no sentido horário, a outra imediatamente assume o sentido anti-horário, mesmo a milhões de anos-luz de distância;

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