Síntese
Entre a luz e a sombra do espírito humano, a Maçonaria ergue-se
como escola de equilíbrio, ensinando que a força não está em impor verdades,
mas em lapidar a intolerância pela razão e o fanatismo pela sabedoria. Neste
ensaio, o maçom é visto como operário da harmonia, que busca o ponto de ouro
entre fé e inteligência, ciência e espiritualidade. Inspirado em Platão, Kant e
na física quântica, o texto revela como o Grande Arquiteto do Universo é
símbolo da ordem moral e cósmica, e como a tolerância, longe de ser fraqueza, é
o poder de compreender sem se render. Trata-se de um convite à reflexão sobre o
livre-pensamento, a ética do dever e a arte de construir o templo interior,
onde o homem, iluminado pela razão e guiado pelo amor, vence as trevas da
ignorância e ascende à verdadeira liberdade.
O Limiar Entre o Racional e o Espiritual
A intolerância é a sombra que persegue a luz da razão. O
fanatismo é o fogo que consome a alma quando esta deixa de buscar o equilíbrio
e entrega-se à cegueira do dogma. O maçom, viajante do espírito e operário do
templo interior, é desafiado a compreender que o combate à intolerância não se
dá pela negação da diferença, mas pelo exercício da lucidez, pela aceitação da
imperfeição humana e pela prática constante da harmonia interior. A Maçonaria,
como escola simbólica e filosófica, ergue-se justamente nesse limiar entre o
racional e o espiritual, onde o homem é convidado a despertar de sua minoridade
e aprender a dominar a si mesmo para, então, dominar o mundo, não pela força,
mas pela sabedoria.
A Gênese da Intolerância e o Despertar Maçônico
Desde as primeiras civilizações, o homem demonstrou a tendência
de tomar a justiça em suas próprias mãos. Essa propensão, movida pelo instinto
de sobrevivência e reforçada pela ilusão do poder, foi sendo refinada ao longo
dos séculos em ideologias políticas, teológicas e culturais. O maçom, ao ser
iniciado, é colocado diante do desafio de submeter essa natureza instintiva ao
império da razão iluminada pela espiritualidade.
Na linguagem simbólica da Maçonaria, essa passagem é
representada pelo ato de desbastar a pedra bruta, ou seja, de lapidar os impulsos primitivos por meio da inteligência e da
reflexão ética. Dominar a intolerância é um processo de iniciação
permanente, uma forma de alquimia interior em que o chumbo das paixões é
transmutado no ouro da temperança.
A intolerância nasce do medo, e o medo é filho da ignorância. O
fanatismo, por sua vez, é a cristalização dessa ignorância em forma de certeza
absoluta. A tarefa maçônica é dissolver essas cristalizações, reabrindo as
janelas do pensamento para a ventilação da dúvida e da busca. Como dizia
Voltaire, "a dúvida é um estado
incômodo, mas a certeza é ridícula."
O maçom aprende, assim, que a Verdade é um caminho e não uma
posse, e que a sabedoria consiste em caminhar com humildade sob a luz das
múltiplas interpretações possíveis da realidade.
A Tolerância como Fundamento da Liberdade e da Fraternidade
A tolerância é um dos pilares da Ordem Maçônica porque é a
condição para a existência da liberdade e da fraternidade. Uma Loja Maçônica é,
por definição, um espaço plural, onde se reúnem homens de diferentes religiões,
ideologias e origens culturais para trabalharem juntos em nome da Verdade e do
Bem. Essa convivência seria impossível sem a prática consciente da tolerância,
não a tolerância passiva do indiferente, mas a tolerância
ativa do sábio que reconhece no outro
um espelho de si mesmo.
Entretanto, a tolerância absoluta é impossível, pois a própria
razão indica que tolerar o intolerável seria destruir o próprio princípio da
harmonia. Como afirmava Karl Popper em seu "Paradoxo da Tolerância", uma sociedade que tolera a
intolerância acaba por ser destruída por ela. Assim, o maçom entende que há
limites éticos e racionais à tolerância: é lícito rejeitar o erro, o fanatismo
e o despotismo, não com ódio, mas com firmeza e discernimento.
A tolerância não é permissividade, mas compreensão. Não
é fraqueza, mas força moral. É o exercício do equilíbrio, que na filosofia
clássica é o ponto de ouro entre o excesso e a falta, entre o vício e a
virtude, segundo Aristóteles. A Maçonaria ensina que a moderação é a marca do
homem sábio, aquele que não se deixa arrastar pelo radicalismo nem pela apatia,
mas que age com prudência, guiado pela luz da razão e pelo amor à humanidade.
O Iluminismo e a Espiritualidade Racional
A Maçonaria moderna nasceu no século XVIII, sob a influência
direta do Iluminismo, movimento filosófico que proclamou a autonomia da razão e
o valor universal da liberdade. Naquele contexto histórico, a intolerância
religiosa e o fanatismo político assolavam a Europa: guerras de religião,
tribunais da Inquisição e absolutismos monárquicos. Foi nesse cenário que os
maçons propuseram algo revolucionário, a convivência pacífica entre diferentes
crenças sob a égide da razão e da moral natural.
O maçom é herdeiro de uma espiritualidade racional, que une fé
e inteligência, sem permitir que uma anule a outra. A espiritualidade maçônica
não é dogmática nem teológica: é uma experiência interior de religação
(religare) do homem com o princípio criador, o Grande Arquiteto do Universo.
Este, por sua vez, não é um deus sectário, mas um símbolo da ordem cósmica, da
harmonia universal, do logos platônico e do princípio organizador que a ciência
moderna chama de energia, campo ou consciência quântica.
Assim, o Grande Arquiteto pode ser compreendido tanto sob o
prisma do Deísmo de Locke, que reconhece uma inteligência racional que ordena o
universo, quanto sob o Teísmo ético de Kant, que vê em Deus a garantia da ordem
moral. A Maçonaria, ao tolerar ambas as visões, eleva-se acima das disputas
religiosas, unificando-as no plano da ética e do humanismo.
A Religião, a Ciência e o Símbolo Maçônico
A Maçonaria não é uma religião, mas é religiosa no sentido de
religar o homem ao Sagrado. Sua ritualística não é culto, mas método de ensino
que se utiliza de símbolos. Em vez de dogmas, propõe alegorias; em vez de fé
cega, propõe reflexão. Cada símbolo é uma lição, e cada ritual é um exercício
de autoconhecimento.
A oração do venerável mestre no início dos trabalhos não é
súplica, mas meditação; a leitura do livro da lei não é imposição doutrinária,
mas convite à introspecção. Assim, o maçom aprende a reconhecer a sacralidade
em todas as tradições, vendo em cada religião um raio da mesma luz que emana do
Sol central do Universo.
Na linguagem da física quântica, poderíamos dizer que o Grande
Arquiteto do Universo representa o campo unificado de energia e consciência do
qual todas as partículas, seres e galáxias são manifestações temporárias. Como
a partícula e a onda coexistem no mesmo quantum, o homem e o divino coexistem
na mesma trama energética do cosmos. A intuição mística do místico se encontra,
portanto, com a formulação científica do físico: ambos buscam o Uno no
múltiplo, a harmonia no caos, a ordem na incerteza.
O maçom moderno deve compreender que ciência e espiritualidade
não se opõem, mas se complementam. Einstein dizia que "a ciência sem religião é manca, e a religião
sem ciência é cega". Assim também é o maçom que não equilibra razão e
fé: ou se torna fanático, ou se torna cético árido. A síntese superior é a do
sábio, que compreende o Universo como templo e a razão como instrumento de
adoração.
A Ética do Livre-pensamento
O maçom é convidado a pensar por si mesmo. Essa liberdade
intelectual, contudo, exige disciplina moral e responsabilidade. Kant, em seu
famoso ensaio "Resposta à pergunta: O que é o Iluminismo?", define a
maioridade como "a saída do homem de
sua menoridade, da qual ele é o próprio culpado". Essa menoridade é a
incapacidade de usar o entendimento sem a direção de outro. Na iniciação
maçônica, o neófito é conduzido por um guia, símbolo da dependência intelectual
e espiritual. Ao receber a Luz, ele é chamado a caminhar com os próprios pés,
guiado pela própria consciência, apropriando-se de sua autonomia.
Entretanto, muitos permanecem na minoridade mesmo após anos de
Loja. Ser iniciado não é o mesmo que ser iluminado. A iniciação é interior,
ocorre depois da cerimônia de iniciação do primeiro grau, na mente e no
coração. Exige estudo, reflexão e trabalho sobre si mesmo. O Avental é o
símbolo dessa labuta: é o uniforme do operário que trabalha incessantemente na
edificação de seu templo moral.
A liberdade de pensar não é o direito de dizer qualquer coisa,
mas o dever de buscar a Verdade com honestidade e respeito. É nesse ponto que o
livre-pensamento se encontra com a andragogia: o maçom aprende por experiência,
reflexão e diálogo. O aprendizado em Loja é coletivo e horizontal: cada irmão é
ao mesmo tempo mestre e aprendiz, mesmo o aprendiz, nesses momentos, torna-se facilitador
do aprendizado dos demais irmãos.
O método andragógico da Maçonaria consiste em provocar, não em doutrinar; em
questionar, não em impor.
O Equilíbrio como Antídoto ao Fanatismo
A vida maçônica é um exercício permanente de equilíbrio: entre
razão e emoção, entre liberdade e disciplina, entre individualidade e
fraternidade. O fanático é aquele que perde esse equilíbrio, entregando-se a
uma única dimensão da realidade. Ele é como o viajante que, fascinado pela luz
de uma estrela, esquece o caminho sob seus pés e cai no abismo.
O maçom, ao contrário, aprende a ser moderado até no falar e no
pensar. A moderação não é fraqueza, mas domínio.
Como dizia Epicteto, "nenhum homem é
livre se não é senhor de si mesmo". O poder do maçom é o poder
sobre si: a capacidade de conter a ira, de controlar o ego, de sublimar
as paixões em energia criadora.
A física quântica oferece aqui uma bela metáfora: a dualidade
onda-partícula ensina que a realidade depende do observador. Da mesma forma, o
fanático vê o mundo como partícula, rígido, fixo, absoluto, enquanto o sábio o percebe como onda, fluido, mutável,
interdependente. A tolerância é, pois, a consciência da interconexão de
todas as coisas. O que fere o outro fere o todo. O que destrói uma crença
destrói também a liberdade de crer.
A Virtude Ativa e o Dever Interior
O maçom, iniciado, evoluído, não age por medo do castigo nem
por esperança de recompensa, mas por dever moral. Sabe que o bem praticado é
sua própria recompensa, e que o mal cometido é seu próprio tormento. Não
deposita no além o juízo de seus atos, mas assume aqui e agora a
responsabilidade de suas escolhas. Assim, a Maçonaria o conduz do teísmo
infantil ao humanismo ético, onde o Grande Arquiteto do Universo é compreendido
como a própria consciência moral universal.
A prática da virtude não é renúncia ao prazer, mas sua
sublimação. O maçom deve equilibrar suas paixões, não as suprimir. A paixão é o
fogo do malho; o cinzel é a razão que lhe dá forma. O excesso destrói; a falta
paralisa. A sabedoria está no ponto médio, onde a energia da vida se transforma
em arte e beleza.
A Fraternidade como Ciência da Convivência
Em Loja, a fraternidade é o
laboratório da convivência humana. É ali que o maçom aprende a lidar
com a diferença, a resolver conflitos, a exercitar a paciência e o amor
fraternal. O ambiente ritualístico funciona como um campo energético, uma
egrégora, na linguagem esotérica, onde os pensamentos e emoções dos irmãos se
somam e criam um espaço de alta vibração espiritual. Essa egrégora é sensível à
harmonia ou à discórdia: uma palavra dura pode perturbar o campo, enquanto um
gesto de compaixão pode elevá-lo.
A física quântica moderna descreve fenômenos semelhantes no entrelaçamento
quântico[1] (entanglement):
partículas separadas continuam conectadas por uma informação invisível. Assim
também os maçons: unidos por um ideal comum, permanecem ligados por laços sutis
de pensamento e intenção, mesmo quando distantes. A fraternidade, portanto, é
uma forma de ciência espiritual, a ciência das vibrações do amor e da
consciência.
O Templo da Tolerância
O maçom constrói um templo invisível dentro de si, pedra por
pedra, gesto por gesto. Cada ato de tolerância é uma coluna erguida; cada
vitória sobre o fanatismo é um vitral que se abre à Luz. O inimigo não está
fora, mas dentro: é a intolerância que habita o coração humano, o orgulho
travestido de convicção, a cegueira que confunde fé com Verdade.
Combater a intolerância é, portanto, um trabalho interior de
lapidação e de amor. É transformar o caos em cosmos, o grito em silêncio, a
divisão em harmonia. O fanático busca converter os outros; o sábio busca converter-se a si mesmo. O maçom,
operário do espírito, sabe que a revolução é a do coração iluminado pela razão.
A Verdade é Infinita
O maçom combate a intolerância não pela espada, mas pela Luz da
consciência. Ele compreende que o
fanatismo é o entulho que impede a construção do templo interior e que a liberdade
é a de pensar com humildade, sentir com equilíbrio e agir com amor. Tolerar é compreender que a Verdade é infinita,
e que cada homem, em seu trabalho silencioso, talha uma pedra diferente do
mesmo templo universal do Grande Arquiteto do Universo.
Bibliografia comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Fundamenta a
virtude da moderação e o conceito do meio-termo, essência do equilíbrio
maçônico;
2.
BLAVATSKY, Helena P. Glossário Teosófico. Fornece
conceitos esotéricos úteis à compreensão da egrégora e da estrutura energética
da Loja;
3.
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. Analisa
o processo de iniciação e autotransformação presente nos rituais simbólicos da
Maçonaria;
4.
EINSTEIN, Albert. O Mundo como Eu o Vejo. Apresenta
a visão do Universo como uma totalidade ordenada e espiritual, conciliando
ciência e fé;
5.
EPICTETO. Manual de Vida. Oferece base para o
domínio de si e a serenidade estoica presentes na conduta do maçom;
6.
Heisenberg, Werner. A Parte e o Todo. Relaciona
a física quântica à filosofia, ajudando a compreender a unidade entre
observador e realidade;
7.
KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é o
Iluminismo? Texto seminal para compreender a ideia de "maioridade" e
a importância da autonomia da razão na filosofia maçônica;
8.
LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano.
Fundamenta o Deísmo racional que inspira a noção maçônica do Grande Arquiteto
como causa primeira;
9.
POPPER, Karl. A Sociedade Aberta e Seus
Inimigos. Discute o paradoxo da tolerância e os limites éticos do liberalismo;
10. VOLTAIRE.
Tratado sobre a Tolerância. Obra essencial do espírito iluminista que moldou a
ética maçônica da convivência e do livre-pensamento;
[1]
O entrelaçamento quântico é um fenômeno da mecânica quântica onde duas
ou mais partículas subatômicas se tornam tão interligadas que o estado de uma
instantaneamente afeta o estado da outra, não
importa a distância entre elas. Essa conexão é tão forte que uma
partícula não pode ser descrita sem a outra. Por exemplo, se duas partículas
entrelaçadas compartilham a propriedade de "spin" e uma é medida como
girando no sentido horário, a outra imediatamente assume o sentido
anti-horário, mesmo a milhões de anos-luz de distância;

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