terça-feira, 11 de novembro de 2025

A Arte Maçônica de Pensar: Símbolos, Sonhos e a Engenharia Interior da Consciência

 Charles Evaldo Boller

A Maçonaria surge, neste ensaio, como uma arte refinada de despertar o pensamento e reconstruir o homem por dentro. Entre símbolos que mudam conforme a consciência e alegorias que traduzem o indizível, o maçom encontra um caminho que une lógica, sonho e espiritualidade. No templo, disciplina-se a mente; na ágape, liberta-se a criatividade. É nesse equilíbrio, entre silêncio e convivência, razão e imaginação, que a fraternidade transforma o caos interior em harmonia e dá ao homem a força de pensar com clareza num mundo que o distrai de si mesmo. A essência do ensaio revela que o mistério maçônico não está no ritual, mas na maneira como ele reacende a capacidade ancestral de aprender pela convivência, pelo símbolo e pelo ócio criativo. Uma leitura que convida a reencontrar o homem que pensa, sente e cria seu próprio templo interior.

A Soberania Humana e o Chamado ao Pensamento

Considerando o equipamento de comunicação, sensibilidade e habilidade com que o homem é provido, somente isto já o faz reinar soberano nesta biosfera. A evolução dotou-o da articulação da linguagem, da complexidade emocional e de uma racionalidade capaz de interpretar o mundo e remodelar a própria existência. Porém, sua superioridade não reside apenas no aparato biológico, mas na capacidade misteriosa de sonhar, especular e organizar pensamentos com lógica e clareza.

Mesmo que impulsos primitivos, instintos herdados, possam conduzi-lo ao mal ou à agressividade, o ser humano também desenvolve processos de interiorização que o protegem de si mesmo, transmutando sua natureza. É como se cada homem contivesse, simultaneamente, o lobo e o cordeiro, o caos e a harmonia, a besta e o anjo. É precisamente nesse alquímico intervalo que a Maçonaria atua: transformando o bruto em polido, o instinto em consciência, a força em luz.

A Maçonaria como Escola de Lógica, Imaginação e Sabedoria

Ao estimular o pensamento através de símbolos, alegorias e reflexões filosóficas, a Maçonaria faz o homem aprender a pensar bem, com clareza, rigor, equilíbrio e humildade. É uma forma de ensino iniciática que une intuição e disciplina, emoção e raciocínio, sonho e método. A Iniciação é uma tecnologia espiritual que o Ocidente herdou de tradições milenares. Na Maçonaria ela aparece refinada, objetiva e permanentemente atualizada.

Pensar por esforço próprio é privilégio raro. A maioria não pensa profundamente não por incapacidade, mas por submissão a um sistema de sobrevivência exaustivo. As horas desaparecem no trabalho, nas obrigações, nas notícias, nas distrações que surgem como tempestades de estímulos visuais. A propaganda sequestra o desejo. O entretenimento passivo coloniza a mente. E resta ao homem pouco espaço interior para meditar.

Bertrand Russell lembrava que "o ócio é o berço da civilização", e Domenico de Masi retomou essa intuição com seu célebre "ócio criativo". A Maçonaria, desde o século XVIII, já praticava este princípio: compreender que o homem precisa de silêncio, tempo, espaço e símbolos para que sua mente floresça.

O Poder do Símbolo na Transformação da Consciência

A Maçonaria usa símbolos porque o símbolo fala mais do que palavras. O símbolo é um enigma vivo, uma semente espiritual, uma figura que contém mundos. Ele é sempre o mesmo, mas o observador nunca é o mesmo, e, por isso, o significado muda incessantemente.

O delta radiante não é visto de igual modo pelo Aprendiz e pelo Mestre. O pavimento mosaico não fala o mesmo àquele que sofre e àquele que está em paz. Cada olhar descobre um novo mundo. O símbolo é uma porta interdimensional entre o visível e o invisível.

A física quântica, no campo da teoria da informação, aponta que certos sistemas não podem ser completamente descritos por palavras, apenas por estruturas matemáticas e representações simbólicas. Analogamente, a mente humana só acessa alguns níveis profundos da consciência por meio de símbolos, não por raciocínios lineares.

Aqui a Maçonaria se apoia em Platão, que expôs o mito da caverna; com Aristóteles, que compreendia a potência e o ato; com Jung, que via nos arquétipos estruturas universais da psique; com Blavatsky, que falava de egrégores e entidades sutis; com Eliphas Levi, que via no símbolo a "linguagem das alturas".

A Alegoria como Ponte Entre a Razão e o Inefável

A alegoria traduz o que a mente não compreenderia se exposto de forma abstrata. Por meio das estórias, contadas desde as primeiras fogueiras paleolíticas, o homem construiu suas sínteses morais e espirituais. Joseph Campbell afirmou que "o mito é o sonho da humanidade". Assim também, a alegoria maçônica é o sonho dirigido da consciência iniciática.

Sem as estórias, jamais teríamos desenvolvido a capacidade de abstração, de imaginação e de filosofia. A Maçonaria utiliza estórias não para infantilizar a mente, mas para libertá-la das algemas culturais. A alegoria desperta, reorganiza e ilumina.

Dos Pedreiros Operativos aos Construtores de Catedrais Interiores

Os pedreiros operativos, após o trabalho estafante, reuniam-se para beber, comer, conversar, sonhar e projetar. Ali, na descontração, surgiam as soluções para problemas complexos da obra. As guildas medievais perceberam intuitivamente que o conhecimento não nasce apenas do esforço disciplinado, mas também da imaginação livre.

A Maçonaria Especulativa herdou esse hábito e o ampliou. Substituiu as catedrais de pedra pelas catedrais de consciência. O Templo de Salomão se tornou símbolo da alma humana. As ferramentas da construção, esquadro, compasso, nível, prumo, tornaram-se instrumentos de lapidação moral e intelectual.

E o convívio após a sessão tornou-se o laboratório onde a luz adquirida no templo se encarna na vida real.

A Convivência Fraternal como Laboratório de Consciência

A alternância entre ritual e confraternização é uma das mais sábias invenções da Tradição. No templo, o silêncio estrutura. Na ágape, a palavra liberta. No templo, o gesto disciplina. Na ágape, o riso harmoniza. No templo, os símbolos falam ao inconsciente. Na ágape, a fraternidade fala ao coração.

Ambas as esferas formam um ciclo hermético completo: o "acima" e o "abaixo", o "interior" e o "exterior". Se uma falta, a iniciação se torna manca.

É nos momentos de descontração que os potenciais criativos aparecem. Muitas vezes é um comentário simples, por vezes até ingênuo, que desencadeia no irmão uma solução para um dilema profissional, familiar ou emocional. É o retorno às fogueiras ancestrais, ao compartilhamento humano autêntico.

A psicologia junguiana chamaria isso de campo simbólico coletivo. A teosofia, de egrégora. A física quântica fornece uma metáfora útil: o entrelaçamento quântico, partículas que respondem instantaneamente uma à outra. A fraternidade ativa um entrelaçamento emocional e intelectual: os símbolos que trabalhamos individualmente reverberam coletivamente.

A Escape da Alienação Moderna e a Recuperação do Estado Natural

Antes da Primeira Guerra Mundial, era comum que famílias se reunissem para conversar longamente. Hoje isso se perdeu. A alienação do trabalho, das telas e da velocidade esmagou a convivência. O homem moderno é rico em estímulos, mas pobre em conversas profundas.

A Maçonaria resgata, sem alarde, essa forma ancestral de troca. O tempo compartilhado, a palavra, a escuta atenta, o humor, o debate respeitoso, tudo isso cura. O homem encontra ali um "microcosmo de sanidade". A loja, nesse sentido, é uma "fogueira contemporânea" onde se reeduca a alma.

A Humanização pelo Ritmo da Loja

Todo irmão que participa integralmente da vida da loja, ritual e ágape, humaniza-se com maior facilidade. O homem se refaz quando encontra equilíbrio entre disciplina e ludicidade.

Se, porém, muitos irmãos abandonam a ágape e vão embora apressadamente, isso indica um problema estrutural. É um sintoma: apatia, dissenso, ressentimentos, falta de acolhimento ou desgaste das relações. Quando a fraternidade desaparece, o ritual se torna apenas uma casca. E, com o tempo, as colunas tombam.

Acender velas não basta; é preciso aquecer corações.

A Confraternização como Continuação da Iniciação

A ágape é parte essencial da instrução maçônica. Ali, os símbolos recém-ativados no templo se tornam vivos. O pavimento mosaico revela-se nos contrastes humanos da convivência. A joia de cada cargo encontra expressão em atitudes. A pedra bruta encontra o cinzel nas conversas fraternas. O esquadro e o compasso voltam a brilhar, agora em decisões e conselhos.

Mais profundamente: o corpo, templo biológico, participa da obra. Comer e beber juntos é um sacramento humano de comunhão. A tradição cristã, judaica e até pagã sempre entendeu isso. A Maçonaria mantém esse elo ancestral e o eleva à dignidade da fraternidade universal.

Os orientais dizem que quem encontra um trabalho que ama nunca mais trabalhará. Em termos maçônicos, quem encontra uma loja que ama jamais estará sozinho no mundo.

O Ócio Criativo como Estrada para a Sabedoria

Vivemos em um mundo que treina para o trabalho, mas nunca para o ócio. O maçom, ao contrário, aprende a valorizar o ócio criativo, momento em que a mente vagueia, reorganiza, inventa e sonha. Grandes ideias da ciência, da arte e da política surgiram em momentos de descanso, contemplação ou diálogo inesperado.

A Maçonaria entende isso desde seus primórdios. Ela cria, ainda que por poucas horas, um espaço onde o homem pode ser verdadeiramente humano: pensar, rir, aprender, sentir e reconectar-se consigo mesmo e com seus irmãos.

Não é pouco. Em certos casos, é tudo.

A Psicologia, a Energia e o Mistério

Durante a convivialidade, energias psicológicas, morais e espirituais são trocadas. A egrégora se fortalece. O inconsciente de cada irmão é alimentado por símbolos que ressoam no campo coletivo. A sessão ritual prepara o terreno; a ágape semeia e faz germinar.

Cada atitude exterior reflete uma disposição interior, e cada gesto interno se projeta no exterior. Assim como na física quântica, onde observador e observado formam um sistema indissociável, também na Maçonaria o homem transforma-se enquanto transforma o meio.

A Arte de Ser Maçom: Fazer o Bem, Criar o Novo, Honrar o Grande Arquiteto do Universo

O propósito último da obra é claro: desenvolver o homem para o bem, para a criação, para a expansão da Luz. O maçom deve influenciar a sociedade com suas obras, sejam elas intelectuais, artísticas, morais, profissionais ou espirituais, sempre para a honra e glória do Grande Arquiteto do Universo.

A Maçonaria não faz milagre. Mas devolve ao homem a capacidade de pensar, sonhar e agir. E isso já é, em si, um milagre civilizatório.


Soneto do Pensar e da Luz

No templo em silêncio eu me refaço,

E deixo a vida dura lá de fora.

Entre os irmãos, encontro um leve abraço,

E o peso do meu dia vai embora.

 

Um símbolo me fala sem falar,

E diz que o mundo muda quando eu mudo.

Aprendo, pouco a pouco, a caminhar,

E a clarear o canto mais escuro.

 

Depois da sessão, vem a alegria:

Conversas que acendem ideias no ar,

E fazem leve o que antes me doía.

 

E assim eu sigo, sempre a melhorar:

Na luz do templo e na paz do dia,

Fazendo o bem, tentando me lapidar.


Bibliografia Comentada

1.      ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. A virtude como hábito e o caminho do meio; ideias centrais à formação maçônica;

2.      BLAVATSKY, H. P. A Doutrina Secreta. Explora conceitos de egrégores, planos sutis e simbolismo universal, úteis para compreender a dimensão esotérica da fraternidade;

3.      CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. Esclarece o papel do mito e da narrativa na formação da consciência humana, base do uso das alegorias na Maçonaria;

4.      CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. Relaciona filosofia oriental, Misticismo e física quântica, permitindo analogias com a dinâmica simbólica da egrégora;

5.      JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos. Mostra como símbolos moldam o inconsciente coletivo e individual, explicando a eficácia do método ritualístico;

6.      LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Fonte fundamental sobre o poder dos símbolos e da vontade, aplicável à leitura do trabalho maçônico;

7.      MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. Fundamental para compreender a importância dos momentos de descontração na criatividade e felicidade humanas;

8.      PIKE, Albert. Morals and Dogma. A mais profunda análise simbólica dos graus do Rito Escocês, com insights filosóficos e metafísicos essenciais;

9.      PLATÃO. A República. Alegoria da caverna e reflexões sobre educação, alma e justiça, base do pensamento iniciático;

10.  RUSSELL, Bertrand. A Conquista da Felicidade. Reflexões sobre trabalho, lazer, alienação e equilíbrio emocional, diretamente aplicáveis à vida maçônica;

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