A Maçonaria surge, neste ensaio, como uma arte refinada de
despertar o pensamento e reconstruir o homem por dentro. Entre símbolos que
mudam conforme a consciência e alegorias que traduzem o indizível, o maçom
encontra um caminho que une lógica, sonho e espiritualidade. No templo,
disciplina-se a mente; na ágape, liberta-se a criatividade. É nesse equilíbrio,
entre silêncio e convivência, razão e imaginação, que a fraternidade transforma
o caos interior em harmonia e dá ao homem a força de pensar com clareza num
mundo que o distrai de si mesmo. A essência do ensaio revela que o mistério
maçônico não está no ritual, mas na maneira como ele reacende a capacidade
ancestral de aprender pela convivência, pelo símbolo e pelo ócio criativo. Uma
leitura que convida a reencontrar o homem que pensa, sente e cria seu próprio
templo interior.
A Soberania Humana e o Chamado ao Pensamento
Considerando o equipamento de comunicação, sensibilidade e
habilidade com que o homem é provido, somente isto já o faz reinar soberano
nesta biosfera. A evolução dotou-o da articulação da linguagem, da complexidade
emocional e de uma racionalidade capaz de interpretar o mundo e remodelar a
própria existência. Porém, sua superioridade não reside apenas no aparato
biológico, mas na capacidade misteriosa de sonhar, especular e organizar
pensamentos com lógica e clareza.
Mesmo que impulsos primitivos, instintos herdados, possam
conduzi-lo ao mal ou à agressividade, o ser humano também desenvolve processos
de interiorização que o protegem de si mesmo, transmutando sua natureza. É como
se cada homem contivesse, simultaneamente, o lobo e o cordeiro, o caos e a harmonia,
a besta e o anjo. É precisamente nesse alquímico intervalo que a Maçonaria
atua: transformando o bruto em polido, o instinto em consciência, a força em
luz.
A Maçonaria como Escola de Lógica, Imaginação e Sabedoria
Ao estimular o pensamento através de símbolos, alegorias e
reflexões filosóficas, a Maçonaria faz o homem aprender a pensar bem, com
clareza, rigor, equilíbrio e humildade. É uma forma de ensino iniciática que
une intuição e disciplina, emoção e raciocínio, sonho e método. A Iniciação é
uma tecnologia espiritual que o Ocidente herdou de tradições milenares. Na
Maçonaria ela aparece refinada, objetiva e permanentemente atualizada.
Pensar por esforço próprio é privilégio raro. A maioria não
pensa profundamente não por incapacidade, mas por submissão a um sistema de
sobrevivência exaustivo. As horas desaparecem no trabalho, nas obrigações, nas
notícias, nas distrações que surgem como tempestades de estímulos visuais. A
propaganda sequestra o desejo. O entretenimento passivo coloniza a mente. E resta ao homem pouco espaço interior para meditar.
Bertrand Russell lembrava que "o ócio é o berço da civilização", e Domenico de Masi retomou
essa intuição com seu célebre "ócio
criativo". A Maçonaria, desde o século XVIII, já praticava este
princípio: compreender que o homem precisa de silêncio, tempo, espaço e
símbolos para que sua mente floresça.
O Poder do Símbolo na Transformação da Consciência
A Maçonaria usa símbolos porque o símbolo fala mais do que
palavras. O símbolo é um enigma vivo, uma semente espiritual, uma figura que
contém mundos. Ele é sempre o mesmo, mas o observador nunca é o mesmo, e, por
isso, o significado muda incessantemente.
O delta radiante não é visto de igual modo pelo Aprendiz e pelo
Mestre. O pavimento mosaico não fala o mesmo àquele que sofre e àquele que está
em paz. Cada olhar descobre um novo mundo. O símbolo é uma porta
interdimensional entre o visível e o invisível.
A física quântica, no campo da teoria da informação,
aponta que certos sistemas não podem ser completamente descritos por palavras,
apenas por estruturas matemáticas e representações simbólicas. Analogamente, a
mente humana só acessa alguns níveis profundos da consciência por meio de
símbolos, não por raciocínios lineares.
Aqui a Maçonaria se apoia em Platão, que expôs o mito da
caverna; com Aristóteles, que compreendia a potência e o ato; com Jung, que via
nos arquétipos estruturas universais da psique; com Blavatsky, que falava de
egrégores e entidades sutis; com Eliphas Levi, que via no símbolo a "linguagem das alturas".
A Alegoria como Ponte Entre a Razão e o Inefável
A alegoria traduz o que a mente não compreenderia se exposto de
forma abstrata. Por meio das estórias, contadas desde as primeiras fogueiras
paleolíticas, o homem construiu suas sínteses morais e espirituais. Joseph
Campbell afirmou que "o mito é o
sonho da humanidade". Assim também, a alegoria maçônica é o sonho
dirigido da consciência iniciática.
Sem as estórias, jamais teríamos desenvolvido a capacidade de
abstração, de imaginação e de filosofia. A Maçonaria utiliza estórias não para
infantilizar a mente, mas para libertá-la das algemas culturais. A alegoria
desperta, reorganiza e ilumina.
Dos Pedreiros Operativos aos Construtores de Catedrais Interiores
Os pedreiros operativos, após o trabalho estafante, reuniam-se
para beber, comer, conversar, sonhar e projetar. Ali, na descontração, surgiam
as soluções para problemas complexos da obra. As guildas medievais perceberam
intuitivamente que o conhecimento não nasce apenas do esforço disciplinado, mas
também da imaginação livre.
A Maçonaria Especulativa herdou esse hábito e o ampliou.
Substituiu as catedrais de pedra pelas catedrais de consciência.
O Templo de Salomão se tornou símbolo da alma humana. As ferramentas da
construção, esquadro, compasso, nível, prumo, tornaram-se instrumentos de
lapidação moral e intelectual.
E o convívio após a sessão tornou-se o laboratório onde a luz
adquirida no templo se encarna na vida real.
A Convivência Fraternal como Laboratório de Consciência
A alternância entre ritual e confraternização é uma das mais
sábias invenções da Tradição. No templo, o silêncio estrutura. Na ágape, a
palavra liberta. No templo, o gesto disciplina. Na ágape, o riso harmoniza. No
templo, os símbolos falam ao inconsciente. Na ágape, a fraternidade fala ao
coração.
Ambas as esferas formam um ciclo hermético completo: o "acima" e o "abaixo", o "interior" e o "exterior". Se uma falta, a
iniciação se torna manca.
É nos momentos de descontração que os potenciais criativos
aparecem. Muitas vezes é um comentário simples, por vezes até ingênuo, que
desencadeia no irmão uma solução para um dilema profissional, familiar ou
emocional. É o retorno às fogueiras ancestrais, ao compartilhamento humano
autêntico.
A psicologia junguiana chamaria isso de campo simbólico
coletivo. A teosofia, de egrégora. A física quântica fornece uma metáfora útil:
o entrelaçamento quântico, partículas que respondem instantaneamente uma à
outra. A fraternidade ativa um entrelaçamento emocional e intelectual: os
símbolos que trabalhamos individualmente reverberam coletivamente.
A Escape da Alienação Moderna e a Recuperação do Estado Natural
Antes da Primeira Guerra Mundial, era comum que famílias se
reunissem para conversar longamente. Hoje isso se perdeu. A alienação do
trabalho, das telas e da velocidade esmagou a convivência. O homem moderno é
rico em estímulos, mas pobre em conversas profundas.
A Maçonaria resgata, sem alarde, essa forma ancestral de troca.
O tempo compartilhado, a palavra, a escuta atenta, o humor, o debate respeitoso,
tudo isso cura. O homem encontra ali um "microcosmo de sanidade". A loja, nesse sentido, é uma "fogueira contemporânea" onde se
reeduca a alma.
A Humanização pelo Ritmo da Loja
Todo irmão que participa integralmente da vida da loja, ritual
e ágape, humaniza-se com maior facilidade. O homem se refaz quando encontra
equilíbrio entre disciplina e ludicidade.
Se, porém, muitos irmãos abandonam a ágape e vão embora
apressadamente, isso indica um problema estrutural. É um sintoma: apatia,
dissenso, ressentimentos, falta de acolhimento ou desgaste das relações. Quando
a fraternidade desaparece, o ritual se torna apenas uma casca. E, com o tempo,
as colunas tombam.
Acender velas não basta; é preciso aquecer corações.
A Confraternização como Continuação da Iniciação
A ágape é parte essencial da instrução maçônica. Ali, os
símbolos recém-ativados no templo se tornam vivos. O pavimento mosaico
revela-se nos contrastes humanos da convivência. A joia de cada cargo encontra
expressão em atitudes. A pedra bruta encontra o cinzel nas conversas fraternas.
O esquadro e o compasso voltam a brilhar, agora em decisões e conselhos.
Mais profundamente: o corpo, templo biológico, participa da
obra. Comer e beber juntos é um sacramento humano de comunhão. A
tradição cristã, judaica e até pagã sempre entendeu isso. A Maçonaria mantém
esse elo ancestral e o eleva à dignidade da fraternidade universal.
Os orientais dizem que quem encontra um trabalho que ama nunca
mais trabalhará. Em termos maçônicos, quem encontra uma loja que ama jamais
estará sozinho no mundo.
O Ócio Criativo como Estrada para a Sabedoria
Vivemos em um mundo que treina para o trabalho, mas nunca para
o ócio. O maçom, ao contrário, aprende a valorizar o ócio criativo, momento em
que a mente vagueia, reorganiza, inventa e sonha. Grandes ideias da ciência, da
arte e da política surgiram em momentos de descanso, contemplação ou diálogo
inesperado.
A Maçonaria entende isso desde seus primórdios. Ela cria, ainda
que por poucas horas, um espaço onde o homem pode ser verdadeiramente humano:
pensar, rir, aprender, sentir e reconectar-se consigo mesmo e com seus irmãos.
Não é pouco. Em certos casos, é tudo.
A Psicologia, a Energia e o Mistério
Durante a convivialidade, energias psicológicas, morais e
espirituais são trocadas. A egrégora se fortalece. O inconsciente de cada irmão
é alimentado por símbolos que ressoam no campo coletivo. A sessão ritual
prepara o terreno; a ágape semeia e faz germinar.
Cada atitude exterior reflete uma disposição interior, e cada
gesto interno se projeta no exterior. Assim como na física quântica, onde
observador e observado formam um sistema indissociável, também na Maçonaria o
homem transforma-se enquanto transforma o meio.
A Arte de Ser Maçom: Fazer o Bem, Criar o Novo, Honrar o Grande
Arquiteto do Universo
O propósito último da obra é claro: desenvolver o homem para o
bem, para a criação, para a expansão da Luz. O maçom deve influenciar a
sociedade com suas obras, sejam elas intelectuais, artísticas, morais,
profissionais ou espirituais, sempre para a honra e glória do Grande Arquiteto
do Universo.
A Maçonaria não faz milagre. Mas devolve ao homem a capacidade
de pensar, sonhar e agir. E isso já é, em si, um
milagre civilizatório.
Soneto do Pensar e da Luz
No templo em silêncio eu me
refaço,
E deixo a vida dura lá de fora.
Entre os irmãos, encontro um
leve abraço,
E o peso do meu dia vai embora.
Um símbolo me fala sem falar,
E diz que o mundo muda quando eu
mudo.
Aprendo, pouco a pouco, a
caminhar,
E a clarear o canto mais escuro.
Depois da sessão, vem a alegria:
Conversas que acendem ideias no
ar,
E fazem leve o que antes me
doía.
E assim eu sigo, sempre a
melhorar:
Na luz do templo e na paz do
dia,
Fazendo o bem, tentando me
lapidar.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. A virtude como
hábito e o caminho do meio; ideias centrais à formação maçônica;
2.
BLAVATSKY, H. P. A Doutrina Secreta. Explora
conceitos de egrégores, planos sutis e simbolismo universal, úteis para
compreender a dimensão esotérica da fraternidade;
3.
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces.
Esclarece o papel do mito e da narrativa na formação da consciência humana,
base do uso das alegorias na Maçonaria;
4.
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. Relaciona
filosofia oriental, Misticismo e física quântica, permitindo analogias com a
dinâmica simbólica da egrégora;
5.
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos.
Mostra como símbolos moldam o inconsciente coletivo e individual, explicando a
eficácia do método ritualístico;
6.
LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia.
Fonte fundamental sobre o poder dos símbolos e da vontade, aplicável à leitura
do trabalho maçônico;
7.
MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. Fundamental
para compreender a importância dos momentos de descontração na criatividade e
felicidade humanas;
8.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma. A mais profunda análise simbólica dos graus do
Rito Escocês, com insights filosóficos e metafísicos essenciais;
9.
PLATÃO. A República. Alegoria da caverna e
reflexões sobre educação, alma e justiça, base do pensamento iniciático;
10. RUSSELL,
Bertrand. A Conquista da Felicidade. Reflexões sobre trabalho, lazer, alienação
e equilíbrio emocional, diretamente aplicáveis à vida maçônica;

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