Afiando a língua em exercícios de oratória e significado da
caminhada ritualística das bolsas em loja.
Charles Evaldo Boller
Pela semelhança de formato, afiada em dois lados, a espada é
fisicamente semelhante à língua. Os dois gumes da espada formam dois triângulos
unidos pela base, assim como o corte transversal da língua. Expande-se o
raciocínio para o pensamento afiado em dois lados, para o bem e para o mal.
Assim como o afiar da espada, o que é da língua sem o aguçar da racionalidade
que a dirige? Uma espada mal utilizada, mal dirigida pelo cérebro e pelos
músculos, ao invés de defender dos inimigos, permite que seu portador venha a
ser morto no campo de batalha ou da honra. Os exercícios de esgrima do maçom
permanecem na mente, na articulação de novos e inusitados pensamentos e que se
expressam formalmente pela ação da língua, uma espada de dois gumes afiada na
oratória. Na Maçonaria isto se obtém com debates de temas diversificados e
interessantes. Afiam-se a língua, o pensamento, à semelhança de uma espada de
dois gumes, para derrubar os pensamentos de déspotas e fanáticos.
Porque afiar o pensamento em dois sentidos? A dualidade é
exercitada mais pela filosofia oriental, que vê em cada boa ação a semente para
o mal e em cada ação má a semente para o bem. Algo difícil de entender na
racionalidade ocidental. Na Maçonaria vemos claramente a manifestação do número
dois, da dúvida, do balançar entre duas verdades. Afiar o pensamento para o mal
tem por objetivo aprender a discernir o mal e não a praticá-lo. É treinar como
afastar-se do mal. A esgrima entre o bem e o mal é obtida pela constante
prática, em loja, do exercício de animados debates. A Arte Real é servida na
Maçonaria como VITRIOL já na câmara de reflexões - mesmo que a presença da
câmara de reflexões não seja utilizada em todos os ritos e obediências -,
ocasião em que o maçom é provocado, a partir de então, a permanentemente aparar
as rugosidades da pedra bruta. É a visita ao interior de si mesmo, o interior
da pedra filosofal de Zoroastro. É o constante exercício do pensamento, reduto e
único lugar no Universo aonde cada ser vivo é absolutamente livre. O próprio
Grande Arquiteto do Universo nos proveu com uma capacidade que nem ele
controla, nem deseja controlar. Se Ele controlasse o pensamento da criatura,
Ele estaria corrompendo a perfeição de sua criação. É disto que se deduz ser no
pensamento o local onde a criatura é absolutamente livre. Nem mesmo o Criador
nela influi. Qualquer modificação só ocorre com o exercício da vontade da
criatura. "Conhece-te a ti mesmo", dizia Sócrates - este conhecer é o
"Visita Interiorem Terrae Rectificandoque Invenies Occultum Lapidem".
Esta é a razão sublime de afiar o pensamento no ambiente onde apenas a própria
criatura tem poder de modificar a si mesma em resultado da ação do
livre-arbítrio, ação que ocorre dentro da pedra, dentro de si mesmo, por
vontade própria.
A estrela de seis pontas definida pela circulação
ritualística das bolsas implica em destacar a capacidade de iluminar, fonte de
luz. Só ilumina aquele que emite luz. Os dois triângulos entrelaçados e
formando uma estrela de seis pontas, que representa a caminhada do maçom
naquela dança ritualística, aponta para o desenvolvimento da capacidade de
raciocinar, afiar o pensamento para emitir a luz do conhecimento e derramar seu
efeito salutar sobre si mesmo, as outras criaturas e meio-ambiente. Estrela é
indicador de capacidade espiritual associada à capacidade racional. O homem só
é equilibrado quando destina forças equitativas as suas capacidades racional,
emocional e espiritual. É a estrela de Salomão, de seis pontas, que representa
a sabedoria, por isso o trono de Salomão ser simbolicamente a fonte de onde
irradia sabedoria, conhecimento, luz. Os dois triângulos invertidos, da
circulação das bolsas, podem ser interpretados como se matéria e energia se
misturassem na caminhada ritualística. E se luz é conhecimento, sabedoria,
estas capacidades no homem são desenvolvidas em debates, na comunicação verbal.
Observe-se a dualidade que os dois triângulos transmitem: o triângulo de ponta
para cima representa o bem, o positivo; o outro, o seu inverso, com ponta para
baixo, representa o mal. Representam também outras dualidades. Por ora, os
triângulos assim dispostos, representam simbolicamente uma estrela, e esta, por
sua vez, representa luz; a luz que cada maçom foi pedir na entrada do templo.
O maçom se autoconstrói durante os debates em loja. Sozinho
é difícil. Apenas monges que praticam meditação obtém luz sem convivência e
comunicação. Quantos maçons, envolvidos na busca diária do pão de cada dia, têm
tempo, ou hábito de concentrarem-se em recolhimento ou se submeterem a
costumeiro exame interior? Presas do sistema em que vivem quais autômatos,
perambulam pelo mundo sem se darem conta que existem. Planeja-se o futuro longe
do presente, a única realidade que realmente interessa. Estão ocupados em suas
lides nas fábricas e escritórios e comportam-se quais robôs manipuladores e
sujeitos a poucos momentos de felicidade, enquanto a sua essência se mantém na
mediocridade. Em loja, onde são criadas as condições ideais, o maçom se
constrói pela constante provocação que a convivência lhe propicia. Nestas
oportunidades, quando um irmão provoca os outros com novos pensamentos, todos
afiam suas espadas pela ação da comunicação. Despertam potenciais nunca antes
percebidos pelo indivíduo. Isto não tem nada de mágico ou varinha de condão! É
resultado de formação e condicionamento de milhões de anos de evolução natural.
Tirando o mágico de lado, a luz é um dos mais profundos
segredos do esoterismo, só obtido quando se aprende a emitir luz, quando a
pessoa se transforma numa estrela de luz em função de sua sabedoria. O maçom é
um construtor social que emite luz quando deixa fluir a intensidade da força de
seu intelecto conduzindo a espada com maestria. Luz é conhecimento, o mesmo que
espírito, ordenação do caos. O que parece caos ao não iniciado é apenas o
resultado da incapacidade de visualizar a Luz do Criador do Universo em sua
plenitude. Alguns percebem esta irradiação e alcançam o significado da luz que
vem do Criador dos Mundos. Mas sem conhecimento enxerga-se apenas
desorganização e confusão. Sem mistificação, o homem sábio que examina sua
natureza em profundidade, que afia constantemente a sua espada, sabe que possui
a mesma natureza da Luz. Sabe que lá no mais recôndito de seu ser ele nada mais
é que energia, uns amontoados ordenados de campos magnéticos, elétricos e
gravitacionais, materializados pela velocidade com que tais fenômenos
acontecem. A ilusão que confunde a percepção com a solidez da matéria demonstra
que cada um é, em essência, da mesma natureza da luz. A matéria é energia,
fenômeno oscilatório. Com esta visão, consciente de sua não existência, o maçom
que possui uma espada bem afiada aproveita da energia ao seu redor quando vive
o presente e se dá conta do aqui e agora. Entende que o receber da Luz não
inicia e termina na iniciação. Ao afiar a sua espada o maçom nada mais faz além
do dever de adquirir o conhecimento transfigurador; a mudança radical do
caráter, transformação espiritual que exalta e glorifica o Grande Arquiteto do
Universo.
Bibliografia
1. BAYARD, Jean-Pierre, A Espiritualidade na Maçonaria, Da
Ordem Iniciática Tradicional às Obediências, tradução: Julia Vidili, ISBN
85-7374-790-0, primeira edição, Madras Editora limitada., 368 páginas, São
Paulo, 2004;
2. BEHRENS, Marilda Aparecida, Paradigma da Complexidade,
Metodologia de Projetos, Contratos Didáticos e Portfólios, ISBN 85-326-3247-5,
primeira edição, Editora Vozes limitada., 136 páginas, Petrópolis, 2006;
3. BLASCHKE, Jorge, Somos Energia, o Segredo Quântico e o
Despertar das Energia, tradução: Flávia Busato Delgado, ISBN 978-85-370-0643-6,
primeira edição, Madras Editora limitada., 172 páginas, São Paulo, 2009;
4. BORGES, Valter da Rosa, A Realidade Múltipla, primeira
edição, Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas, 420 páginas,
Recife, 1995;
5. CAPRA, Fritjof, As Conexões Ocultas, Ciência para a Vida
Sustentável, título original: The Hidden Connections, tradução: Marcelo Brandão
Cipolla, 13ª edição, Editora Pensamento Cultrix limitada., 296 páginas, São
Paulo, 2002;
6. CAPRA, Fritjof, O Ponto de Mutação, A Ciência, a
Sociedade e a Cultura Emergente, título original: The Turning Point, tradução:
Álvaro Cabral, Newton Roberval Eichemberg, primeira edição, Editora Pensamento
Cultrix limitada., 448 páginas, São Paulo, 1982;
7. COMTE-SPONVILLE, André, Pequeno Tratado das Grandes
Virtudes, tradução: Eduardo Brandão, ISBN 85-336-0444-0, primeira edição,
Livraria Martins Fontes Editora limitada., 392 páginas, São Paulo, 1995;
8. LOCKE, John, Ensaio Acerca do Entendimento Humano,
tradução: Anoar Aiex, ISBN 85-13-01239-4, primeira edição, Editora Nova
Cultural limitada., 320 páginas, São Paulo, 2005;
9. NALLY, Luis Javier Miranda MC, A Ética no Caos ou
Aprendendo com o Caos, ISBN 978-85-7252-271-7, primeira edição, Editora
Maçônica a Trolha limitada., 176 páginas, Londrina, 2009;
Nenhum comentário:
Postar um comentário