Interpretação filosófica, limites e considerações da
tolerância aplicada na Maçonaria.
Destaca a aplicação no comportamento individual e nas
relações interpessoais.
Charles Evaldo Boller
Dentro daquilo que a Maçonaria preconiza como ideal, a mente
do maçom equilibrado não tolera tudo. É incentivado a ser inimigo figadal dos
que tolhem a liberdade das massas e tentam agrilhoar a ele ou seus irmãos.
Recebe treinamento para repudiar emoções desenfreadas, que induzem à tirania e
conduzem ao despotismo. É intransigente com a intolerância desenfreada que
conduz a perseguição ou a ignorância das massas conduzidas por homens
inescrupulosos. Sua tolerância deve ser tal que não fique posando qual ingênuo,
que confunde tolerância com licenciosidade.
A Maçonaria educa aqueles que são iniciados em seus segredos
porque é de sua crença que um povo desenvolvido não pode ser escravizado e um
povo ignorante não pode ser libertado. O verdadeiro maçom é um estudioso
prático, um intelectual que age. Sem estudo não existe progresso. Sem discussão
e exercício do pensar não existe evolução.
A história da Maçonaria tem em torno de dois séculos.
Afirmar que seja mais velha é apenas vaidade de uns poucos que acreditam que
quanto mais no passado estiver a origem de uma organização maior é sua
credibilidade e grandeza. E neste espaço de tempo ela já angariou miríades de
inimigos implacáveis e vingativos, sempre movidos pela intolerância, ignorância
e escravidão mental e espiritual. No Brasil, um grande exemplo de intolerância
com a escravidão física, mental e espiritual proveio do homem maçom Deodoro da
Fonseca. São de sua iniciativa: institucionalizar o casamento civil, tornar sem
efeito jurídico o matrimônio religioso; instituir o registro civil; proibir o
ensino de religião em escolas públicas; tirar os cemitérios do domínio das
igrejas, secularizando-os; promulgar o Código Penal que extinguiu a pena de
morte em tempo de paz no Brasil. Mesmo que tenha dirigido o país por curto
tempo sob ditadura, ele é um exemplo do homem maçom que atuou na defesa das
liberdades constitucionais e direitos inerentes ao povo. Usava da tolerância e
da intolerância com equilíbrio.
É treinando seus adeptos que a Maçonaria combate intolerância,
tirania, fanatismo, brutalidade e ignorância. O fato de desenvolver a
tolerância, não significa que ela seja subserviente e sucumba diante da posição
de homens mal orientados, mas bem intencionados, pois se assim fosse, ela já
teria caído no esquecimento há bastante tempo. No exercício da tolerância e em
seu treinamento a Maçonaria ensina que tolerância exige a definição de limites.
Quando o maçom filosofa, faz exercícios na arte de pensar, especula e teoriza
dentre as mais variadas linhas de pensamento, aí ele exercita a tolerância.
Respeita e defende o que o outro maçom diz e pensa, a tal ponto que afirma ser
capaz até de morrer para defender o pensamento de seu irmão.
Ao maçom é ensinado que o filosofar é pensar sem provas,
isto exige tolerância, mas perseverar num erro é para ele uma falta que deve
ser combatida, é a intolerância disparada pela ultrapassagem aos limites
estabelecidos. É o limite do que é tolerável. Parte do princípio que ao
intolerante imoral falta mesmo é inteligência, é desprovido de liberdade e não
quer por isto dar liberdade aos outros. Para o maçom a liberdade de espírito
vem da experiência e da razão exercida com tolerância limitada, pois só assim
ela é efetiva.
E como a necessidade de tolerância surge apenas em questões
de opinião, então em suas discussões ou estudos, normalmente é de praxe ao
maçom sábio fazer severos exercícios de dicotomia, apresentar as mais diversas
linhas de pensamento para qualquer verdade que defenda; deixa-se para o irmão
ouvinte tirar suas próprias conclusões daquilo que postula em seu constante
filosofar.
O maçom é condicionado na prática a combater a tolerância
absoluta porque sabe que uma tolerância universal é moralmente condenável
exatamente porque esqueceria as vítimas em casos intoleráveis de violência e
abuso dos tiranos. Isto é, existem situações em que a tolerância em excesso
perpetuaria o martírio das pobres vítimas. Dentro dos limites ditados pela
moral, tolerar seria aceitar o que poderia ser condenado, seria deixar fazer o
que se poderia impedir ou combater. Nesta linha podem-se tolerar os caprichos
de uma criança ou as posições de um adversário, mas em nenhuma circunstancia o
despotismo alienante de uma pessoa ou instituição.
Com humildade aceita que não há tolerância quando nada se
tem a perder, haja vista que tolerar é se responsabilizar, porque uma
tolerância que responsabiliza o outro já não é mais tolerância. Tolerar o
sofrimento dos outros, a injustiça de que outros são vítimas, o horror que o
poupa, já não é mais tolerância; é indiferença, egoísmo ou algo pior. Antes
ódio, antes fúria, antes violência do que a passividade diante do horror, do
que a aceitação vergonhosa do pior! Pela imposição de limites que o homem maçom
se impõe em resultado de seu treinamento, uma tolerância universal seria
tolerância do atroz. E quando levada ao extremo, a tolerância acabaria por
negar a si mesma.
A tolerância só vale dentro de certos limites, que são os da
sua própria salvaguarda e da preservação de suas condições e possibilidades. Se
o maçom enveredasse por uma tolerância absoluta, mesmo para com os
intolerantes, e se não defendesse a sociedade tolerante contra seus assaltos,
os tolerantes seriam aniquilados, e com eles acabaria também a própria
tolerância. O treinamento maçônico revela que uma sociedade em que uma
tolerância universal fosse possível, já não seria humana. As conclusões da
ordem maçônica levam seus adeptos a verificar que a tolerância é essencialmente
limitada, pois uma tolerância infinita seria a fim da própria tolerância. Não
se deve tolerar tudo, pois destina a tolerância à sua perda. Também não se deve
renunciar a toda e qualquer tolerância para com aqueles que não a respeitam.
Aquele que só é justo com os justos, generoso com os generosos, misericordioso
com os misericordiosos, não é nem justo, nem generoso, nem misericordioso.
Tampouco é tolerante aquele que só o é com os tolerantes. A tolerância como
virtude depende do ponto de vista daqueles que não a têm. O justo é guiado
pelos princípios da Justiça e não pelo fato do injusto não poder se queixar.
Democracia não é fraqueza. Tolerância não é passividade.
Moralmente condenável e politicamente condenada, uma tolerância universal não
seria nem virtuosa nem viável. A tolerância como força prática, como virtude,
tem os seus fundamentos alicerçados no fato de que a fraqueza humana resulta de
sua incapacidade de alcançar o absoluto.
A prática das oficinas maçônicas, naquelas aonde
permanentemente é exercitada a capacidade de pensar, discutir, debater, ouvir e
calar revela que a evidência é uma qualidade relativa. Mesmo que algo pareça
exato, verdade, correto, pode no decurso de um debate mostrar que não é
absoluto, daí nunca admitir-se que uma verdade é absoluta e final. As
discussões, longe de afastar um irmão do outro, aproxima-os quando praticam
dentro dos limites impostos pela tolerância que todos os seres humanos,
indistintamente, são constituídos de fraquezas e de erros. Com isto em vista, o
verdadeiro homem maçom, aquele que está desperto e ativo, perdoa as tolices que
o outro comete e aguarda que aquele irmão de pensamento equivocado acorde de
sua inconsciência, dando cumprimento para com esta primeira lei da sua
natureza: a falibilidade.
A grande salvaguarda do homem maçom quando se contrapõe aos
tiranos, é o conhecimento de que aquele, mesmo que possua em suas mãos o poder
absoluto, não tem condições de impô-lo a ninguém, porque não poderia forçar um
indivíduo a pensar diferente do que pensa, nem a crer verdadeiro o que lhe
parece falso. Esta a razão da Maçonaria ter sido hostilizada e proibida desde
quando surgiu na França e Holanda, países onde foi proscrita logo no início de
sua expansão. É no pensamento que o maçom deve ser livre de forma absoluta,
pois não há liberdade nem sociedade próspera sem inteligência.
A tolerância é tema fundamental da Maçonaria, inclusive sua
existência é devida a ela, pois nasceu em decorrência da intolerância entre
facções políticas e religiosas. É uma tolerância calcada na definição de
limites claros. Ultrapassou o limite definido pelas leis em vigor em sua linha
de tempo, não tem comiseração, o castigo deve ser aplicado com todo o rigor ou
a sociedade fenece.
Cada maçom é estimulado de forma diferente pelo ensinamento
da Maçonaria. O lastro que carrega mostra que o principal aspecto da ordem
maçônica é o desenvolvimento de princípios morais calcados na espiritualidade.
A simbologia, a ritualística e toda a filosofia envolvida, sempre em seu centro
destaca a espiritualidade. O meio para desenvolver em espírito, apesar de
ressaltado, não fica tão evidente. Apenas os mais sensíveis e aplicados a
desenvolvem. Existem homens Maçons já bem antigos na ordem maçônica que sequer
sabem de fato o que alguns símbolos representam. Um exemplo é o símbolo
composto formado pelo esquadro, compasso e o livro da lei, onde o olho
perspicaz visualiza um homem circunscrito por uma estrela de cinco pontas,
significando a criatura religada ao Grande Arquiteto do Universo por laços de
carne, pela espiritualidade encarnada. E disto se deduz a união com o Grande
Arquiteto do Universo, sua religação com a divindade.
A tolerância é o que permite aos homens da Maçonaria viver
em harmonia, onde esta última não existir, certamente não há tolerância com
limites. Em consequência não existe amor, a única solução de todos os problemas
da humanidade. E onde não existe amor também não se manifesta o Grande
Arquiteto do Universo, o Deus que cada um venera a sua maneira, pois este só
está onde as pessoas se tratam como irmãos, demonstram e praticam o mais
profundo amor entre si.
Bibliografia
1. BAYARD, Jean-Pierre, A Espiritualidade na Maçonaria, Da
Ordem Iniciática Tradicional às Obediências, tradução: Julia Vidili, ISBN
85-7374-790-0, primeira edição, Madras Editora limitada., 368 páginas, São
Paulo, 2004;
2. BENNETT, William John, O Livro das Virtudes, Antologia,
título original: A Tresaury of Great Moral Stories, ISBN 85-209-0672-9,
primeira edição, Editora Nova Fronteira S/A, 534 páginas, Rio de Janeiro, 1993;
3. CAPRA, Fritjof, A Teia da Vida, Uma Nova Compreensão
Científica dos Sistemas Vivos, título original: The Web of Life, a New
Scientific Understandding Ofliving Systems, tradução: Newton Roberval
Eichemberg, ISBN 85-316-0556-3, primeira edição, Editora Pensamento Cultrix
limitada., 256 páginas, São Paulo, 1996;
4. COMTE-SPONVILLE, André, O Espírito do Ateísmo, título
original: L'esprit de L'théisme, tradução: Eduardo Brandão, ISBN
978-85-60156-66-5, primeira edição, Livraria Martins Fontes Editora limitada.,
192 páginas, São Paulo, 2007;
5. COMTE-SPONVILLE, André, Pequeno Tratado das Grandes
Virtudes, tradução: Eduardo Brandão, ISBN 85-336-0444-0, primeira edição,
Livraria Martins Fontes Editora limitada., 392 páginas, São Paulo, 1995;
6. GREGÓRIO, Fernando César, Chaves da Espiritualidade
Maçônica, ISBN 978-85-7252-236-6, primeira edição, Editora Maçônica a Trolha
limitada., 184 páginas, Londrina, 2007;
7. ROHDEN, Humberto, Educação do Homem Integral, primeira
edição, Martin Claret, 140 páginas, São Paulo, 2007;
2 comentários:
Arte Real Tolerância
“A história da Maçonaria tem em torno de dois séculos. Afirmar que seja mais velha é apenas vaidade de uns poucos que acreditam que quanto mais no passado estiver a origem de uma organização maior é sua credibilidade e grandeza.”
Os nossos cumprimento pelo post:Tolerância.
Ela é em si mesma um artigo valioso e raro.
Lemos a vossa afirmação de vaidosísmo no que se refere as origens da maçonaria ser pretensamente mais antiga.Sabemos que não é unicamente vossa,muitos partilham dessa mesma idéia.Mas, nós gostaríamos de saber da V opinião sobre o Manuscrito Halliwel,que parece ser anterior a 1390 ,com provas irrefutáveis,pois é citado o Rei Athelstane subiu ao trono em 920.O Poema Regius cataloga 15 artigos ou preceitos maçônicos
Loja da Austrália de onde retirei a matéria,pode ser baixado o original em Inglês
RW Bro Neal Hewton PJGW
http://barronbarnett.org.au/index.html
http://barronbarnett.org.au/papers.html
SS S
JATeixeira
url: www.tubatrentino.blogspot.com
Podem-se creditar a datas, documentos e outros detalhes, hipoteticamente históricos, verossimilhantes e até com contornos de verdade para definir as origens da ordem Maçônica. Aceitam-se afirmações que os maçons expressam porque isto é correto e base de seu relacionamento fraterno. Em se tratando de uma instituição composta de homens que especulam, pensam livremente, fica a critério de o leitor ou ouvinte, aceitar ou rejeitar, determinadas afirmações.
Existem certos "donos da verdade" que se expressam de forma imperativa e em suas divagações buscam sustentação de datações em verossimilhanças e ligações forçadas, suporte falso para suas ideias; isto é erro e o maçom tem obrigação em desvelar o engodo.
Assim, a liberdade de especular já levou certo autor a definir a origem da Maçonaria no Jardim do Éden, o que constitui um exagero evidente. Como é possível alguém afirmar que a Maçonaria teve sua origem numa lenda emblemática? Certamente a lenda do jardim de delícias é parte de prolegômenos a serem utilizados para ilustrar assuntos complexos para pessoas rústicas e de poucos conhecimentos. Outros colocam a Maçonaria como originária da época de Salomão, dos canteiros de obras das pirâmides egípcias, e assim vai.
O período que antecedeu à Maçonaria especulativa não interessa mais que fornecer referências daquilo que deu origem ao modo de trabalhar do maçom dentro de seu templo — o maçom é um templo vivo que dá honra e dá glória ao conceito maçônico Grande Arquiteto do Universo.
Datas anteriores ao estabelecimento das lojas da Inglaterra que mais tarde formaram a Grande Loja Unida da Inglaterra são apenas referenciais cronológicos de onde nasceu a forma de trabalhar do maçom. Ser a Maçonaria originada de antigas guildas, organizações semelhantes a sindicatos, não torna a Maçonaria especulativa mais antiga do que ela é. Adão pode até ter atuado como pedreiro no Jardim do Éden, mas isto não permite afirmar-se que a Maçonaria nasceu lá! Os pedreiros que construíram as maravilhosas pirâmides não são os criadores da Maçonaria. Muito menos os arquitetos, monges, e profissionais que construíram templos e igrejas na Idade Média. O maçom especulativo copiou apenas dos pedreiros profissionais a forma que estes se utilizavam para se reunir e cuidar da manutenção de seus segredos profissionais de construção, assim como age qualquer categoria profissional.
Os autores da Maçonaria especulativa foram cientistas, filósofos, enciclopedistas, rosa-cruzes, alquímicos, filólogos, pedagogos, clérigos e outros. Representavam a seu tempo a casta de homens eruditos e cultos que precisavam de um local protegido para reunir-se e tratar de seus assuntos longe das vistas e ouvidos dos algozes, fanáticos e loucos criados pela Inquisição da Igreja Católica Apostólica Romana.
A Maçonaria nasceu no século XVI. O maçom duvida disso. Aliás, o melhor a fazer é duvidar sempre e nunca afirmar categoricamente nada que não possa ser devidamente provado por documentos; qualquer tipo de documento. Dos documentos criados pelo homem deve-se duvidar sempre! É impossível creditar certificado de certeza absoluta ao que o homem gravou em seus registros, mesmo se encravados na pedra. É necessário estudar o contexto histórico e cultural dos autores dos registros e então especular em torno de possibilidades de certezas baseado em informações factícias. Um fóssil é mais fidedigno que qualquer registro escrito pelo homem.
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