A transmissão de conhecimento entre os maçons pela
utilização de blocos de códigos simbólicos; estórias e parábolas.
Charles Evaldo Boller
Que fascínio exercem os contadores de histórias, romancistas
e dramaturgos? Porque os seres humanos dedicam tantas horas concentrados, até
alienados, em assistir filmes, ler livros ou jogar conversa fora? E como é
gratificante ouvir o som das palmas de uma criança quando lhe é prometido um
conto; júbilo este que se propaga entre adultos. São atitudes que certificam
que a espécie humana é a única que troca estórias entre si. O hábito
provavelmente estabeleceu-se na pré-história do homem, em momentos de
ociosidade dentro das cavernas, onde contavam estórias entre os acontecimentos
do dia. Isto propiciou o fato da maioria dos conceitos éticos e morais
aportarem no presente por intermédio de parábolas. Em função disto
determinou-se que a sociedade humana só está em seu atual desenvolvimento em
resultado da transmissão dos mitos e de como estes influenciaram na psique
humana; é tanto que, são as ficções as responsáveis pelas explicações das mais
diversas realidades espirituais, transcendentais, sociais e cósmicas.
O iniciado na Ordem Maçônica é diversas vezes conduzido em
viagens simbólicas; conduzem-no por sendas imaginárias que lhe são dadas a
desbravar física, emocional e mentalmente. Para aumentar o impacto e aguçar a
sensibilidade emocional e cognitiva, alguns destes passeios são feitos às
cegas, com os olhos vendados. Mesmo na rigidez ritualística com que estes
deslocamentos físicos são efetuados, em virtude da individualidade, cada
indivíduo percebe-os psicológica e racionalmente a sua maneira, alicerçado em
seus próprios referenciais, baseado nos mitos e sistemas de crenças previamente
fixados pela sua experiência de vida.
Surge um questionamento: até onde estas jornadas da
Maçonaria conduzem? Até a morte; a maior ameaça que pode atingir alguém. Cada
vez que um maçom passa de grau por iniciação, dispara-se nele simbolicamente
uma angústia existencial aterradora, experimenta o fim, a morte. Estas
reiteradas mortes fictícias têm por objetivo negociar com o pavor da abominável
destruição. Ao homem maçom é dado aprender a morrer para condições anteriores;
a valores morais e éticos, e ao mesmo tempo é auxiliado emocionalmente a
superar a angústia da morte. Resumindo: aprende a morrer bem, para viver bem.
Para Sócrates, o homem virtuoso não pode sofrer nenhum mal, nem da vida, nem da
morte. Nem da vida porque os outros podem lhe danificar os haveres ou o corpo,
mas não lhe arruinar a harmonia interior e a ordem da alma. Nem na morte,
porque, se existe um além, o virtuoso será premiado; se não existe, ele já
viveu bem no aquém, ao passo que o além é como um ser no nada" (G. Reale).
As religiões criaram mecanismos para atenuação emocional deste trauma: promessa
de uma vida futura num jardim de delícias; restauração em um novo sistema de
governo mais justo aqui na Terra mesmo; outras declaram que o adepto será
levado a um lugar onde será servido por dezenas de virgens pela eternidade. O
maçom, por experimentar repetidas mortes simbólicas, e havendo compreendido e
praticado seu sentido simbólico, passa a gozar a vida em graus de harmonia
correspondentes ao quanto ele absorveu e vivenciou daquelas experiências, e passa
a ser afetado de forma positiva no conjunto de circunstâncias físicas e de
relacionamento interpessoal; aproveitando no aquém as benesses de levar vida
virtuosa.
A morte, por ser única, é destino que a mente humana não
aceita, haja vista os genes imporem a sobrevivência a qualquer custo. Os
psicodramas vividos nas passagens de grau, sabidamente lendas, objetivam e
ensinam a morrer. Ao vivenciar a morte, de imediato o recipiendário normalmente
alcança um entendimento razoável da mensagem, e, se mudar os seus parâmetros de
vida, passa a viver cada vez melhor desde então. Entretanto, ele também é
atingido por sugestões subliminares; outros pensamentos são incompreensíveis
por não disporem de referenciais na base de seu entendimento. No exato instante
da transferência da informação para o seu cérebro, a informação pode não ficar
clara quanto ao objetivo, mas, ao longo do crescimento dentro do contexto da
lenda do grau, ou em outros mais elevados, se houver esforço pessoal,
despertarão percepções que linguagem alguma teria condições de verbalizar.
Porque os mitos se espalham e se mantém ao longo da linha do
tempo? A ideia foi lançada pela primeira vez em 1976, por Richard Dawkins, que
partiu do princípio de, em sendo as leis físicas verdadeiras, e, alicerçado na
ação biológica da replicação; uma vida gera a outra vida apoiada nos genes, ele
transportou os conceitos da imutabilidade das leis físicas e da capacitação
replicante da genética para a capacidade humana em transmitir ideias. A cada
unidade de informação ele denominou meme. Provinda do verbete grego mimeme,
abreviando-o depois para meme apenas para ficar parecido com gene. Sugeriu que,
assim como os genes induzem a desejar a sobrevivência pela replicação, também
os memes se propagam e reproduzem no tempo pulando de um cérebro para outro. Ao
aportarem no receptor, os princípios e conceitos recebidos são agrupados ao
referencial existente, fundem-se ao que ele já possui. Se encontradas condições
favoráveis, acabam em transformarem-se em algo aceitável, trabalhando no
sentido de beneficiar seu utilizador; à semelhança das mortes sucessivas das
iniciações maçônicas levarem a intuir o viver bem na vida aquém.
Considerando que "somente o sábio, que esmagou os
monstros selvagens das paixões que lhe agitam no peito, é verdadeiramente
suficiente a si mesmo: ele se aproxima ao máximo da divindade, do ser que não
tem necessidade de nada" (W. Jäger), outras transações meméticas entre os
maçons se fazem necessárias para o entendimento do que realmente a Maçonaria
intenciona que cada um descubra durante sua edificação interna. Sem a troca
memética não é possível descobrir que dentro de si encontra-se a lei que levará
ao despertar para o culto do amor fraterno, verdade que a maioria dos grandes
iniciados da história descobriram como solução única aos problemas da
humanidade.
Que vindes fazer aqui? Se não for para transmitir memes às
mentes de teus irmãos, quer perda de tempo maior? Depois de aprender, é só
pensar, filosofar, contar histórias, enfim, transmitir memes; propiciar que os
interlocutores efetuem ligações neurais e gerem em si o alimento para que se
autoconstruam dentro do objetivo do "conhece-te a ti mesmo". Partindo
do princípio que todos os seres humanos são tripulantes desta linda nave
espacial Terra e dependerem uns dos outros para manter a supremacia como
espécie, a memética é fator fundamental para manter esta condição. E como se
faz isso na Maçonaria? Apresentando peças de arquitetura; lançando novas
ideias; conversando após as sessões; visitando outras lojas; visitando os
irmãos em suas residências; visitando aqueles irmãos que passam por situações
difíceis; replicando e criticando construtivamente, dicotomizando,
reconstruindo pensamentos pelos eternos ciclos de tese, antítese e síntese;
derrubando conceitos antigos e construindo novos, num processo continuo de
transmissão e replicação memética.
A memética é a técnica utilizada para revelar o conhecimento
ao iniciado na ordem maçônica. Com esforço, dedicação e perseverança, o maçom
vai misturando as estórias que lhe são contadas ao referencial pessoal e então
os insights explodem em fascínio e admiração; outros pensamentos ficam
dormentes no limiar da consciência para despertarem mais tarde; outros, nunca
aflorarão. Certamente este é um dos caminhos que conduzem ao encontro da luz
emanada do Grande Arquiteto do Universo. Como certificar-se disso? Apoiando-se
na memética e viajando pelos caminhos da jornada solitária que cada um faz a
sua alma, e cuja aplicação é oportunizada em cada encontro maçom.
Bibliografia
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Um comentário:
Gostei muito do seu blog, e da riqueza donteúdo! Não faço parte da Ordem, mas admiro demais! Seu blog, já está em meus favoritos!
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