Avaliação da possibilidade do maçom frear o motor do desejo
que o movimenta ao erro e submissão, sem matar o Conatus, sua iniciativa de
persistir e evoluir independente.
Charles Evaldo Boller
Origem
Diversos filósofos aplicam o conceito Conatus na explicação
da origem da violência que tira a liberdade do homem: aquela que o impede de
andar com as forças de sua própria iniciativa, escravizando-o através de
paixões e desejos.
Trata-se de um verbo latino que dá tratamento filosófico à
compreensão e determinação necessárias para tornar-se livre, continuar a
existência e aprimorar-se na linha de tempo reservada para a vida: a base da
vivência maçônica.
Tem aspectos positivos e negativos que são interessantes de
serem analisados, pois exercita uma dicotomia que auxilia no entendimento do
ser.
Sem que muitos o percebam, é parte das grandes provocações
que a Maçonaria faz a seus adeptos, já desde o primeiro psicodrama do
simbolismo: a cerimônia da iniciação; ocasião em que o iniciando é instado se
deseja persistir mesmo em presença da luta interna contra rejeição, desejo e
paixão.
Baruch Espinoza
Para Baruch Espinoza o conceito Conatus é:
- O desejo de viver, existir;
- Esforço que se manifesta na consciência em direção da autoperseverança para continuar existindo;
- A vida repleta de desejos dos quais depende o usufruto da vida;
- Onde o homem é essencialmente composto de desejos;
- A potência de agir e resistir;
- A essência da humanidade que varia de acordo com a intensidade da autopreservação onde não ter desejos é suicidar-se: é morte!
Como viver sem submeter-se a desejos que escravizam à
existência?
Como perseverar na vida com qualidade debaixo do princípio
de autoconservação natural que pode levar à escravidão?
O conceito Conatus tem diversas significações em resultado
do instinto e livre-arbítrio naturais contrapondo-se ao exercício consciente da
liberdade.
Desejo
Desejo é potência, capacidade de realizar, força que leva à
ação.
Tudo que resulta em ação é resultado de desejos.
É nisso que se baseiam os oportunistas para exaurir a força
da maioria dos humanos: exploram os outros através de seus próprios desejos. Os
abusadores deduziram que o homem está construído mais para desejar que para
raciocinar.
Pensar é atividade cansativa, para alguns até dolorosa.
Poucos pensam!
A absoluta maioria da massa humana prefere receber o produto
de outros pensadores e levar a vida apenas nutrindo seus apetites e desejos
primários: são aqueles que estacionam na base da Pirâmide das Necessidades de
Maslow, ao nível das necessidades fisiológicas, e dificilmente alcançam ao
estágio da autorrealização.
O homem exibe em primeiro plano os resultados de seus
desejos e não o resultado de sua capacidade racional.
Os desejos e paixões não deveriam ser a raiz de todo mal,
perversidades e perturbações, mas, em resultado da preguiça, são!
Por indolência ou por perversidade, as paixões e desejos
escravizam o homem. E o pior, é o próprio escravo que assim o deseja,
preferindo a prisão no recôndito de suas paixões que ser livre com
responsabilidade.
Daí ser o maçom instado em combater o bom combate para
vencer suas paixões escravizantes e praticar as boas paixões para servir e
trazer felicidade para si mesmo e aos conviventes.
Mas como matar o motor do desejo que movimenta o homem ao
erro e submissão sem matar o Conatus, sua iniciativa de persistir em evoluir
independente?
Usando deste elemento motor para desenvolver, pela
racionalidade, apenas o lado bom e livre desta potência natural.
Na Maçonaria é oferecida a oportunidade de desenvolver a
capacidade de iluminação, o desejo de andar com as próprias forças, sem auxílio
ou tutela de outros, nutrindo os próprios desejos naturais sem submeter-se ao
desejo de terceiros em virtude de preguiça para evoluir utilizando dos recursos
de seu próprio discernimento.
Fraternidade
A convivência fraterna, e sem necessidade de escudos
hipócritas, têm potencial para libertar o homem.
A fraternidade existe para proporcionar experiências alegres
e agradáveis que levam ao desenvolvimento de forças de ataque e defesa para
derrubar desejos que degradam.
A iluminação maçônica tem a pretensão, não a certeza, de
propiciar o meio onde a potência para existir com qualidade seja aumentada.
Tudo depende de como cada um reage diante da provocação da Maçonaria que, pela
fraternidade, induz às experiências alegres de convivência, afastando os
adeptos de situações dolorosas e tristes causadas pela tirania, opressão e
prepotência de minorias sobre maiorias.
Os encontros efetuados em loja, com sua ritualística e
atividades cognitivas cultas, levam a desfrutar da vida com alegria e utiliza a
ação Conatus em seu sentido positivo, presta-se a induzir perseverança para
continuar na autoconstrução. A loja é semelhante a uma família e ao mesmo tempo
uma escola de conhecimentos. Os mestres têm a obrigação de promover atividades
e eventos que alimentem o Conatus dos demais associados de tal forma a aumentar
sua potência e desejo para a vida fraterna. Não se trata exclusivamente de
festividades sociais, mas de reuniões alegres que promovam o bem, o culto, o
erudito. Os banquetes maçônicos são culturais. De um lado apreendem-se
conhecimentos e de outro, estes mesmos saberes são servidos e distribuídos aos
conviventes. É um sistema de trocas que funciona por indução: impossível de
representar em linguagem oral ou escrita porque afluem forças que são sentidas,
mas ainda impossíveis de serem verbalizadas.
Desta forma são construídas personalidades fortes que agem
na sociedade em todas as suas dimensões.
Desenvolvem-se líderes e não títeres.
Despertam potencialidades que levam ao desenvolvimento de
gestores dos próprios destinos e transformadores da sociedade para desfrutar
daquilo que a natureza oferece.
O objetivo é lúdico e ao mesmo tempo de árduo trabalho na
autoconstrução.
O centro é o maçom.
É experiência espiritual.
A mudança, de forma agradável, é centrada no maçom, no
adepto, e não nos homens da sociedade. A sociedade é afetada por consequências
das ações dos maçons.
É o homem forjado nas oficinas da ordem maçônica que vai
fazer a diferença na sociedade onde tem a potencialidade de conduzir seu
destino e ajudar outros a desenvolverem-se de igual forma.
Teoria da Afetividade
O conceito Conatus é central dentro da teoria da
afetividade.
O operador dinâmico é o maçom e sua afetividade enquanto ser
concebido como tendo uma natureza comum.
A amizade é estratégica no procedimento de elevar a
capacidade de perseverança, de Conatus, para o desenvolvimento ao bem.
O sucesso da atividade maçonicamente orientada depende e é
inseparável dos laços que se formam entre os irmãos. O próprio tratamento como
irmandade já implica na exigência de camaradagem na atividade lúdica e
cultural.
A ação Conatus é um esforço que não possui objeto, mas é
estratégica: é uma potência de agir dentro da fraternidade, seguindo a teoria
da afetividade, com fortes possibilidades de conservação do desejo de fazer o
bem para a humanidade. Assim, o maçom produz os frutos resultantes da própria
produtividade dos dons afetivos que a natureza disponibilizou dentro dele.
Os aspectos positivos do conceito Conatus são as decisões
internas que, necessariamente, passam pela vontade de viver em sociedade com
outros seres vivos; "o homem é, por natureza, um ser social" (Karl
Marx).
Thomas Hobbes
Segundo Thomas Hobbes, o conceito Conatus é indispensável na
análise da concepção da natureza humana, em:
- Tudo aquilo que, de alguma forma, propicia a vida em resultado do desejo e da vontade individual;
- Um fogo interno que move o homem a dirigir-se àquilo que lhe traz prazer e o afasta do que o desagrada;
- Ação sem imposição externa: resultante do esforço em perseverar;
- Capacidade natural de autoconservação: característica racional humana em resultado da consciência de preservação da vida;
- Preservar a essência interna do homem livre;
- Manter um estado natural de vida do homem em sociedade.
Por outro lado, a característica natural do conceito Conatus
é observada também em aspectos negativos, caracterizado por:
- Egoísmo do homem que, desassossegado, deseja poder sempre mais que os outros, tendência que o acompanha até a morte;
- Inclinação que move o homem a vencer sempre;
- Luta no acumulo de recursos para além da necessidade;
- Guerra de todos contra todos na vida social;
- Homem governado por suas paixões, que acha possuir o direito natural de apoderar-se do que bem entender;
- Aquilo que impulsiona o homem a ultrapassar ao outro na vida social, de onde afloram sentimentos de perdedor e vencedor;
- Disposição que torna os homens iguais em força quando o fisicamente mais fraco adquire a capacidade de matar o fisicamente mais forte ao usar de estratagemas mais espertos.
Subjugar o outro é característica natural do homem enquanto
selvagem ou enquanto não vence a si mesmo. Sua tendência natural é de sempre
subjugar os da própria espécie, explorando e exaurindo a força de produção do
outro, dando o mínimo ou nada em troca.
Segue a máxima: "estamos aqui para comer uns aos
outros".
Esta disposição mental violenta e agressiva pode ser
moderada quando cada indivíduo ingressa de forma responsável na vida social:
uma das fortes propostas da Maçonaria: pela igualdade, mesmo em presença das
diferenças.
O estudo dos contrates do conceito Conatus proporciona o
entendimento de como funciona a violência humana decorrentes do despotismo, da
arrogância e da prepotência de indivíduos, pessoas e grupos.
Ao maçom, a dicotomia do conceito Conatus aponta caminhos
para:
- Tornar-se bem-sucedido e evitar ser presa daqueles que se acham com mais direitos.
- Fomentar relacionamentos onde todos levam vantagens, não necessariamente igualitárias, mas justas.
- Ajudar no entendimento das razões da existência da violência, traduzindo-a como característica natural do livre-arbítrio que pode ser superada pela transformação consciente.
Liberdade e Livre-arbítrio
A ação humana é livre na proporção em que o ator entende
como funciona sua determinação, seu exercício de Conatus. O pensamento correto
de liberdade advém da análise das possibilidades, onde liberdade e
possibilidade são ideias independentes. A liberdade consta de possibilidades de
ações e ideias independentes.
Aprende-se na Maçonaria que o homem só pode considerar-se
livre se, em sua caminhada pelo mundo, tiver a seu dispor a possibilidade de
escolher racionalmente entre alternativas. É a razão da pugna da ordem maçônica
em oferecer liberdade para toda a sociedade humana. Assim, ela desenvolve
homens com conhecimento da liberdade que se manifesta àqueles que obtêm
consciência da autodeterminação: do Conatus.
O maçom constata esta liberdade quando descobre que nada
existe fora dele mesmo que lhe imponha uma direção: é o exercício do Conatus
voltado ao esforço de atender a tendência de ser livre para persistir em
existir e evoluir continuamente.
Com este entendimento, não se confunde liberdade com livre-arbítrio:
- Liberdade - Livre-arbítrio
- Autodeterminação: a decisão vem do depois de pensado e avaliado. - Agir sem motivos ou finalidades: em resultado de impulso natural e instintivo.
- Limitada e racional. - Ilimitado: manifesta-se sem razão ou objetivo.
- Racional; artificial, dissimulada. - Emocional, instintivo, natural, franco.
O autoconhecimento livra o homem do obscurantismo assim como
a autodeterminação leva o homem a desfrutar da liberdade com coerência.
Gostar de alguma coisa, considerando que possa ser resultado
de imposição de modismos ou propaganda da mídia, não implica em falta de
liberdade, desde que a ação, ou gosto, seja resultado de desejo interno,
particular. É liberdade desde que o gosto pertença à pessoa em resultado de sua
autodeterminação.
Já o livre-arbítrio não passa de uma ilusão da imaginação,
espécie de conhecimento inicial. Livre-arbítrio, na ótica de Baruch Espinoza, é
um preconceito primordial, fonte de todos os outros preconceitos.
Conceito e Ação Conatus
Em diversas oportunidades da jornada, o adepto maçom é levado
explorar e reforçar sua inclinação latente e congênita de existir com qualidade
e de aprimorar-se como pessoa humana na ação Conatus que lhe é inerente.
A melhoria pessoal ocorre na mente, no espírito, na psique e
na matéria. Mudança que acontece em todas as dimensões humanas com vistas a
produzir um ser humano melhorado em condições de persistir, de aplicar Conatus
em sua jornada.
A exploração do conceito Conatus, em seus aspectos
positivos, evita a vaidade congênita que tende ao desejo de querer ser mais
importante que o outro, daí constar na divisa da Maçonaria: a igualdade. Não
existe igualdade sem fraternidade e liberdade. Assim sendo, a ação Conatus
impulsiona ao equilíbrio: ocorre aporte de determinação e persistência quando
se exercitam igualmente igualdade, liberdade e fraternidade.
Ao frequentar as sessões maçônicas, lentamente, em resultado
de fraterna convivência, o maçom se modifica e domina a inclinação de reinar
sobre os demais, considera-se igual e, com isso, propicia a liberdade de si mesmo.
Entender isso é iniciar-se em espírito: abraçar uma vibração energética que
fica acima da realidade perceptível aos sentidos. Ao vencer a vaidade e a
soberba torna-se irmão, inicia-se maçom: é reconhecido maçom. Assim, a sua
regularidade como maçom vai muito além dos sinais, toques e palavras. Demonstra
que entendeu a mensagem da cerimônia de iniciação: a dramatização da iluminação
maçônica. Entendeu que está no Universo para servir seus irmãos e à sociedade:
"a Maçonaria está nele!" -, dizem sem falsa retórica os mais
adiantados.
Aprendeu bem e responde favoravelmente às provocações da
Maçonaria em seus rituais: faz o bem e se modifica em resultado da prática do
bem. Para um homem assim, os diplomas, as medalhas, os aventais, os colares e
outros penduricalhos traduzem expressões de vaidades! Encontrou o poder e a
riqueza que edifica seu próprio templo vivo nas virtudes que estão no espírito!
Desta forma a ação do Conatus faz o homem persistir em evoluir constantemente.
A jornada modificadora interna do maçom segue em ascendência
por uma senda que é semelhante a uma escada dupla que sobe de um lado e desce
pelo outro. De um lado, enquanto o maçom sobe, ele é servido por seus irmãos de
conhecimentos e ciências, e de outro, enquanto desce pela escada, baseado em
virtudes, ele serve seus irmãos. É um exercício de humildade sem precedentes,
haja vista a característica natural negativa do conceito Conatus aplicada ao
ser humano leva o homem a sentir-se naturalmente mais importante que o outro.
Servir sem esperar nada em troca é o altruísmo mais elevado que o maçom pode
alcançar! Com isso ele serve qual construtor de templos vivos numa sociedade
perdida, pervertida e alienada a um sistema terrível de usura e escravatura.
Livre da escravidão ao sistema florescem qualidades internas
que edificam o caráter. O ritual maçônico instiga ao hábito das coisas a serem
desenvolvidas no dia-a-dia em todos os lugares.
E do hábito amadurecem grandes maçons que vencem o teste do
tempo!
Sem confundir liberdade com livre-arbítrio e longe de se
afetar com a perda de liberdade com a evolução científica, o maçom iniciado no
espírito - que vive uma experiência espiritual - usa dos conhecimentos e
criações científicas para servir a si e aos seus irmãos.
O conceito Conatus é entendido e utilizado em suas dimensões
positivas e de construção do desejo e da paixão para o bem: é essencial na
manutenção da perseverança para realizar a caminhada da modificação em sentido
lato do ser para o bem.
O maçom iniciado no espírito - naquele onde a Maçonaria
penetrou em resultado das reiteradas provocações - é o mestre servidor de seus
irmãos. Sua alma purificada pelo serviço prestado aos irmãos faz seu corpo
resplandecer! Este brilho, esta luz, é resultado positivo da ação Conatus, do
ensino e do apoio dado aos irmãos porque é com isto que se dá honra e glória ao
Grande Arquiteto do Universo!
Bibliografia
1. LIMONGI, Maria Isabel, Hobbes e o Conatus: da Física à
Teoria das Paixões;
2. PAES LEME, André, Spinoza: o Conatus e a Liberdade
Humana;
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