Entre Rituais e Liberdade: o Segredo da Marcha Maçônica
Há perguntas aparentemente pequenas que escondem abismos de
significado. Uma delas atravessa discretamente as colunas de muitas lojas:
afinal, o aprendiz deve arrastar os pés ou caminhar normalmente em sua marcha
ritual? À primeira vista, trata-se de detalhe mecânico, quase irrelevante. Mas,
se olhada com atenção, essa questão revela o conflito silencioso entre tradição
e liberdade, forma e essência, rito e consciência. Em cada passo arrastado ou
erguido vibra a pergunta central da Maçonaria: o que realmente nos faz evoluir,
o gesto do corpo ou o despertar do espírito?
Imagine uma escada metálica pendurada no teto de um templo,
avançando a partir do livro da lei, sem que ninguém saiba explicar por que está
ali. "Razão para a sua existência
não há; alguém pendurou, e ninguém mais teve coragem de tirar",
responde um irmão mais antigo. Essa imagem é um ícone perfeito das tradições
que herdamos sem compreender, dos símbolos que repetimos por medo de mexer no
que sempre foi assim. Quantas "escadas
de Jacó" penduradas habitam nossas lojas, nossas crenças, nossas
certezas? E, mais inquietante ainda: quantas delas habitam o interior de cada
maçom?
O ensaio que se segue convida o leitor a ir além da curiosidade
sobre o passo correto. Propõe examinar a própria lógica de nossos rituais,
confrontando a tendência humana de multiplicar leis, detalhes e regulamentos,
como fizeram os antigos hebreus com a lei mosaica, até que tudo se tornasse um
fardo insuportável. Será que não fazemos o mesmo com nossos rituais, criando
camadas de exigências formais que, muitas vezes, obscurecem a lei simples e
revolucionária do amor fraternal? Quando a forma se torna um fim em si mesma, o
rito deixa de ser porta e passa a ser parede.
Entre o pedreiro medieval, que mão sabia ler, mas dominava a
pedra, e o maçom especulativo de hoje, cercado de livros, decretos e manuais,
abriu-se um abismo de complexidade. Este ensaio encurta esse abismo,
lembrando que a obra não é o templo de pedra, mas o Templo Interior, construído
com pensamento, vontade e consciência. Por isso, trata de esoterismo, física
quântica, filosofia clássica e religião não para erudição vazia, mas para
mostrar como todas essas linguagens apontam para o mesmo núcleo: o poder libertador do
pensamento.
Se a marcha do aprendiz é um símbolo, o que ela quer realmente
nos dizer? Se os gestos não mudam o homem por "passe de mágica", onde está, então, a magia da Maçonaria? Este
texto provoca, inquieta e convida: mais do que decidir se se arrastam ou não os
pés, importa descobrir se já começamos, de fato, a caminhar em direção à
própria liberdade. Ao final, talvez o leitor perceba que o "ritual correto" não está prescrito
em nenhum decreto, mas se revela na qualidade da energia que leva para a loja,
na coragem de questionar o que herdou e na disposição de transformar cada passo,
arrastado ou firme, em ocasião consciente de subir a própria escada invisível
rumo à Luz.
A Marcha do Aprendiz e o Simbolismo do Peso da Terra
A partir de usos e costumes se ensina que o Aprendiz deve
arrastar os pés, como se ainda estivesse materialmente preso ao chão, incapaz
de alçar voo para esferas mais sutis. Outros afirmam que deve caminhar
normalmente, pois o movimento do corpo pouco altera a direção do espírito. Qual
deles tem razão? Ambos, e nenhum. A pergunta, embora prática, revela o dilema
maior da Maçonaria: o homem oscila entre a areia que o prende e as estrelas que
o convidam. A polêmica dos passos não é sobre o andar, mas sobre o sentido do caminhar.
Arrastar os pés significa reconhecer o peso da existência. A
Terra, um dos quatro elementos clássicos, não é limite, mas ponto de partida. A
poeira que se levanta sob o calcanhar é a lembrança de que o Aprendiz ainda não
conquistou o direito de subir a escada interna da espiritualidade, a chamada
Escada de Jacó, que une Céu e Terra como um diapasão vibrando entre dois polos
da Criação. No entanto, caminhar com passos normais também é correto, pois a
marcha, enquanto símbolo, é apenas uma moldura. A pintura está dentro do
homem.
A marcha é um modo de educar o corpo para disciplinar o
espírito. Mas ela se torna irrelevante quando o próprio espírito desperta para
o sentido profundo da caminhada. Por isso, cada loja adota a prática que lhe
convém. A pluralidade é inerente à Arte Real, como se o Grande Arquiteto do
Universo espalhasse fragmentos da Verdade em cada oficina, esperando que o conjunto
das lojas funcione como um mosaico.
O gesto externo pode variar, mas o símbolo interior permanece.
A questão é se o Aprendiz está disposto a caminhar no Templo Interior com a
firmeza que não depende de músculos, mas de lucidez.
A Escada que Ninguém Ousa Retirar
Certa vez encontrei, suspensa no teto de uma laja do Rito Escocês Antigo e Aceito,
uma escada metálica inclinada que partia de cima do livro da lei e alcançava o
teto. Quando perguntei a razão daquela instalação, a resposta do Mestre mais antigo
foi: "razão para existir não há;
alguém pendurou aí e ninguém mais teve coragem de remover".
Esse episódio é metáfora de uma tendência humana universal:
aquilo que não compreendemos, conservamos por receio. A escada inerte
representa a tradição sem reflexão, o rito fossilizado, a liturgia transformada
em superstição. O símbolo destituído de sentido vira ornamento; e o ornamento,
quando não questionado, transforma-se em dogma involuntário.
A Escada de Jacó, na tradição esotérica, é dinâmica, viva, ascensional.
Ela representa as sete virtudes ou sete degraus da consciência que o homem deve
subir pela força da razão e da vontade. Uma escada fixa, de metal, suspensa
como monumento à inércia, rompe com o próprio espírito do símbolo. Ela aponta
para o Oriente, mas não conduz a lugar algum.
Da mesma forma, muitas práticas maçônicas sobrevivem apenas por
costume. Não são erros, nem acertos: são apenas degraus que ninguém ousou
mover. O Aprendiz que arrasta os pés e o Aprendiz que marcha normalmente podem
estar igualmente condicionados por tradições cujo sentido se perdeu no tempo.
Cabe ao filósofo da Arte Real perguntar: o ritual conduz à ascensão ou é apenas
escada metálica pendurada no teto?
A Multiplicação das Leis e o Peso da Tradição
O homem, dizem os antigos, é especialista em complicar o
simples. Os hebreus receberam preceitos básicos para orientar uma vida
comunitária no deserto. Com o tempo, transformaram a simplicidade mosaica numa
teia de obrigações. Quando Cristo propôs pelo Amor a libertação dessa carga
transformada em leis, sintetizou toda a Lei em um único mandamento: amar. Mas os eruditos judeus criaram novas
interpretações e regulamentações, reinstalando complexidade onde o Cristo
sugerira simplicidade luminosa.
A Maçonaria vive fenômeno semelhante. O rito foi criado para
ser caminho; tornou-se mapa. Depois virou manual, depois cartilha, depois
catecismo. Em seguida, surgiram suplementos explicativos, complementos e "interpretações autorizadas". O que
deveria conduzir ao Espírito passou a demandar mais e mais a matéria.
Essa multiplicação de normas deriva do impulso humano de
controlar o invisível por meio do visível. Como se fosse possível regular o
vento com decretos. O Cristo destruiu simbolicamente as leis para restituir
liberdade. A Maçonaria, ao defender a Lei do Amor Fraternal, propõe que toda
construção ritualística seja instrumento e não fim. Quando a cerimônia se torna
um fim, ela se torna ídolo e não portal.
O Mestre esclarecido sabe que a Lei do Amor é critério
interpretativo de todo o Rito. Se uma norma ritualística fere a fraternidade,
ela trai o fundamento.
Maçons Operativos e a Simplicidade das Pedras
Os maçons operativos tinham pouco interesse por cerimônias.
Reuniam-se em estalagens, pubs ou adegas. Suas assembleias eram mais reuniões
de trabalho do que templos. Eram artesãos da pedra, não sacerdotes do símbolo.
Não havia normas técnicas, Associação Brasileira de Normas Técnicas, rituais
codificados ou manuais. Havia pedra, cinzel e maço. Havia geometria instintiva,
matemática intuitiva, conhecimento transmitido pelo gesto, pelo olhar, pela
prática.
Essa simplicidade funcional é metáfora poderosa. O Aprendiz
contemporâneo, rodeado de livros, decretos, manuais e liturgias, pode perder de
vista a essência operativa: esculpir a si mesmo. A ferramenta do maçom
especulativo é o pensamento disciplinado, e não a coreografia ritual.
Um pedreiro medieval não discutiria se devia arrastar os pés.
Ele observaria se o bloco de pedra estava pronto para o encaixe. O Aprendiz
moderno deveria fazer o mesmo: avaliar se sua mente está em ângulo com a
verdade, se seu coração está nivelado pela justiça, se sua vontade está
perpendicular à moral.
A Cerimônia Aponta o Caminho, mas não é o Caminho.
A Sinfonia de Influências que Moldou o Rito Escocês Antigo e Aceito
O Rito Escocês Antigo e Aceito tornou-se repositório de
inúmeras tradições: rosacruzes, cabalistas, hermetistas, alquimistas,
filósofos, esoteristas, místicos, políticos iluministas, cristãos esotéricos,
neoplatônicos, pitagóricos e filólogos. Essa pluralidade faz do rito uma
biblioteca viva, cheia de pistas, atalhos, metáforas e símbolos.
Mas essa riqueza também gera confusão. O neófito, ao percorrer
a sala dos símbolos, vê um mosaico tão variado que pode concluir erroneamente
que a Maçonaria é um sincretismo religioso. Não é. A Ordem não é religião, nem
pretende ser. Ela utiliza símbolos religiosos porque estes são linguagem
universal da humanidade. Religiões oferecem metáforas; o rito oferece
interpretação.
A liberdade ocorre no pensamento. O maçom, ao estudar
diferentes tradições, aprende a não ser prisioneiro de nenhuma. Ele cola
fragmentos de sabedoria de múltiplas fontes para construir visão própria. O
rito é ferramenta de desapego intelectual, e não instrumento de doutrinação.
O que o maçom aprende é olhar além da forma. Se o símbolo o
escraviza, ele perde seu poder de libertação.
Pluralidade, Dinâmica Social e o Eterno Retorno das Reformas
A Maçonaria, como qualquer instituição humana, é atravessada
por dinâmicas sociais. Rituais se transformam, gestos se modificam, marchas e
palavras de ordem são ajustadas por usos e costumes locais. Cada loja possui
personalidade própria, moldada pela sensibilidade de seus membros. Essa
pluralidade não é ameaça, mas riqueza.
Contudo, a história mostra ciclos. Primeiro, tradição. Depois,
interpretação. Em seguida, complexificação. Depois, reforma. Cristo revogou a
lei mosaica para restaurar simplicidade. Após Ele, surgiram novos códigos. Na
Maçonaria ocorre o mesmo: quando uma liturgia se torna pesada, alguém propõe
simplificação. Quando simplificada, com o tempo, volta a crescer.
Esse ciclo não é defeito, mas reflexo da própria natureza
humana. Em sociologia, chama-se dinâmica da tradição. Em filosofia, chama-se
dialética. Em física quântica, chama-se flutuação: todo sistema vivo vibra,
oscila, reinicia, reorganiza.
A loja que compreende essa dinâmica não se desespera com
mudanças. Ela as espera.
Rizzardo da Camino e a Diversidade Ritualística
Rizzardo da Camino, estudioso do Rito Escocês Antigo e Aceito, observou que cada
Grande Loja brasileira possui seu próprio ritual, sempre com pequenas
diferenças. Nos graus filosóficos, supremos conselhos divergem entre si, embora
todos respeitem os landmarks. Para ele, rituais alterados com boa intenção
podem até ampliar a fraternidade, mas frequentemente prejudicam o esoterismo.
A observação é importante. Se o ritual é alterado sem
compreensão profunda de sua função simbólica interna, perde-se não apenas
forma, mas conteúdo. Modificar ritual sem compreender sua estrutura esotérica é
como remover um tijolo estrutural acreditando tratar-se de ornamento.
Mas o rito também não deve ser encarado como estátua intocável.
Ele é navegação. Não se troca o casco durante a viagem, mas pode-se ajustar as
velas. Cada loja encontra seu equilíbrio entre fidelidade à tradição e abertura
ao desenvolvimento interno.
Esoterismo Maçônico: Navegação Pelas Ciências Antigas e Modernas
O esoterismo da Maçonaria é sustentado por quatro pilares
clássicos: Pitagorismo, Alquimia, Cabala e Hermetismo. Cada uma dessas
tradições oferece linguagem simbólica para decodificar o mistério do ser.
O Pitagorismo ensina o Universo como harmonia matemática. A
vibração quântica pode ser entendida como resposta moderna dessa visão:
partículas se comportam como ondas que se modulam em padrões geométricos
invisíveis. O maçom é convidado a modular sua própria vibração interior,
tornando seu pensamento harmônico com as leis naturais.
A Alquimia, por sua vez, representa a transformação interior. O
chumbo da ignorância busca o ouro da consciência. A metáfora alquímica aparece
no conceito quântico de transmutação energética: a energia não se perde, apenas
muda de forma.
A Cabala oferece visão Metafísica da Criação estruturada em dez
sefirot, que se comunicam através de canais "sagrados". Na linguagem moderna, isso lembra campos
energéticos, interconexões e redes de informação estruturadas em múltiplos
níveis.
O Hermetismo integra todas essas ciências e oferece seu axioma
supremo: "O Todo é Mente; o Universo
é Mental." Hoje, a física quântica demonstra que o observador
influencia o fenômeno observado. O Hermetismo já sugeria isso há milênios:
consciência molda realidade.
A Maçonaria não exige que o adepto se torne especialista nessas
tradições, mas recomenda conhecimento básico para que desenvolva ferramentas de
interpretação do mundo e de si mesmo.
Energia, Ritual e a Verdadeira Função do Símbolo
A energia que circula numa loja reunida é mais importante que o
rigor formal absoluto. Quando o ambiente é fraterno, a vibração coletiva cria
campo sutil que favorece introspecção, insight e transformação. Ritualmente, a isto
é dado o nome de egrégora: a força invisível criada por mentes alinhadas em
propósito comum.
A posição dos pés, a altura do compasso, o ângulo do braço, são
elementos simbólicos. Eles apenas abrem a porta. O que transforma é o que
acontece depois que o iniciado atravessa o portal.
O simbolismo ritual é gatilho, NÃO
causa. Nenhum gesto produz iluminação sem que o coração deseje ser
iluminado. Nenhuma marcha eleva o ser se o ser não deseja ascender.
A "magia"
maçônica é psicológica e espiritual: decorre da convivência constante com
irmãos que despertam uns aos outros, formando campo energético que
amplifica virtudes.
Arrastar ou Levantar os Pés? Um Dilema que Oculta Outro
Inventar rituais faz parte da natureza humana. O ato de
arrastar os pés pode ter surgido por simples costume, ampliado depois por
interpretação esotérica tardia. Caminhar normalmente é igualmente válido. Em
ambos os casos, a loja é soberana.
O que não é soberano é o apego. É possível amar a tradição sem
idolatrá-la. É possível praticar gesto simbólico sem substituí-lo pelo
significado que ele apenas aponta.
No fundo, perguntar qual é o passo correto é pergunta mal
colocada. A pergunta é: "o que a
marcha produz em meu Templo Interior?" Se produz vigilância,
humildade, atenção e presença, está correta. Se produz vaidade, competição e
orgulho ritualístico, está errada, ainda que tecnicamente impecável.
A Disciplina e o Papel dos Regulamentos
Quando uma obediência estabelece ritual oficial, cabe ao maçom
obedecer por disciplina. Disciplina não é servidão; é harmonia. Em física
quântica, sistemas coerentes vibram em uníssono e produzem efeitos que sistemas
caóticos jamais alcançam. Uma loja que vibra em coerência ritualística cria
campo de consciência mais estável.
Assim, uniformização ritual é ferramenta para facilitar
sintonia. Mas nunca deve ser confundida com verdade
absoluta.
A Ilusão da Mudança Mágica e a Verdadeira Transformação
Nenhum gesto ritual altera o homem por si só. A transformação
ocorre quando mente, emoção e vontade se alinham. Não é o passo que muda o
Aprendiz; é o Aprendiz que muda o passo. O rito funciona como senha que
desperta potenciais internos, mas a mudança depende de lucidez pessoal.
É ingênuo acreditar que um movimento do corpo possa substituir
trabalho interior. Mas é realista compreender que o rito cria ambiente
favorável para que esse trabalho floresça. A egrégora é o acelerador invisível
da consciência.
A Maiêutica Maçônica: Despertar o que Já Está no Iniciado
Pítagoras demonstrou ao escravo de Mênon que a verdade pode ser
despertada pela pergunta certa. A função do venerável mestre e dos oficiais é
semelhante: provocar o raciocínio, incitar reflexão, estimular o nascimento
do pensamento próprio.
Marchas, sinais, toques e palavras são dispositivos de
recordação. Eles funcionam como algoritmos simbólicos que organizam memórias
profundas. Mas o sentido surge pela reflexão individual, não pela coreografia
repetida.
A Liberdade do Pensamento e o Caminho Após o Rito
O rito é o limiar. A partir do limiar, cada maçom caminha
sozinho, guiado por sua consciência, construindo seu templo vivo com carne,
ossos e espírito. A liberdade não está na palavra escrita, mas no pensamento
autônomo. Kant chamou esse processo de saída da menoridade. Platão o
descreveu como ascensão da caverna. A física quântica o entende como colapso da
função de onda pela escolha.
A liberdade é o ato supremo. A escolha é a ferramenta. O
pensamento é o templo.
A Especulação como Método e como Vocação
A Maçonaria permite ao iniciado especular temas que não podem
ser provados cientificamente, mas que são coerentes com lógica, sentimento e
intuição. A especulação não é devaneio; é laboratório da consciência. É
assim que o pensamento cresce e cria hipóteses que um dia poderão ser
experimentadas na vida ou na ciência.
O erro não é obstáculo, mas ferramenta. A construção interior
segue ciclos de tese, antítese e síntese. O Aprendiz aprende a duvidar para
poder crer por convicção, e não por herança cultural.
Entre o Gesto e o Significado
Discutir se se arrastam ou se levantam os pés é como perguntar
se o silêncio tem direção. A marcha é metáfora da busca interior. O que importa
não é o ângulo do passo, mas o sentido da caminhada. O que importa não é
a forma do rito, mas o despertar que ele provoca. O que importa não é o
gesto, mas a luz que se acende na consciência.
O templo físico é metáfora. O rito é metáfora. O corpo é
metáfora. O templo é a mente. O rito é o pensamento disciplinado. O Caminho é
aquele que conduz o homem a si mesmo e, assim, ao Grande Arquiteto do Universo.
A marcha é apenas o primeiro passo. O restante da jornada é
feito no silêncio da consciência.
A Caminhada Interior que Supera o Ritual
Ao concluir este ensaio, torna-se evidente que a discussão
sobre a marcha do aprendiz, arrastar os pés ou caminhar normalmente, funciona
apenas como porta de entrada para um tema muito mais profundo: a relação entre
forma e essência na jornada maçônica. A pluralidade de práticas, tradições e
interpretações não é defeito, mas testemunho de que a Maçonaria, enquanto
caminho iniciático, sempre acolheu a diversidade humana em suas múltiplas
expressões. Por trás de cada gesto ritual, há camadas de sentido simbólico;
ainda assim, nenhum gesto, por si só, possui o poder de transformar o homem.
O rito abre a porta, mas é o pensamento que
atravessa o umbral.
A escada metálica suspensa no teto, preservada por hábito, não
por significado, tornou-se metáfora-chave para compreender os riscos da
tradição sem reflexão. A Maçonaria não se sustenta em objetos, mas em ideias;
não se preserva em artefatos, mas em consciências
despertas. O rito é ferramenta, NUNCA
fim. Quando o símbolo se converte em fetiche, perde sua função iniciática.
Quando o maçom repete sem compreender, sua marcha perde o sentido: ele desloca
o corpo, mas não move a alma.
Outro ponto essencial é o paralelo com a antiga lei mosaica,
que de tão multiplicada e reinterpretada tornou-se fardo insuportável até que
Cristo a sublimasse pela simplicidade do amor. De modo semelhante, a Maçonaria
corre o risco de transformar o simples em complexo, o essencial em detalhe, a
luz em sombra. O ensaio reafirma que o princípio organizador da Arte Real não é
a liturgia, mas a fraternidade; não é a regra, mas a consciência; não é o
gesto, mas a intenção. A disciplina ritual tem propósito, mas nunca deve
aprisionar o livre pensar, que é o verdadeiro altar
da iniciação.
A integração entre filosofia clássica, esoterismo e ciência
contemporânea reforça que o ser humano é unidade dinâmica de matéria e
espírito, e que sua evolução depende mais da qualidade de suas reflexões do que
da precisão de seus movimentos. A física quântica, ao demonstrar que o
observador influencia o fenômeno, reflete a lição hermética milenar: o Universo
é moldado pela mente que o percebe. Assim também, o ritual é moldado pela
consciência que o interpreta, não pela rigidez com que é executado.
Seja qual for a prática adotada por uma loja, importa que ela
favoreça a harmonia do grupo, a elevação da egrégora e o desenvolvimento
interior dos irmãos. É nesse campo energético compartilhado que a magia
maçônica acontece: no encontro de mentes que se inspiram mutuamente, no debate
que afia o discernimento, no silêncio que amplifica a intuição. É nesse espaço
que se lapida a pedra bruta, que se erguem templos invisíveis e que se
reencontra a própria liberdade.
A mensagem final encontra apoio em Sócrates, que ensinou que
"uma vida não examinada não merece
ser vivida". A Maçonaria existe precisamente para aprofundar esse
exame: provocar o olhar interior, instigar a dúvida criativa, libertar o
pensamento das amarras da heteronomia. O rito é apenas a moldura; a obra é o
próprio homem. E somente quando o maçom compreende que cada passo,
arrastado ou não, deve conduzi-lo a um nível mais elevado de consciência, é que
sua marcha deixa de ser movimento e se torna Caminho.
Bibliografia Comentada
1.
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Aceito: O Aprendiz. Porto Alegre: Federativa, 2010. Obra fundamental para
compreender a pluralidade ritualística nas grandes lojas brasileiras,
oferecendo visão histórica e crítica das diferenças existentes entre rituais
estaduais e supremos conselhos, salientando impacto positivo e negativo das
adaptações;
2.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São
Paulo: Martins Fontes, 1992. Explora o simbolismo religioso e sua função
estruturante na experiência humana, oferecendo base teórica para interpretar
rituais maçônicos como hierofanias e não como dogmas;
3.
HALL,
Manly P. The Secret Teachings of All Ages. Los Angeles: Philosophical
Research Society, 1928. Compêndio clássico sobre tradições esotéricas
universais, incluindo hermetismo, mitologia e simbolismo, útil para
contextualizar referências dentro do estudo esotérico maçônico;
4.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis:
Vozes, 2005. Reflexão filosófica profunda sobre o ser e sua existência
temporal, ajudando a compreender a marcha maçônica como metáfora existencial e
não simples gesto ritualístico;
5.
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. Estudo psicológico dos símbolos e arquétipos,
essencial para compreender como a ritualística evoca imagens primordiais na
consciência do iniciado;
6.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: O que é o
Esclarecimento? Lisboa: Edições 70, 2015. Fundamenta filosoficamente o papel da
autonomia e liberdade de pensamento como pilares da evolução iniciática;
7.
PLATÃO. A República. Lisboa: Gulbenkian, 2001.
Oferece o mito da caverna como metáfora central da iluminação iniciática,
permitindo paralelos diretos com a ascensão maçônica rumo à Luz;
8.
PLOTINO. Enéadas. São Paulo: Paulus, 2000. Obra
essencial do Neoplatonismo, explicando a ascensão da alma ao Uno, conceito que
encontra paralelo direto na ideia maçônica de retorno ao Grande Arquiteto;
9.
PRZYLUSKI, Jean. La Légende de la Mort. Paris:
Payot, 1927. Analisa simbolismo da morte e renascimento, contribuindo para
interpretação dos graus maçônicos ligados à regeneração espiritual;
10. SCHRÖDINGER, Erwin. What is Life? Cambridge:
Cambridge University Press, 1944. Clássico da física e biologia, introduzindo
conceitos que permitem paralelos entre energia, consciência e simbolismo
esotérico;
11. SETH,
Anil. Being You: A New Science of Consciousness. New York: Penguin, 2021.
Explica como a consciência é construção mental, oferecendo bases científicas
contemporâneas para compreender afirmativas herméticas aplicadas à Maçonaria;
12. WILBER, Ken. A União da Alma e dos Sentidos. São Paulo: Cultrix, 1998. Integra espiritualidade, psicologia e ciência, permitindo visão holística útil ao entendimento do trabalho iniciático;

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