sábado, 6 de dezembro de 2025

Entre o Bronze e a Luz: Reflexões Sobre Booz e Jaquim

 Charles Evaldo Boller

O Portal Vivo do Templo Interior

As colunas Booz e Jaquim, fundidas por Hiram para guardarem a entrada do Templo de Salomão, tornaram-se na Maçonaria muito mais do que peças de bronze: converteram-se em metáforas vivas do limiar entre a vida comum e a jornada iniciática. Ao atravessá-las, o obreiro ingressa num espaço simbólico onde matéria e espírito se comunicam, onde ciência, filosofia e espiritualidade deixam de ser reinos separados e se tornam ferramentas para a lapidação da consciência. As colunas não oferecem respostas prontas; provocam, inquietam, convidam à liberdade especulativa. Visíveis dentro do templo, elas funcionam como instrumentos instrucionais que transformam o olhar e educam a mente, indicando que o caminho maçônico é construção diária, não crença passiva. Entre a firmeza de Booz e a estabilidade de Jaquim, o iniciado aprende que a Verdade exige coragem, que a palavra tem peso e que o símbolo é método, não superstição. Como portal quântico entre o que se é e o que se pode ser, essas colunas revelam que cada passo é um colapso de possibilidades em direção ao aperfeiçoamento moral. Aquele que ousa transpô-las não encontra mistério externo, mas o vasto templo interior onde a luz se fabrica com trabalho, disciplina e consciência.

O Portal de Bronze e a Travessia Interior

A narrativa bíblica da construção do Templo de Salomão apresenta duas figuras que se tornaram centrais para a tradição maçônica: as colunas Booz e Jaquim, obras primas de Hiram de Tiro, o artesão cujo talento, inteligência e habilidade transformaram o metal bruto em símbolo duradouro. Essas colunas, fundidas em bronze, elevam-se como guardiãs do limiar sagrado e oferecem, ao iniciado, mais do que um marco arquitetônico: representam o limiar entre dois mundos, o cosmos profano e o cosmos interior; a exterioridade que distrai e a interioridade que ilumina; a vida profana e a jornada da consciência.

As colunas são metáforas permanentes da transição. Não se trata apenas de adentrar um espaço físico, mas de ingressar em uma oficina mental, onde o trabalho operário assume dimensão filosófica. A Maçonaria, ao reinterpretar esses símbolos, transforma o bronze bíblico em bronze espiritual, a circunferência da matéria em circunferência da alma, o capitel em flor do espírito. O simbolismo é vivo, não estático, e cada obreiro, ao atravessá-las, não apenas passa, mas renasce.

A Multiplicidade dos Significados e a Liberdade Especulativa

Ao longo da história, inúmeros autores e escolas maçônicas atribuem às colunas explicações variadas, por vezes contraditórias. Algumas delas se baseiam em tradições herméticas, alquímicas e místicas; outras emergem da filosofia moral ou da psicologia simbólica. A multiplicidade não é um problema, mas uma virtude. O símbolo, por sua própria natureza, não tolera reduções. Limitar Booz e Jaquim a um único significado seria impor ao símbolo um cárcere dogmático, contrário à própria essência da Maçonaria Especulativa, que se funda na liberdade de consciência e na busca pessoal da Verdade.

A coluna não é dogma. É instrumento. É ferramenta epistemológica[1]. Sua função é provocar reflexão, não oferecer respostas prontas. A mente que se detém à soleira do templo se vê diante de um espelho: cada coluna reflete um aspecto do caminho interior. Em Booz pode-se ver o vigor, a firmeza, o fundamento; em Jaquim, o estabelecimento, a estabilidade, a certeza. Mas esses sentidos não são definitivos. Cada obreiro encontra, sob a mesma forma, significados distintos, assim como diferentes mentes percebem diferentes constelações na mesma abóbada celeste.

Assim, o símbolo não é algo a ser encerrado; é uma porta a ser aberta. E cada maçom é autor e leitor de sua própria interpretação.

Entre o Exterior e o Interior: o Bronze como Metáfora da Consciência

Se considerarmos o bronze como metáfora, percebemos que ele representa a fusão do múltiplo: cobre e estanho, combinados pelo fogo, como razão e emoção, espírito e corpo, ciência e mística. As colunas, sendo metálicas, não são frágeis: são duráveis, ressoam quando tocadas, têm memória vibratória. Na física quântica, sabe-se que a matéria vibra em frequências, que o Universo inteiro é uma sinfonia energética. Ao transpor esse conceito para a Maçonaria, podemos dizer que o símbolo só existe porque vibra na mente do iniciado, porque ressoa em seu interior.

Daí a importância de as colunas estarem visíveis, dentro do templo, e não relegadas ao imaginário, num ato de fé cega. O método de ensino maçônico não impõe crença, mas observação; não impõe dogma, mas método. Um símbolo invisível transforma-se em superstição; um símbolo presente torna-se instrumento cognitivo. Assim como o professor utiliza objetos para introduzir conceitos abstratos, a Maçonaria utiliza objetos simbólicos para inaugurar o pensamento filosófico e espiritual.

A criança aprende o zero ao ver o vazio; o aprendiz aprende a si mesmo ao ver as colunas.

O Ato de Ficar Entre Colunas: Verdade, Responsabilidade e Palavra

Há, entre alguns ritos e tradições, uma confusão recorrente sobre o significado de "ficar entre colunas". Muitas vezes, presume-se que isso ocorre entre Booz e Jaquim. Porém, no Rito Escocês Antigo e Aceito, ficar entre colunas significa posicionar-se entre as colunas Norte e Sul, entre irmãos, no centro simbólico do templo, onde a Verdade é pronunciada, onde a palavra ganha peso.

Ali, a linha imaginária que une os Vigilantes e se cruza com o eixo do templo cria um espaço suspenso, como se o ar ali tivesse densidade moral. O obreiro que fala entre colunas está obrigado à sinceridade absoluta. Não há lugar para omissão, meias palavras ou reservas mentais. Naquele ponto, a palavra dita é pedra assentada. Faltar com a verdade seria demolir o próprio templo interior.

Essa prática ritualística ensina que a verdade é relação, não imposição; que a palavra é responsabilidade, não ornamento; que a sinceridade é o cimento da fraternidade. Em tempos sociais marcados por discursos vazios e manipulações retóricas, o exercício maçônico da palavra é um antídoto ético e um treinamento para a vida profana.

As Colunas como Ferramentas Pedagógicas: a Oficina Visível

As colunas Booz e Jaquim, estando dentro do templo, tornam-se parte do conjunto de ferramentas de ensino da Maçonaria. Elas não são meras esculturas decorativas, mas ferramentas de trabalho simbólico, assim como o maço e o cinzel. Ocultá-las seria como esconder os instrumentos do aprendiz ou relegar ao invisível aquilo que deve ser visto, manipulado e compreendido.

O método maçônico é essencialmente andragógico: aprende-se vendo, fazendo, simbolizando, interpretando. A lenda de Hiram, as ferramentas, o formato do templo e a posição dos objetos não têm função litúrgica, mas cognitiva. São metáforas materializadas para conduzir o obreiro da experiência sensível ao pensamento abstrato.

Assim como o físico quântico utiliza modelos para representar aquilo que não pode ser visto, a Maçonaria utiliza símbolos para representar aquilo que só pode ser compreendido. Não se trata de magia, mas de ferramenta; não se trata de mistério por si mesmo, mas de método.

E, no entanto, o método não exclui o mistério: apenas o organiza.

O Mito como Método e a Lenda como Ferramenta

A lenda de Hiram Abif, como todas as narrativas mitológicas, não pretende ser histórica; pretende ser instrutiva. A Maçonaria é explícita ao indicar que se trata de ficção dentro do seu método de ensino. A lenda funciona como laboratório moral, como teatro interior, como narrativa simbólica que permite ao obreiro projetar sua própria jornada de morte e renascimento da consciência.

As colunas Booz e Jaquim, nesse contexto, são parte do cenário simbólico dessa dramaturgia educativa. Elas são o prólogo da peça interior. Ao transpô-las, o obreiro entra não no passado, mas em seu próprio presente; não em Jerusalém, mas em sua consciência; não no templo de Salomão, mas no templo do Eu.

A Maçonaria não exige que o iniciado acredite no mito: recomenda que o utilize.

Ponte Entre Ciência, Filosofia e Espiritualidade

A Maçonaria sempre se posicionou como ponte entre três reinos: ciência, filosofia e espiritualidade. Booz e Jaquim são metáforas geométricas, arquitetônicas e morais, dialogando tanto com a tradição judaica quanto com a hermética, tanto com a filosofia clássica quanto com a física contemporânea.

Na filosofia clássica, especialmente em Platão, o portal simboliza a passagem do mundo sensível ao mundo inteligível. Em Aristóteles, a estrutura do templo representa a busca do bem supremo, o ato perfeito, a finalidade última. Em Sócrates, o limiar simboliza o momento da maiêutica, a entrada no espaço do pensamento crítico.

Na física quântica, o limiar é o ponto de superposição entre estado potencial e estado real. O iniciado é, portanto, como uma função de onda que colapsa para um novo estado de consciência quando atravessa o portal simbólico.

Booz e Jaquim, portanto, representam a fronteira entre o que se é e o que se pode ser.

Metáforas Operativas para a Vida Cotidiana

A utilidade do símbolo está em sua tradução para a vida prática.

Algumas metáforas derivadas das colunas:

·         A coluna Booz como força moral: representa a capacidade de manter-se firme em meio às tempestades emocionais e sociais. É o caráter que não se dobra ao suborno, à vaidade, ao desânimo.

·         A coluna Jaquim como estabilidade interior: representa a serenidade diante do caos, a constância diante da incerteza. É a mente que respira antes de reagir, que pondera antes de agir.

·         O capitel florido como florescimento espiritual: indica que a firmeza e a estabilidade têm finalidade estética e ética: produzir beleza na vida e no caráter.

·         A circunferência da coluna como limite saudável: indica que todo ser humano precisa de fronteiras internas para evitar invasões emocionais ou morais.

Essas metáforas auxiliam o obreiro e o profano a compreender que a Maçonaria não é apenas rito, mas ética; não é apenas símbolo, mas método de vida.

A Travessia do Obreiro e a Edificação de Si Mesmo

A Maçonaria não glorifica a coluna, mas o percurso. O obreiro não é estático como o bronze: é movimento. A travessia entre Booz e Jaquim é o início da caminhada, não seu fim. É ali que o iniciado toma contato com as ferramentas, com a Luz, com o trabalho. A lenda de Hiram, as ferramentas, as posições e os símbolos são meios para um fim: polir a própria pedra bruta.

No vocabulário quântico, diríamos que o iniciado reorganiza suas frequências. No vocabulário esotérico, diríamos que desperta o fogo interior. No vocabulário filosófico, diríamos que ele se torna causa de si. No vocabulário maçônico, diríamos que ele constrói seu templo interior.

Ao final, o objetivo é tornar-se pedra cúbica perfeita, apta a ocupar lugar de destaque no edifício da sociedade humana.

Bibliografia Comentada

1.      BÍBLIA. A Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2011. Fonte primária do relato sobre a construção do Templo de Salomão e das colunas Booz e Jaquim, servindo como base estrutural para as interpretações simbólicas que a Maçonaria desenvolve. Oferece o arcabouço histórico e mítico que inspira autores e rituais;

2.      ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992. Obra basilar para compreender a construção simbólica do espaço sagrado e a transição do profano para o interior. Embora não maçônico, Eliade fornece categorias antropológicas fundamentais para interpretar o papel das colunas como limiar;

3.      GARDNER, Laurence. The Shadow of Solomon. London: HarperCollins, 2005. Discute interpretações históricas e míticas sobre o Templo de Salomão e suas conexões com tradições iniciáticas. Gardner oferece perspectivas críticas que ajudam a compreender divergências entre fontes bíblicas e tradições maçônicas;

4.      HALL, Manly P. Ensinamentos Secretos de Todas as Eras. São Paulo: Pensamento, 2008. Obra clássica da tradição esotérica ocidental, apresenta interpretações herméticas e simbólicas úteis para entender a multiplicidade dos significados ligados às colunas e aos mitos maçônicos. Hall amplia o horizonte do leitor ao relacionar símbolos antigos a contextos filosóficos contemporâneos;

5.      HAWKING, Stephen. Uma Breve História do Tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 2006. Introduz conceitos de física moderna e cosmologia que ajudam a relacionar o simbolismo maçônico às noções contemporâneas de energia, vibração e estrutura do universo;

6.      PIKE, Albert. Moral and Dogma. Charleston: Supreme Council of the Scottish Rite, 1871. Um dos textos centrais do Rito Escocês Antigo e Aceito, oferecendo interpretações profundas sobre símbolos, mitos e rituais. Pike enfatiza uma abordagem filosófica e comparativa, relacionando Maçonaria a tradições orientais, clássicas e esotéricas;

7.      PLATÃO. A República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001. Fonte filosófica essencial para compreender as noções de mundo sensível e mundo inteligível, fundamentais para interpretar as colunas como portal epistemológico;

8.      WAITE, Arthur Edward. A New Encyclopaedia of Freemasonry. New York: Weathervane Books, 1970. Repertório indispensável para consulta de significados simbólicos e contextos históricos. Waite esclarece as divergências interpretativas sobre Booz e Jaquim e destaca seu papel instrucional dentro da Maçonaria Especulativa;



[1] Uma ferramenta epistemológica refere-se a qualquer método, conceito, princípio ou estrutura teórica utilizada para adquirir, avaliar ou organizar o conhecimento científico. Elas servem como a base que orienta a forma como os pesquisadores entendem e abordam a produção do saber;

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