Charles Evaldo Boller
O Portal Vivo do Templo Interior
As colunas Booz e Jaquim, fundidas por Hiram para guardarem a
entrada do Templo de Salomão, tornaram-se na Maçonaria muito mais do que peças
de bronze: converteram-se em metáforas vivas do limiar entre a vida comum e a
jornada iniciática. Ao atravessá-las, o obreiro ingressa num espaço simbólico
onde matéria e espírito se comunicam, onde ciência, filosofia e espiritualidade
deixam de ser reinos separados e se tornam ferramentas para a lapidação da
consciência. As colunas não oferecem respostas prontas; provocam, inquietam,
convidam à liberdade especulativa. Visíveis dentro do templo, elas funcionam
como instrumentos instrucionais que transformam o olhar e educam a mente,
indicando que o caminho maçônico é construção diária, não crença passiva. Entre
a firmeza de Booz e a estabilidade de Jaquim, o iniciado aprende que a Verdade exige
coragem, que a palavra tem peso e que o símbolo é método, não superstição. Como
portal quântico entre o que se é e o que se pode ser, essas colunas revelam que
cada passo é um colapso de possibilidades em direção ao aperfeiçoamento moral.
Aquele que ousa transpô-las não encontra mistério externo, mas o vasto templo
interior onde a luz se fabrica com trabalho, disciplina e consciência.
O Portal de Bronze e a Travessia Interior
A narrativa bíblica da construção do Templo de Salomão
apresenta duas figuras que se tornaram centrais para a tradição maçônica: as
colunas Booz e Jaquim, obras primas de Hiram de Tiro, o artesão cujo talento,
inteligência e habilidade transformaram o metal bruto em símbolo duradouro.
Essas colunas, fundidas em bronze, elevam-se como guardiãs do limiar sagrado e
oferecem, ao iniciado, mais do que um marco arquitetônico: representam o limiar
entre dois mundos, o cosmos profano e o cosmos interior; a exterioridade que
distrai e a interioridade que ilumina; a vida profana e a jornada da
consciência.
As colunas são metáforas permanentes da transição. Não se trata
apenas de adentrar um espaço físico, mas de ingressar em uma oficina mental,
onde o trabalho operário assume dimensão filosófica. A Maçonaria, ao
reinterpretar esses símbolos, transforma o bronze bíblico em bronze espiritual,
a circunferência da matéria em circunferência da alma, o capitel em flor do
espírito. O simbolismo é vivo, não estático, e cada obreiro, ao atravessá-las,
não apenas passa, mas renasce.
A Multiplicidade dos Significados e a Liberdade Especulativa
Ao longo da história, inúmeros autores e escolas maçônicas
atribuem às colunas explicações variadas, por vezes contraditórias. Algumas
delas se baseiam em tradições herméticas, alquímicas e místicas; outras emergem
da filosofia moral ou da psicologia simbólica. A multiplicidade não é um
problema, mas uma virtude. O símbolo, por sua própria natureza, não tolera
reduções. Limitar Booz e Jaquim a um único significado seria impor ao símbolo
um cárcere dogmático, contrário à própria essência da Maçonaria Especulativa,
que se funda na liberdade de consciência e na busca pessoal da Verdade.
A coluna não é dogma. É instrumento. É ferramenta
epistemológica[1].
Sua função é provocar reflexão, não oferecer respostas prontas. A mente que se
detém à soleira do templo se vê diante de um espelho: cada coluna reflete um
aspecto do caminho interior. Em Booz pode-se ver o vigor, a firmeza, o fundamento;
em Jaquim, o estabelecimento, a estabilidade, a certeza. Mas esses sentidos não
são definitivos. Cada obreiro encontra, sob a mesma forma, significados
distintos, assim como diferentes mentes percebem diferentes constelações na
mesma abóbada celeste.
Assim, o símbolo não é algo a ser encerrado; é uma porta a ser aberta. E cada maçom é autor e
leitor de sua própria interpretação.
Entre o Exterior e o Interior: o Bronze como Metáfora da Consciência
Se considerarmos o bronze como metáfora, percebemos que ele
representa a fusão do múltiplo: cobre e estanho, combinados pelo fogo, como
razão e emoção, espírito e corpo, ciência e mística. As colunas, sendo
metálicas, não são frágeis: são duráveis, ressoam quando tocadas, têm memória
vibratória. Na física quântica, sabe-se que a matéria vibra em frequências, que
o Universo inteiro é uma sinfonia energética. Ao transpor esse conceito para a
Maçonaria, podemos dizer que o símbolo só existe porque vibra na mente do
iniciado, porque ressoa em seu interior.
Daí a importância de as colunas estarem visíveis, dentro do
templo, e não relegadas ao imaginário, num ato de fé cega. O método de ensino
maçônico não impõe crença, mas observação; não impõe dogma, mas método. Um
símbolo invisível transforma-se em superstição; um símbolo presente torna-se
instrumento cognitivo. Assim como o professor utiliza objetos para introduzir
conceitos abstratos, a Maçonaria utiliza objetos simbólicos para inaugurar o
pensamento filosófico e espiritual.
A criança aprende o zero ao ver o vazio; o aprendiz aprende a
si mesmo ao ver as colunas.
O Ato de Ficar Entre Colunas: Verdade, Responsabilidade e Palavra
Há, entre alguns ritos e tradições, uma confusão recorrente
sobre o significado de "ficar entre
colunas". Muitas vezes, presume-se que isso ocorre entre Booz e
Jaquim. Porém, no Rito Escocês Antigo e Aceito, ficar entre colunas significa
posicionar-se entre as colunas Norte e Sul, entre irmãos, no centro simbólico
do templo, onde a Verdade é pronunciada, onde a palavra ganha peso.
Ali, a linha imaginária que une os Vigilantes e se cruza com o
eixo do templo cria um espaço suspenso, como se o ar ali tivesse densidade
moral. O obreiro que fala entre colunas está obrigado à sinceridade absoluta.
Não há lugar para omissão, meias palavras ou reservas mentais. Naquele ponto, a
palavra dita é pedra assentada. Faltar com a verdade seria demolir o próprio
templo interior.
Essa prática ritualística ensina que a verdade é relação, não
imposição; que a palavra é responsabilidade, não ornamento; que a sinceridade é
o cimento da fraternidade. Em tempos sociais marcados por discursos vazios e
manipulações retóricas, o exercício maçônico da palavra é um antídoto ético e
um treinamento para a vida profana.
As Colunas como Ferramentas Pedagógicas: a Oficina Visível
As colunas Booz e Jaquim, estando dentro do templo, tornam-se
parte do conjunto de ferramentas de ensino da Maçonaria. Elas não são meras
esculturas decorativas, mas ferramentas de trabalho simbólico, assim como o
maço e o cinzel. Ocultá-las seria como esconder os instrumentos do aprendiz ou
relegar ao invisível aquilo que deve ser visto, manipulado e compreendido.
O método maçônico é essencialmente andragógico: aprende-se
vendo, fazendo, simbolizando, interpretando. A lenda de Hiram, as ferramentas,
o formato do templo e a posição dos objetos não têm função litúrgica, mas
cognitiva. São metáforas materializadas para conduzir o obreiro da experiência
sensível ao pensamento abstrato.
Assim como o físico quântico utiliza modelos para representar
aquilo que não pode ser visto, a Maçonaria utiliza símbolos para representar
aquilo que só pode ser compreendido. Não se trata de magia, mas de ferramenta;
não se trata de mistério por si mesmo, mas de método.
E, no entanto, o método não exclui o mistério: apenas o
organiza.
O Mito como Método e a Lenda como Ferramenta
A lenda de Hiram Abif, como todas as narrativas mitológicas,
não pretende ser histórica; pretende ser instrutiva. A Maçonaria é explícita ao
indicar que se trata de ficção dentro do seu método de ensino. A lenda funciona
como laboratório moral, como teatro interior, como narrativa simbólica que
permite ao obreiro projetar sua própria jornada de morte e renascimento da
consciência.
As colunas Booz e Jaquim, nesse contexto, são parte do cenário
simbólico dessa dramaturgia educativa. Elas são o prólogo da peça interior. Ao
transpô-las, o obreiro entra não no passado, mas em seu próprio presente; não
em Jerusalém, mas em sua consciência; não no templo de Salomão, mas no templo
do Eu.
A Maçonaria não exige que o iniciado acredite no mito: recomenda
que o utilize.
Ponte Entre Ciência, Filosofia e Espiritualidade
A Maçonaria sempre se posicionou como ponte entre três reinos:
ciência, filosofia e espiritualidade. Booz e Jaquim são metáforas geométricas,
arquitetônicas e morais, dialogando tanto com a tradição judaica quanto com a
hermética, tanto com a filosofia clássica quanto com a física contemporânea.
Na filosofia clássica, especialmente em Platão, o portal
simboliza a passagem do mundo sensível ao mundo inteligível. Em Aristóteles, a
estrutura do templo representa a busca do bem supremo, o ato perfeito, a
finalidade última. Em Sócrates, o limiar simboliza o momento da maiêutica, a
entrada no espaço do pensamento crítico.
Na física quântica, o limiar é o ponto de superposição entre
estado potencial e estado real. O iniciado é, portanto, como uma função de onda
que colapsa para um novo estado de consciência quando atravessa o portal
simbólico.
Booz e Jaquim, portanto, representam a fronteira entre o que se
é e o que se pode ser.
Metáforas Operativas para a Vida Cotidiana
A utilidade do símbolo está em sua tradução para a vida
prática.
Algumas metáforas derivadas das colunas:
·
A coluna Booz como força moral:
representa a capacidade de manter-se firme em meio às tempestades emocionais e
sociais. É o caráter que não se dobra ao suborno, à vaidade, ao desânimo.
·
A coluna Jaquim como estabilidade interior:
representa a serenidade diante do caos, a constância diante da incerteza. É a
mente que respira antes de reagir, que pondera antes de agir.
·
O capitel florido como florescimento
espiritual: indica que a firmeza e a estabilidade têm finalidade estética e
ética: produzir beleza na vida e no caráter.
·
A circunferência da coluna como limite
saudável: indica que todo ser humano precisa de fronteiras internas para
evitar invasões emocionais ou morais.
Essas metáforas auxiliam o obreiro e o profano a compreender
que a Maçonaria não é apenas rito, mas ética; não é apenas símbolo, mas método de vida.
A Travessia do Obreiro e a Edificação de Si Mesmo
A Maçonaria não glorifica a coluna, mas o percurso. O obreiro
não é estático como o bronze: é movimento. A travessia entre Booz e Jaquim é o
início da caminhada, não seu fim. É ali que o iniciado toma contato com as
ferramentas, com a Luz, com o trabalho. A lenda de Hiram, as ferramentas, as
posições e os símbolos são meios para um fim: polir a própria pedra bruta.
No vocabulário quântico, diríamos que o iniciado reorganiza
suas frequências. No vocabulário esotérico, diríamos que desperta o fogo
interior. No vocabulário filosófico, diríamos que ele se torna causa de si. No
vocabulário maçônico, diríamos que ele constrói seu templo interior.
Ao final, o objetivo é tornar-se pedra cúbica perfeita, apta a ocupar lugar de destaque no edifício da
sociedade humana.
Bibliografia Comentada
1.
BÍBLIA. A Bíblia Sagrada. Tradução de João
Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2011. Fonte
primária do relato sobre a construção do Templo de Salomão e das colunas Booz e
Jaquim, servindo como base estrutural para as interpretações simbólicas que a
Maçonaria desenvolve. Oferece o arcabouço histórico e mítico que inspira
autores e rituais;
2.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São
Paulo: Martins Fontes, 1992. Obra basilar para compreender a construção
simbólica do espaço sagrado e a transição do profano para o interior. Embora
não maçônico, Eliade fornece categorias antropológicas fundamentais para
interpretar o papel das colunas como limiar;
3.
GARDNER,
Laurence. The Shadow of Solomon. London: HarperCollins, 2005. Discute
interpretações históricas e míticas sobre o Templo de Salomão e suas conexões
com tradições iniciáticas. Gardner oferece perspectivas críticas que ajudam a
compreender divergências entre fontes bíblicas e tradições maçônicas;
4.
HALL, Manly P. Ensinamentos Secretos de Todas as
Eras. São Paulo: Pensamento, 2008. Obra clássica da tradição esotérica
ocidental, apresenta interpretações herméticas e simbólicas úteis para entender
a multiplicidade dos significados ligados às colunas e aos mitos maçônicos.
Hall amplia o horizonte do leitor ao relacionar símbolos antigos a contextos
filosóficos contemporâneos;
5.
HAWKING, Stephen. Uma Breve História do Tempo.
Rio de Janeiro: Rocco, 2006. Introduz conceitos de física moderna e cosmologia
que ajudam a relacionar o simbolismo maçônico às noções contemporâneas de
energia, vibração e estrutura do universo;
6.
PIKE,
Albert. Moral and Dogma. Charleston: Supreme Council of the Scottish
Rite, 1871. Um dos textos centrais do Rito Escocês Antigo e Aceito, oferecendo
interpretações profundas sobre símbolos, mitos e rituais. Pike enfatiza uma
abordagem filosófica e comparativa, relacionando Maçonaria a tradições
orientais, clássicas e esotéricas;
7.
PLATÃO. A República. Tradução Maria Helena da
Rocha Pereira. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001. Fonte filosófica essencial
para compreender as noções de mundo sensível e mundo inteligível, fundamentais
para interpretar as colunas como portal epistemológico;
8.
WAITE, Arthur Edward. A New Encyclopaedia of
Freemasonry. New York: Weathervane Books, 1970. Repertório indispensável para
consulta de significados simbólicos e contextos históricos. Waite esclarece as
divergências interpretativas sobre Booz e Jaquim e destaca seu papel instrucional
dentro da Maçonaria Especulativa;
[1]
Uma ferramenta epistemológica refere-se a qualquer método, conceito,
princípio ou estrutura teórica utilizada para adquirir, avaliar ou organizar o
conhecimento científico. Elas servem como a base que orienta a forma como os
pesquisadores entendem e abordam a produção do saber;

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