O ritual maçônico, para quem o observa superficialmente, pode
parecer apenas um conjunto de gestos repetidos, uma sequência decorada cuja
função se restringiria ao belo formalismo. Porém, basta dar um passo além da
aparência para perceber que essa estrutura ancestral é, na verdade, uma arte
viva de dar forma à consciência. O Rito
Escocês Antigo e Aceito ensina que a transformação humana não nasce de
improvisos, mas de práticas que orientam o olhar para dentro e despertam a
atenção para aquilo que normalmente passa despercebido. Como na filosofia
clássica, sobretudo em Sócrates, reencontramos aqui a máxima de que a vida
examinada é a única digna de ser vivida. O rito, então, funciona como esse
exame contínuo, como lente que amplia o sentido das pequenas escolhas diárias.
Cada palavra ritualística é como uma pedra antiga que ecoa o
trabalho de gerações; cada gesto é um traço no grande compasso da tradição;
cada pausa é um silêncio que convida o espírito a ouvir algo além do ruído do
mundo. A força do ritual não está no exterior, mas na experiência interior que
ele provoca. Ele não exige apenas que façamos, mas que estejamos. E essa
diferença é essencial. Fazer sem estar é mecanização; fazer estando presente é iniciação. A física quântica mostra que o
observador altera o fenômeno; a Maçonaria demonstra, em forma simbólica, que o
observador altera a si mesmo quando participa conscientemente de um ato ritualístico.
Somos, ao mesmo tempo, escultor e pedra, instrumento e melodia, aprendiz e
mestre do próprio destino.
É comum que irmãos mais jovens perguntem por que tanta precisão:
por que o passo deve ser dado com o pé certo, por que a vela é acesa com a mão
adequada, por que o malhete deve tocar com a exatidão de um relógio antigo. A
resposta é simples, embora profunda. O rito nos obriga a desacelerar, prestar
atenção, alinhar corpo e pensamento. Ele é o prumo que corrige quando o mundo
lá fora tenta nos inclinar; é o compasso que mede o tempo interior que nada tem
a ver com o tempo profano; é a régua que nos lembra que cada ação tem
consequências e que, por isso mesmo, precisa ser medida com sabedoria. Não se
trata de rigidez, mas de um método de ensino. O aprendiz que respeita a forma
descobre, pouco a pouco, o conteúdo oculto por trás dela.
A presença ritual impregna a vida fora do templo. Momentos de
conflito no trabalho, impaciência no trânsito, tensões familiares, cansaços do
cotidiano: todos podem ser atravessados com mais serenidade quando recordamos o
simples gesto de deixar os metais à porta. Não se trata apenas de símbolos de
status, mas dos pesos emocionais que carregamos sem perceber. Entrar no templo
sem metais é aprender a entrar em qualquer ambiente sem bagagem desnecessária.
E isso, por si só, já transforma. A filosofia clássica, sobretudo o pensamento estoico,
reforça essa atitude ao ensinar que o controle não está nas circunstâncias, mas
na maneira como respondemos a elas. O rito, nesse sentido, é treino para
respostas mais sábias.
A vida maçônica, quando compreendida profundamente, não é apenas
participação em sessões, mas construção diária de um Templo Interior. Cada
decisão pode erguer uma coluna ou demolir uma parede. Sabedoria, força e
beleza, pilares simbólicos do Rito
Escocês Antigo e Aceito, tornam-se critérios práticos: penso antes de
agir? Sustento aquilo que é justo? Produzo harmonia ao meu redor? Essas
perguntas, quando cultivadas, transformam qualquer irmão em obreiro da Luz. O
ritual não é fim, mas caminho, e sua prática constante funciona como afinador
da consciência. Assim como o músico repete escalas até que a técnica se
transforme em arte, o maçom repete gestos até que a forma revele sentido.
Se há um conselho prático para quem deseja aprofundar-se, é
este: participe do ritual com humildade e atenção. Não tente decifrar tudo de
imediato. O rito se revela a quem está disposto a
caminhar, não a quem exige respostas prontas. Observe-se
enquanto executa os gestos, ouça-se enquanto profere as palavras, dê-se tempo
para sentir o que ocorre entre um silêncio e outro. E, sobretudo, pratique fora
do templo aquilo que a sessão desperta dentro dele. A iniciação começa
quando a porta da Loja se fecha.
Bibliografia Comentada
1.
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. São Paulo:
Cultrix, 2012. Capra aproxima conceitos da física quântica de tradições
espirituais, oferecendo base teórica para relacionar intenção ritual e impacto
no campo energético do indivíduo;
2.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São
Paulo: Martins Fontes, 1992. Eliade explora como rituais criam espaços
simbólicos que reorganizam a percepção humana; sua leitura ilumina o papel do
rito maçônico como estrutura que diferencia o tempo profano do tempo sagrado e
desperta consciência;
3.
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. Jung detalha o funcionamento dos símbolos e
arquétipos na psique, ajudando a entender como gestos ritualísticos funcionam
como chaves que ativam processos de transformação interior;

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