A jornada maçônica sempre atraiu curiosos e buscadores porque
ela não se apresenta como uma doutrina pronta, mas como um espelho que devolve
ao homem exatamente aquilo que ele é e, ao mesmo tempo, aquilo que pode se
tornar. No Rito Escocês Antigo e Aceito, esse espelho simbólico se refina a
cada passo, convidando o iniciado a caminhar não apenas para frente, mas para
dentro. A Maçonaria não se resume a rituais ou palavras sagradas: é um método
de autoconstrução que combina disciplina, imaginação, reflexão e confronto com
a própria sombra. Por isso, falar da Maçonaria é sempre falar do ser humano. E
falar do ser humano é, inevitavelmente, tocar na filosofia clássica, que desde
Sócrates lembra que o maior dos templos é o interior.
A Verdade, tema tão caro aos filósofos antigos, aparece na
Maçonaria como uma luz que não se impõe, mas se revela lentamente. Assim como
Platão descreveu na famosa alegoria da caverna, os homens vivem por vezes
presos às sombras de suas certezas, acreditando que percebem a realidade quando
apenas veem projeções dela. A iniciação maçônica é esse momento em que o
candidato percebe que há muito mais além do que seus sentidos captam. A Luz simbólica
que recebe não é a luz que vem de fora, mas aquela que desperta dentro de si,
como uma brasa que precisa ser alimentada para se tornar chama. A Maçonaria não
oferece essa chama pronta, mas entrega o atrito necessário para que ela surja:
estudo, convivência, rituais, disciplina e esforço constante.
Metáforas são o idioma natural da Maçonaria porque traduzem para
a imaginação aquilo que a razão não alcança sozinha. A pedra bruta, por
exemplo, é uma imagem poderosa do ser humano inacabado, cheio de arestas
emocionais, impulsos desordenados e hábitos antigos. Polir essa pedra não
significa buscar perfeição inatingível, mas tornar-se mais consciente e capaz
de agir com justiça. Esse processo lembra Aristóteles, para quem a virtude
nasce da repetição deliberada de bons atos. Ninguém se torna virtuoso por
magia ou por decreto; torna-se virtuoso pelo hábito, pelo exercício, pelo
treino da vontade. Assim também se faz um maçom: pela constância de gestos
simples que, somados, moldam uma vida inteira.
Há quem procure a Maçonaria esperando portas materiais se
abrirem, mas a Maçonaria não trabalha com atalhos. Ela oferece ferramentas, não
privilégios. E toda ferramenta é útil apenas quando usada com propósito. O
esquadro, por exemplo, não é apenas um símbolo da retidão, mas um lembrete de
que nossas decisões precisam de medida. Da mesma forma, o compasso ensina que
toda ação tem limite e que a vida equilibrada depende de saber até onde ir. Em
termos práticos, isso significa aprender a agir com prudência, estabelecer
prioridades e reconhecer o valor do silêncio. Em um mundo de pressa e ruído,
esse equilíbrio é raro e necessário.
A física moderna, especialmente a quântica, reforça um princípio
que a Maçonaria já intuía há séculos: o observador transforma aquilo que
observa. Esse é um ensinamento preciosíssimo para a vida cotidiana. Se abordo
alguém com agressividade, crio agressividade. Se entro em um ambiente com
serenidade, espalho serenidade. As relações humanas seguem essa mesma lógica:
somos forças que influenciam forças. Saber disso exige responsabilidade moral e
reforça a necessidade de trabalhar a própria interioridade antes de tentar
transformar o mundo. Como disse Sócrates, "uma vida não examinada não vale a pena ser vivida". A
Maçonaria acrescentaria: uma vida não lapidada jamais poderá sustentar o templo
de um mundo melhor.
Ao fim, a Maçonaria não quer apenas que se compreenda seus
símbolos, mas que se viva segundo eles. Não quer somente que repita suas
palavras, mas que transforme suas ações. O maçom, com ou sem avental, é aquele
que continuamente se pergunta: "O
que estou construindo dentro de mim? E o que estou construindo no mundo"?
A resposta muda todos os dias. E é justamente isso que dá
sentido à jornada.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo:
Edipro, 2019. Aristóteles mostra como as virtudes se constroem pelo hábito,
reforçando o princípio maçônico de que a formação moral exige prática constante
e disciplina consciente, não apenas conhecimento teórico;
2.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São
Paulo: Martins Fontes, 1992. Eliade examina a vivência simbólico-ritual do ser
humano, permitindo compreender como o templo maçônico e seus ritos estruturam
um espaço-tempo de transformação interior;
3.
HEISENBERG, Werner. Física e filosofia.
Brasília: UnB, 1995. Heisenberg discute como a física quântica revela que o
observador influencia o fenômeno observado, ideia que dialoga profundamente com
o princípio maçônico do autoconhecimento como força transformadora;
4.
JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de
Janeiro: HarperCollins, 2016. Jung explica a linguagem simbólica da psique,
ajudando a interpretar a função dos símbolos maçônicos como mediadores entre
consciência e inconsciente, essenciais ao processo iniciático;
5.
PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret,
2018. Neste clássico, Platão apresenta a alegoria da caverna, fundamental para
compreender a ideia maçônica de que a verdade é desvelamento progressivo; a
obra ilumina o paralelo entre libertação interior e iluminação simbólica;

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