Um Ensaio Filosófico, Esotérico e Humanista
A Maçonaria ensina que ninguém se constrói sozinho: é no
convívio, no debate e na influência mútua que o homem se lapida e descobre o
tesouro que carrega dentro de si. O texto explora essa jornada de humanização,
mostrando que o maçom assíduo se transforma em pedra cúbica firme, capaz de
agir no mundo com ética, lucidez e responsabilidade. Denuncia as ilusões dos que
usam a Ordem para interesses políticos ou profissionais e revela como a força
maçônica nasce do indivíduo que pensa com autonomia e vive com coerência.
Critica tradições distorcidas que afastam o irmão de seus próprios desafios e
reafirma o templo como laboratório vivo para enfrentar problemas, construir
fraternidade e moldar caráter. Expõe ainda o perigo dos grupos de poder e a
esterilidade dos "seixos rolantes",
contrapondo-lhes o "maçom esponja",
multiplicador de luz, que aprende para ensinar e ensina para transformar. Mostra
que o papel social do maçom é ser farol: presença ética que ilumina
silenciosamente, combatendo ignorância e fanatismo com exemplo, humildade e
razão. É um convite a entender o impacto que um único homem bem trabalhado
pode exercer na edificação da sociedade.
A Humanização pelo Outro: o Caminho Maçônico da Alteridade
O homem, para tornar-se humano,
necessita do espelho do outro. A antropologia, a filosofia e a psicologia
convergem em afirmar que ninguém se constrói no isolamento. De Platão, que
dizia que "o homem é um ser
destinado à pólis", a Aristóteles, que o definiu como zoon politikon,
até a física quântica contemporânea, que insiste na interdependência dos
sistemas, a mensagem é coerente: não há construção
do Eu sem o Nós.
Assim como Mogli ou Tarzan, figuras literárias que representam
o homem bruto moldado apenas pela natureza, o indivíduo isolado não alcança
a complexidade da cultura humana. Ele pode sobreviver, mas não se eleva. E
se, no mundo profano, isto já é evidente, muito mais na senda maçônica, onde o
aprendizado é essencialmente dialógico, feito de encontros, debates,
simbolismos compartilhados e reflexões coletivas.
É por isso que o maçom se reúne com
frequência. Porque cada sessão é uma centelha de transformação, um
laboratório espiritual, ético e intelectual em que a pedra bruta vai ganhando
arestas, faces, brilho. No templo, a influência mútua não é imposição, é
inspiração. Cada irmão é mestre e aprendiz, é espelho e reflexo, é semente e
fruto. O que muda um homem é o contato com outros homens que também decidiram
mudar.
A primeira lição é clara: ninguém reforma o mundo sem antes
reformar a si mesmo. Por isso, o maçom frequente se transforma; o
infrequente estaciona, perde o pulso do rito, apaga o fogo simbólico que lhe
foi confiado. A pedra bruta abandonada torna-se novamente informe.
O Tesouro Interior: a Metáfora do Livro Perdido
A Maçonaria sempre afirmou que o maior segredo está dentro do
próprio homem. Seu método simbólico convida, constantemente, à busca do que está
velado. Por isso a história do cidadão que encontrou o livro intitulado Segredo
para o Tesouro é tão expressiva.
Ao abrir o livro, encontrou páginas escritas em línguas que
desconhecia, repletas de referências a ciências que jamais estudara. E, movido
pelo desejo de descobrir o tesouro, estudou idiomas, explorou disciplinas,
ampliou sua mente. Quanto mais se aprofundava, mais progredia em sua vida
material, social e espiritual. Ao final, compreendeu que o tesouro não
estava em um mapa, mas na transformação dele mesmo.
Essa narrativa expõe diretamente a lenda da Palavra Perdida nos
Altos Graus do Rito Escocês Antigo e Aceito, quando o homem percebe que o Nome
Divino não é encontrado na pedra esculpida, mas no coração iluminado.
A lição esotérica é cristalina: o segredo é o buscador; o
tesouro é a própria busca. O templo está dentro; mas é no templo exterior que
aprendemos a enxergá-lo.
Como na física quântica, onde o observador altera o fenômeno
observado, o maçom descobre que a realidade muda quando ele muda o modo de
observá-la. A chave do tesouro é a transformação do sujeito que observa.
Ética, Política e Responsabilidade Maçônica
A Maçonaria não é partido político, sindicato ou grupo de
pressão. É escola de consciência. E por isso preconiza que o maçom, enquanto
cidadão, não deve apoiar indivíduos implicados em processos judiciais que
comprometam sua ética. Da mesma forma, ensina que não se vota em irmãos que não
honram sua própria loja.
O obreiro que, ao ser questionado sobre sua infrequência, afirma
estar "sempre presente
espiritualmente" é uma caricatura do livre-pensador. O que busca
cargos públicos, mas não lapida sua própria pedra cúbica é um "candidato de avental", espécie
infeliz do reino social, que veste o símbolo, mas não o significado. Assim como
aqueles que utilizam a loja como mero espaço de networking ou trampolim
profissional.
O ensinamento hermético é inequívoco: nenhum homem serve a dois
templos. Aquele que busca o poder pela vaidade jamais construirá a catedral da
virtude.
Na tradição clássica, encontramos assemelhados: Sócrates, ao
recusar fugir da prisão, afirmava que a ética não é discurso, mas coerência
entre palavra e ação. Epicteto e Marco Aurélio insistiam que o governante deve
governar antes de tudo a si mesmo.
Aquele que não governa sua vida, não
governará nada com justiça.
A Função Social do Maçom: Influenciar o Mundo como Pedra Cúbica
Há irmãos insistindo que a Maçonaria, como instituição, deveria
cobrar dos poderes públicos melhores condições sociais. Este equívoco surge de
uma compreensão superficial do próprio rito. A Ordem não governa o mundo: educa
homens para governarem o mundo. A instituição aponta o caminho; o indivíduo
caminha.
Os maçons eleitos para cargos públicos já receberam a formação
simbólica, moral e intelectual necessária para aplicar no mundo os valores
aprendidos nos templos. Não cabe à Ordem exigir deles, mas sim eles cumprirem o
que aprenderam, lembrando-se do juramento que fizeram diante do Delta Luminoso.
Como afirmava Spinoza, "a liberdade é filha da compreensão". As lojas formam homens
compreendidos e compreensivos, aptos a ver o mundo com lucidez. Já o despotismo
tenta manipular as massas, mas o indivíduo que viu a Luz é difícil de dobrar.
Ele conhece a si mesmo; conhece a verdade; conhece seu dever.
A Maçonaria não manipula, emancipa. Não conduz, ilumina. Não
determina, inspira.
A Oração que Deseduca: um Equívoco Tradicional e suas Consequências
Em muitas lojas, a oração do Mestre de Cerimônias, pedindo que
os irmãos "deixem seus problemas do
lado de fora do templo", tornou-se tradição. Porém, não pertence ao
Rito Escocês Antigo e Aceito, e representa uma grave perda pedagógica.
Ao deixar seus problemas do lado de fora, o maçom deixa também
parte de si. E impede a confraria de exercer seu papel social essencial: ser um
espaço de apoio, reflexão, aconselhamento e influência recíproca.
Sem problemas, não há matéria-prima para a lapidação.
Sem conflitos, não há buril.
Sem sombras, não há luz.
A filosofia clássica nos ensina que a catarse ocorre quando o
homem enfrenta sua tragédia interior, e não quando a ignora. A psicologia
moderna aponta que compartilhar dificuldades em grupos maduros gera
crescimento. A física quântica mostra que sistemas só evoluem quando interagem.
A Loja é o lugar mais seguro para que um irmão traga seu mundo
e receba novas perspectivas. Uma palavra serena de alguém emocionalmente não
contaminado pode ser o sopro que reacende uma vida.
Os Seixos Rolantes: o Perigo dos Grupos de Poder
Existem maçons que não se desapegam da tentação de formar
grupos de poder dentro da loja. Criam panelas, nichos de influência, pequenos
reinos que, em vez de elevar, dividem. O rito chama esses homens de seixos
rolantes, lisos por fora, brutos por dentro.
Movidos pelas águas dos interesses mesquinhos, rolam para onde
o fluxo lhes convém. São fáceis de manipular, e também manipulam. Não se fixam
no trabalho da edificação social, nem assumem posições firmes, pois ter posição
exige caráter, exige arestas, exige cubificação.
Em termos esotéricos, representam o estado não regenerado da
pedra bruta: polida pelo mundo, mas não transformada pelo espírito.
No plano social, perdem oportunidades de servir, construir,
orientar. São os que, na parábola de Jesus, enterram seu talento. No simbolismo
maçônico, são aqueles que, tendo recebido luz, preferem viver na penumbra.
O Maçom Esponja: o Multiplicador
A sociedade beneficia-se do maçom tipo esponja. Ele absorve e
transmite. Aprende e ensina. Age como um circuito quântico em estado de
superposição: simultaneamente aprendiz e mestre.
Esse homem veste o avental não como ornamento, mas como missão.
Em cada sessão, ele recebe algo novo, um conceito, uma reflexão, uma crítica,
uma dúvida, e devolve ao mundo exterior em forma de ação, postura, exemplo,
esclarecimento.
Dentro do templo, a loja é um laboratório onde se experimenta a
fraternidade, a ética, a tolerância, a razão, a humildade e a liderança. Muitos
obreiros chegam à Ordem com décadas de serviço social, profissional, acadêmico
ou espiritual. Outros começam ali. Mas todos são chamados a exercer sua
influência positiva.
Como dizia Confúcio, citado por muitos pensadores maçônicos: "ensinar é aprender duas vezes."
Integridade e Disciplina: o Código de Honra Maçônico
A Ordem preconiza o desenvolvimento do homem íntegro consigo
mesmo e com a coletividade. O irmão não é apenas amigo: é guardião da
integridade do outro. A disciplina maçônica é férrea, porém libertadora.
Liberta porque ordena o caos interior, afina o caráter, direciona a vontade.
O maçom não deve ser pedra rolante, que apenas mantém aparência
e corre ao sabor das circunstâncias. Ele deve ser pedra cúbica, firme, estável,
incômoda ao mau, resistente ao vício, dedicada ao bem.
Na filosofia clássica, essa postura é a virtude (areté), que
Aristóteles definiu como "hábito
deliberado de agir retamente". No estoicismo, é a hegemonikon, a parte
racional da alma que governa as paixões.
No plano esotérico, ser pedra cúbica é participar da geometria
sagrada da Criação. O cubo representa o centro, o equilíbrio, o domínio das
quatro direções, a estabilidade espiritual.
Ser pedra cúbica é ser ponto de resistência contra o mal.
É impedir que o vício amplie sua influência.
É ser muralha moral na sociedade.
O Maçom como Multiplicador de Luz: Combater a Ignorância e o Fanatismo
A ignorância é a grande noite da humanidade. O fanatismo
é sua tempestade. O maçom, como portador da Luz, é chamado a dissipar ambas.
Para isso reúne-se em loja, onde desenvolve sua capacidade multiplicadora: ora
como aprendiz receptivo, ora como mestre que compartilha.
O templo simbólico é a oficina do espírito. A cada
sessão, o maçom deve sair um pouco mais iluminado, e levar essa luz para a
família, para o trabalho, para a comunidade, para as redes sociais, para a vida
pública.
O esoterismo maçônico ensina que a Luz se expande
geometricamente: cada homem iluminado ilumina outros tantos, que iluminam
outros tantos, até formar uma constelação humana.
No âmbito científico, a metáfora quântica é perfeita: a luz,
enquanto onda, se expande sem perder intensidade; enquanto partícula, interage
transformando sistemas. Assim é a luz maçônica: associativa, difusiva,
transformadora.
Aplicações Práticas para a Vida do Maçom
Dedicar-se às sessões, comparecer à loja é nutrir o
espírito. Quem falta, esvazia-se. Quem participa, transforma-se.
Trazer seus problemas para serem lapidados, não esconda
sombras. A loja é lugar de luz. Uma palavra de um irmão pode ser decisiva.
Evitar panelas e grupos de poder, trabalhe pelo
coletivo, não por alianças internas. A loja é templo, não palácio.
Ser exemplo de ética, na política, na profissão, na
família. A coerência é o único atestado maçônico verdadeiro.
Estudar continuamente, ler, debater, investigar. O tesouro
é a própria erudição. A palavra perdida é a sabedoria reencontrada.
Bibliografia Comentada
1.
ANDERSON,
James. Constitutions of the Free-Masons. 1723. Fundamento histórico da
Maçonaria moderna, reforça a importância da ética, da convivência e da ordem
moral nas sessões;
2.
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. Apresenta as
relações entre física quântica e espiritualidade, úteis para compreender as
metáforas de interdependência, observação e transformação;
3.
CONFÚCIO. Analectos. Filosofia da educação e da
exemplaridade, essencial ao papel do maçom esponja, que aprende e ensina
simultaneamente;
4.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. Ajuda a
distinguir o espaço do templo como lugar separado, mas não alienado do mundo,
ideia coerente com a crítica à oração que "exclui problemas";
5.
GUÉNON, René. A Crise do Mundo Moderno.
Fundamental para compreender a degeneração espiritual da modernidade e a
necessidade de instituições iniciáticas;
6.
LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia.
Explora simbolismos da luz, do templo interior e da transformação da pedra
bruta em pedra cúbica, influenciando diretamente a interpretação esotérica do
rito;
7.
MARCO AURÉLIO. Meditações. Base ética e
filosófica para o autogoverno, disciplina e integridade, virtudes essenciais ao
maçom;
8.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite. Tratado
monumental sobre o simbolismo dos Altos Graus do Rito Escocês Antigo e Aceito;
enfatiza a busca interior, a ética e a luz;
9.
SÓCRATES (através de Platão). Apologia.
Demonstra a coerência ética como fundamento da vida pública, responsável direto
da postura maçônica quanto a candidatos descompromissados;
10. WILMSHURST, W. L. The Meaning of Masonry. Obra
essencial para compreender a Maçonaria como caminho iniciático interior. A
metáfora do tesouro oculto aparece de modo recorrente;

Nenhum comentário:
Postar um comentário