terça-feira, 2 de dezembro de 2025

A Edificação Interior e o Papel Social do Maçom

 Charles Evaldo Boller

Um Ensaio Filosófico, Esotérico e Humanista

A Maçonaria ensina que ninguém se constrói sozinho: é no convívio, no debate e na influência mútua que o homem se lapida e descobre o tesouro que carrega dentro de si. O texto explora essa jornada de humanização, mostrando que o maçom assíduo se transforma em pedra cúbica firme, capaz de agir no mundo com ética, lucidez e responsabilidade. Denuncia as ilusões dos que usam a Ordem para interesses políticos ou profissionais e revela como a força maçônica nasce do indivíduo que pensa com autonomia e vive com coerência. Critica tradições distorcidas que afastam o irmão de seus próprios desafios e reafirma o templo como laboratório vivo para enfrentar problemas, construir fraternidade e moldar caráter. Expõe ainda o perigo dos grupos de poder e a esterilidade dos "seixos rolantes", contrapondo-lhes o "maçom esponja", multiplicador de luz, que aprende para ensinar e ensina para transformar. Mostra que o papel social do maçom é ser farol: presença ética que ilumina silenciosamente, combatendo ignorância e fanatismo com exemplo, humildade e razão. É um convite a entender o impacto que um único homem bem trabalhado pode exercer na edificação da sociedade.

A Humanização pelo Outro: o Caminho Maçônico da Alteridade

O homem, para tornar-se humano, necessita do espelho do outro. A antropologia, a filosofia e a psicologia convergem em afirmar que ninguém se constrói no isolamento. De Platão, que dizia que "o homem é um ser destinado à pólis", a Aristóteles, que o definiu como zoon politikon, até a física quântica contemporânea, que insiste na interdependência dos sistemas, a mensagem é coerente: não há construção do Eu sem o Nós.

Assim como Mogli ou Tarzan, figuras literárias que representam o homem bruto moldado apenas pela natureza, o indivíduo isolado não alcança a complexidade da cultura humana. Ele pode sobreviver, mas não se eleva. E se, no mundo profano, isto já é evidente, muito mais na senda maçônica, onde o aprendizado é essencialmente dialógico, feito de encontros, debates, simbolismos compartilhados e reflexões coletivas.

É por isso que o maçom se reúne com frequência. Porque cada sessão é uma centelha de transformação, um laboratório espiritual, ético e intelectual em que a pedra bruta vai ganhando arestas, faces, brilho. No templo, a influência mútua não é imposição, é inspiração. Cada irmão é mestre e aprendiz, é espelho e reflexo, é semente e fruto. O que muda um homem é o contato com outros homens que também decidiram mudar.

A primeira lição é clara: ninguém reforma o mundo sem antes reformar a si mesmo. Por isso, o maçom frequente se transforma; o infrequente estaciona, perde o pulso do rito, apaga o fogo simbólico que lhe foi confiado. A pedra bruta abandonada torna-se novamente informe.

O Tesouro Interior: a Metáfora do Livro Perdido

A Maçonaria sempre afirmou que o maior segredo está dentro do próprio homem. Seu método simbólico convida, constantemente, à busca do que está velado. Por isso a história do cidadão que encontrou o livro intitulado Segredo para o Tesouro é tão expressiva.

Ao abrir o livro, encontrou páginas escritas em línguas que desconhecia, repletas de referências a ciências que jamais estudara. E, movido pelo desejo de descobrir o tesouro, estudou idiomas, explorou disciplinas, ampliou sua mente. Quanto mais se aprofundava, mais progredia em sua vida material, social e espiritual. Ao final, compreendeu que o tesouro não estava em um mapa, mas na transformação dele mesmo.

Essa narrativa expõe diretamente a lenda da Palavra Perdida nos Altos Graus do Rito Escocês Antigo e Aceito, quando o homem percebe que o Nome Divino não é encontrado na pedra esculpida, mas no coração iluminado.

A lição esotérica é cristalina: o segredo é o buscador; o tesouro é a própria busca. O templo está dentro; mas é no templo exterior que aprendemos a enxergá-lo.

Como na física quântica, onde o observador altera o fenômeno observado, o maçom descobre que a realidade muda quando ele muda o modo de observá-la. A chave do tesouro é a transformação do sujeito que observa.

Ética, Política e Responsabilidade Maçônica

A Maçonaria não é partido político, sindicato ou grupo de pressão. É escola de consciência. E por isso preconiza que o maçom, enquanto cidadão, não deve apoiar indivíduos implicados em processos judiciais que comprometam sua ética. Da mesma forma, ensina que não se vota em irmãos que não honram sua própria loja.

O obreiro que, ao ser questionado sobre sua infrequência, afirma estar "sempre presente espiritualmente" é uma caricatura do livre-pensador. O que busca cargos públicos, mas não lapida sua própria pedra cúbica é um "candidato de avental", espécie infeliz do reino social, que veste o símbolo, mas não o significado. Assim como aqueles que utilizam a loja como mero espaço de networking ou trampolim profissional.

O ensinamento hermético é inequívoco: nenhum homem serve a dois templos. Aquele que busca o poder pela vaidade jamais construirá a catedral da virtude.

Na tradição clássica, encontramos assemelhados: Sócrates, ao recusar fugir da prisão, afirmava que a ética não é discurso, mas coerência entre palavra e ação. Epicteto e Marco Aurélio insistiam que o governante deve governar antes de tudo a si mesmo.

Aquele que não governa sua vida, não governará nada com justiça.

A Função Social do Maçom: Influenciar o Mundo como Pedra Cúbica

Há irmãos insistindo que a Maçonaria, como instituição, deveria cobrar dos poderes públicos melhores condições sociais. Este equívoco surge de uma compreensão superficial do próprio rito. A Ordem não governa o mundo: educa homens para governarem o mundo. A instituição aponta o caminho; o indivíduo caminha.

Os maçons eleitos para cargos públicos já receberam a formação simbólica, moral e intelectual necessária para aplicar no mundo os valores aprendidos nos templos. Não cabe à Ordem exigir deles, mas sim eles cumprirem o que aprenderam, lembrando-se do juramento que fizeram diante do Delta Luminoso.

Como afirmava Spinoza, "a liberdade é filha da compreensão". As lojas formam homens compreendidos e compreensivos, aptos a ver o mundo com lucidez. Já o despotismo tenta manipular as massas, mas o indivíduo que viu a Luz é difícil de dobrar. Ele conhece a si mesmo; conhece a verdade; conhece seu dever.

A Maçonaria não manipula, emancipa. Não conduz, ilumina. Não determina, inspira.

A Oração que Deseduca: um Equívoco Tradicional e suas Consequências

Em muitas lojas, a oração do Mestre de Cerimônias, pedindo que os irmãos "deixem seus problemas do lado de fora do templo", tornou-se tradição. Porém, não pertence ao Rito Escocês Antigo e Aceito, e representa uma grave perda pedagógica.

Ao deixar seus problemas do lado de fora, o maçom deixa também parte de si. E impede a confraria de exercer seu papel social essencial: ser um espaço de apoio, reflexão, aconselhamento e influência recíproca.

Sem problemas, não há matéria-prima para a lapidação.

Sem conflitos, não há buril.

Sem sombras, não há luz.

A filosofia clássica nos ensina que a catarse ocorre quando o homem enfrenta sua tragédia interior, e não quando a ignora. A psicologia moderna aponta que compartilhar dificuldades em grupos maduros gera crescimento. A física quântica mostra que sistemas só evoluem quando interagem.

A Loja é o lugar mais seguro para que um irmão traga seu mundo e receba novas perspectivas. Uma palavra serena de alguém emocionalmente não contaminado pode ser o sopro que reacende uma vida.

Os Seixos Rolantes: o Perigo dos Grupos de Poder

Existem maçons que não se desapegam da tentação de formar grupos de poder dentro da loja. Criam panelas, nichos de influência, pequenos reinos que, em vez de elevar, dividem. O rito chama esses homens de seixos rolantes, lisos por fora, brutos por dentro.

Movidos pelas águas dos interesses mesquinhos, rolam para onde o fluxo lhes convém. São fáceis de manipular, e também manipulam. Não se fixam no trabalho da edificação social, nem assumem posições firmes, pois ter posição exige caráter, exige arestas, exige cubificação.

Em termos esotéricos, representam o estado não regenerado da pedra bruta: polida pelo mundo, mas não transformada pelo espírito.

No plano social, perdem oportunidades de servir, construir, orientar. São os que, na parábola de Jesus, enterram seu talento. No simbolismo maçônico, são aqueles que, tendo recebido luz, preferem viver na penumbra.

O Maçom Esponja: o Multiplicador

A sociedade beneficia-se do maçom tipo esponja. Ele absorve e transmite. Aprende e ensina. Age como um circuito quântico em estado de superposição: simultaneamente aprendiz e mestre.

Esse homem veste o avental não como ornamento, mas como missão. Em cada sessão, ele recebe algo novo, um conceito, uma reflexão, uma crítica, uma dúvida, e devolve ao mundo exterior em forma de ação, postura, exemplo, esclarecimento.

Dentro do templo, a loja é um laboratório onde se experimenta a fraternidade, a ética, a tolerância, a razão, a humildade e a liderança. Muitos obreiros chegam à Ordem com décadas de serviço social, profissional, acadêmico ou espiritual. Outros começam ali. Mas todos são chamados a exercer sua influência positiva.

Como dizia Confúcio, citado por muitos pensadores maçônicos: "ensinar é aprender duas vezes."

Integridade e Disciplina: o Código de Honra Maçônico

A Ordem preconiza o desenvolvimento do homem íntegro consigo mesmo e com a coletividade. O irmão não é apenas amigo: é guardião da integridade do outro. A disciplina maçônica é férrea, porém libertadora. Liberta porque ordena o caos interior, afina o caráter, direciona a vontade.

O maçom não deve ser pedra rolante, que apenas mantém aparência e corre ao sabor das circunstâncias. Ele deve ser pedra cúbica, firme, estável, incômoda ao mau, resistente ao vício, dedicada ao bem.

Na filosofia clássica, essa postura é a virtude (areté), que Aristóteles definiu como "hábito deliberado de agir retamente". No estoicismo, é a hegemonikon, a parte racional da alma que governa as paixões.

No plano esotérico, ser pedra cúbica é participar da geometria sagrada da Criação. O cubo representa o centro, o equilíbrio, o domínio das quatro direções, a estabilidade espiritual.

Ser pedra cúbica é ser ponto de resistência contra o mal.

É impedir que o vício amplie sua influência.

É ser muralha moral na sociedade.

O Maçom como Multiplicador de Luz: Combater a Ignorância e o Fanatismo

A ignorância é a grande noite da humanidade. O fanatismo é sua tempestade. O maçom, como portador da Luz, é chamado a dissipar ambas. Para isso reúne-se em loja, onde desenvolve sua capacidade multiplicadora: ora como aprendiz receptivo, ora como mestre que compartilha.

O templo simbólico é a oficina do espírito. A cada sessão, o maçom deve sair um pouco mais iluminado, e levar essa luz para a família, para o trabalho, para a comunidade, para as redes sociais, para a vida pública.

O esoterismo maçônico ensina que a Luz se expande geometricamente: cada homem iluminado ilumina outros tantos, que iluminam outros tantos, até formar uma constelação humana.

No âmbito científico, a metáfora quântica é perfeita: a luz, enquanto onda, se expande sem perder intensidade; enquanto partícula, interage transformando sistemas. Assim é a luz maçônica: associativa, difusiva, transformadora.

Aplicações Práticas para a Vida do Maçom

Dedicar-se às sessões, comparecer à loja é nutrir o espírito. Quem falta, esvazia-se. Quem participa, transforma-se.

Trazer seus problemas para serem lapidados, não esconda sombras. A loja é lugar de luz. Uma palavra de um irmão pode ser decisiva.

Evitar panelas e grupos de poder, trabalhe pelo coletivo, não por alianças internas. A loja é templo, não palácio.

Ser exemplo de ética, na política, na profissão, na família. A coerência é o único atestado maçônico verdadeiro.

Estudar continuamente, ler, debater, investigar. O tesouro é a própria erudição. A palavra perdida é a sabedoria reencontrada.

Bibliografia Comentada

1.      ANDERSON, James. Constitutions of the Free-Masons. 1723. Fundamento histórico da Maçonaria moderna, reforça a importância da ética, da convivência e da ordem moral nas sessões;

2.      CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. Apresenta as relações entre física quântica e espiritualidade, úteis para compreender as metáforas de interdependência, observação e transformação;

3.      CONFÚCIO. Analectos. Filosofia da educação e da exemplaridade, essencial ao papel do maçom esponja, que aprende e ensina simultaneamente;

4.      ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. Ajuda a distinguir o espaço do templo como lugar separado, mas não alienado do mundo, ideia coerente com a crítica à oração que "exclui problemas";

5.      GUÉNON, René. A Crise do Mundo Moderno. Fundamental para compreender a degeneração espiritual da modernidade e a necessidade de instituições iniciáticas;

6.      LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Explora simbolismos da luz, do templo interior e da transformação da pedra bruta em pedra cúbica, influenciando diretamente a interpretação esotérica do rito;

7.      MARCO AURÉLIO. Meditações. Base ética e filosófica para o autogoverno, disciplina e integridade, virtudes essenciais ao maçom;

8.      PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite. Tratado monumental sobre o simbolismo dos Altos Graus do Rito Escocês Antigo e Aceito; enfatiza a busca interior, a ética e a luz;

9.      SÓCRATES (através de Platão). Apologia. Demonstra a coerência ética como fundamento da vida pública, responsável direto da postura maçônica quanto a candidatos descompromissados;

10.  WILMSHURST, W. L. The Meaning of Masonry. Obra essencial para compreender a Maçonaria como caminho iniciático interior. A metáfora do tesouro oculto aparece de modo recorrente;

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