sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Caminhar Leve é Lapidar a Própria Consciência

 Charles Evaldo Boller

Viver é caminhar. E caminhar, cedo ou tarde, cansa. Não porque a estrada seja longa demais, mas porque quase sempre carregamos mais peso do que precisamos. A filosofia maçônica do Rito Escocês Antigo e Aceito ensina, desde os primeiros passos do Aprendiz até os graus mais elevados, que o trabalho não se realiza fora, mas dentro. O mundo exterior é apenas o canteiro de obras; a construção essencial acontece no interior do ser. Ainda assim, muitos seguem a vida como quem carrega uma mochila abarrotada de lascas de pedra inúteis, acreditando que sofrer é sinal de profundidade ou que guardar mágoas é prova de força.

A metáfora da pedra bruta ajuda a compreender esse equívoco. Ao lapidar a pedra, o maçom aprende que o excesso deve ser removido, não acumulado. As lascas que caem ao chão não são fracassos, mas evidências de progresso. O problema surge quando o indivíduo, em vez de deixá-las no caminho, decide guardá-las consigo, transformando aprendizado em peso. Culpa antiga, ressentimento, expectativa frustrada e raiva silenciosa passam a ocupar espaço na consciência, como entulho guardado por apego ou medo de desapego.

A filosofia clássica já advertia sobre isso. Sócrates insistia que o maior inimigo do homem é a ignorância de si mesmo. Aristóteles ensinava que a virtude é o meio-termo, e não o excesso emocional. Os estoicos foram ainda mais diretos: não são os acontecimentos que perturbam, mas a forma como reagimos a eles. A Maçonaria apenas traduz essas ideias em símbolos vivos, compreensíveis a qualquer consciência disposta a aprender. Quando alguém se ofende com tudo, guarda tudo e espera que o mundo se ajuste às suas expectativas, está, na verdade, transferindo ao outro a responsabilidade pela própria felicidade.

Um dos maiores aprendizados iniciáticos é compreender que perdoar não é um favor concedido ao outro, mas um ato de higiene interior. O perdão funciona como abrir a mochila, retirar aquilo que apodreceu e seguir mais leve. Não se trata de fingir que nada aconteceu, mas de reconhecer que continuar carregando a dor só prolonga o sofrimento. Como na alquimia simbólica, o perdão transforma chumbo emocional em ouro de consciência. Não muda o passado, mas redefine o sentido que ele ocupa dentro de nós.

Na prática da vida, isso se traduz em atitudes simples, porém profundas. Ajustar expectativas é uma delas. Esperar menos dos outros não significa amar menos, mas amar com mais lucidez. Outra atitude é aprender a colocar limites. O compasso maçônico simboliza exatamente isso: até onde o outro pode ir sem invadir o espaço sagrado do meu templo interior. Perdoar não exige convivência forçada nem tolerância ao que fere a dignidade. Exige apenas libertar-se do vínculo emocional que mantém o ofendido preso ao ofensor.

Há também um aspecto frequentemente esquecido: corpo, mente e espírito caminham juntos. Uma consciência exausta, um corpo negligenciado e uma mente saturada tornam o perdão quase impossível. A tradição filosófica e as ciências modernas convergem nesse ponto. Emoções não elaboradas adoecem o corpo, e hábitos desordenados enfraquecem a clareza interior. Cuidar da saúde, praticar silêncio, refletir, mover o corpo e organizar a própria rotina não são detalhes secundários; são ferramentas de lapidação.

O maçom que compreende isso deixa de viver reativamente. Ele passa a observar a própria mochila com regularidade, perguntando-se o que ainda faz sentido carregar. Aprende que amar é mais doar do que exigir, que a felicidade não pode ser terceirizada e que a força não está em endurecer, mas em depurar. Gandhi resumiu isso com simplicidade desarmante ao afirmar que o fraco jamais perdoa. Perdoar exige coragem, não submissão.

Caminhar leve não elimina os desafios da estrada, mas muda completamente a forma de enfrentá-los. Quem solta pesos desnecessários sobe mais rápido, cai menos e se levanta com mais facilidade. A filosofia maçônica, quando vivida e não apenas estudada, conduz exatamente a esse ponto: menos ruído interior, mais clareza; menos carga emocional, mais liberdade; menos apego ao erro, mais sabedoria no acerto. No fim, a estrada continua a mesma, mas o caminhante já não é o mesmo. E isso muda tudo.

Bibliografia Comentada

1.     ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2009. Fundamental para compreender a virtude como prática e equilíbrio, oferecendo base filosófica para o autocontrole e o perdão;

2.     EPICTETO. Manual. São Paulo: Edipro, 2013. Síntese clara do estoicismo, essencial para entender a relação entre julgamento, expectativa e sofrimento humano;

3.     HAY, Louise L. Você Pode Curar Sua Vida. São Paulo: BestSeller, 2012. Aborda a relação entre emoções, perdão e saúde, dialogando com tradições metafísicas e psicologia contemporânea;

4.     MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Pensamento, 2010. Reflexões práticas sobre domínio de si, responsabilidade interior e serenidade diante das adversidades;

5.     PIKE, Albert. Moral e Dogma do Rito Escocês Antigo e Aceito. São Paulo: Madras, 2009. Obra central do pensamento filosófico maçônico, rica em simbolismo, ética e ensinamentos iniciáticos;

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