Viver é caminhar. E caminhar, cedo ou tarde, cansa. Não porque a
estrada seja longa demais, mas porque quase sempre carregamos mais peso do que
precisamos. A filosofia maçônica do Rito Escocês Antigo e Aceito ensina, desde
os primeiros passos do Aprendiz até os graus mais elevados, que o trabalho não
se realiza fora, mas dentro. O mundo exterior é apenas o canteiro de obras; a
construção essencial acontece no interior do ser. Ainda assim, muitos seguem a
vida como quem carrega uma mochila abarrotada de lascas de pedra inúteis,
acreditando que sofrer é sinal de profundidade ou que guardar mágoas é prova de
força.
A metáfora da pedra bruta ajuda a compreender esse equívoco. Ao
lapidar a pedra, o maçom aprende que o excesso deve ser removido, não
acumulado. As lascas que caem ao chão não são fracassos, mas evidências de
progresso. O problema surge quando o indivíduo, em vez de deixá-las no caminho,
decide guardá-las consigo, transformando aprendizado em peso. Culpa antiga,
ressentimento, expectativa frustrada e raiva silenciosa passam a ocupar espaço
na consciência, como entulho guardado por apego ou medo de desapego.
A filosofia clássica já advertia sobre isso. Sócrates insistia
que o maior inimigo do homem é a ignorância de si mesmo. Aristóteles ensinava
que a virtude é o meio-termo, e não o excesso emocional. Os estoicos foram
ainda mais diretos: não são os acontecimentos que perturbam, mas a forma como
reagimos a eles. A Maçonaria apenas traduz essas ideias em símbolos vivos,
compreensíveis a qualquer consciência disposta a aprender. Quando alguém se
ofende com tudo, guarda tudo e espera que o mundo se ajuste às suas
expectativas, está, na verdade, transferindo ao outro a responsabilidade pela
própria felicidade.
Um dos maiores aprendizados iniciáticos é compreender que
perdoar não é um favor concedido ao outro, mas um ato de higiene interior.
O perdão funciona como abrir a mochila, retirar aquilo que apodreceu e seguir
mais leve. Não se trata de fingir que nada aconteceu, mas de reconhecer que
continuar carregando a dor só prolonga o sofrimento. Como na alquimia
simbólica, o perdão transforma chumbo emocional em ouro de consciência. Não
muda o passado, mas redefine o sentido que ele ocupa dentro de nós.
Na prática da vida, isso se traduz em atitudes simples, porém
profundas. Ajustar expectativas é uma delas. Esperar menos dos outros não
significa amar menos, mas amar com mais lucidez. Outra atitude é aprender a
colocar limites. O compasso maçônico simboliza exatamente isso: até onde o
outro pode ir sem invadir o espaço sagrado do meu templo interior. Perdoar não
exige convivência forçada nem tolerância ao que fere a dignidade. Exige apenas
libertar-se do vínculo emocional que mantém o ofendido preso ao ofensor.
Há também um aspecto frequentemente esquecido: corpo, mente e
espírito caminham juntos. Uma consciência exausta, um corpo negligenciado e uma
mente saturada tornam o perdão quase impossível. A tradição filosófica e as
ciências modernas convergem nesse ponto. Emoções não elaboradas adoecem o
corpo, e hábitos desordenados enfraquecem a clareza interior. Cuidar da saúde,
praticar silêncio, refletir, mover o corpo e organizar a própria rotina não são
detalhes secundários; são ferramentas de lapidação.
O maçom que compreende isso deixa de viver reativamente. Ele
passa a observar a própria mochila com regularidade, perguntando-se o que ainda
faz sentido carregar. Aprende que amar é mais doar do que exigir, que a
felicidade não pode ser terceirizada e que a força não está em endurecer, mas
em depurar. Gandhi resumiu isso com simplicidade desarmante ao afirmar que o
fraco jamais perdoa. Perdoar exige coragem, não submissão.
Caminhar leve não elimina os desafios da estrada, mas muda
completamente a forma de enfrentá-los. Quem solta pesos desnecessários sobe
mais rápido, cai menos e se levanta com mais facilidade. A filosofia maçônica,
quando vivida e não apenas estudada, conduz exatamente a esse ponto: menos
ruído interior, mais clareza; menos carga emocional, mais liberdade; menos
apego ao erro, mais sabedoria no acerto. No fim, a estrada continua a mesma,
mas o caminhante já não é o mesmo. E isso muda tudo.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin
Claret, 2009. Fundamental para compreender a virtude como prática e equilíbrio,
oferecendo base filosófica para o autocontrole e o perdão;
2.
EPICTETO. Manual. São Paulo: Edipro, 2013.
Síntese clara do estoicismo, essencial para entender a relação entre
julgamento, expectativa e sofrimento humano;
3.
HAY, Louise L. Você Pode Curar Sua Vida. São
Paulo: BestSeller, 2012. Aborda a relação entre emoções, perdão e saúde,
dialogando com tradições metafísicas e psicologia contemporânea;
4.
MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo:
Pensamento, 2010. Reflexões práticas sobre domínio de si, responsabilidade
interior e serenidade diante das adversidades;
5.
PIKE, Albert. Moral e Dogma do Rito Escocês
Antigo e Aceito. São Paulo: Madras, 2009. Obra central do pensamento filosófico
maçônico, rica em simbolismo, ética e ensinamentos iniciáticos;

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