quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

O Mestre que Desperta Consciências

 Charles Evaldo Boller

O mestre maçom, dentro do Rito Escocês Antigo e Aceito, não é guardião de segredos nem transmissor de verdades prontas; ele é, antes de tudo, o jardineiro silencioso da consciência humana. Seu papel é preparar o terreno para que seus irmãos germinem por si mesmos, como sementes que carregam dentro de si a promessa do fruto, mas que precisam de solo fértil, luz adequada e espaço para crescer. Na Maçonaria, ensinar é iluminar sem ofuscar, e aprender é recordar aquilo que a alma sempre soube, mas havia esquecido, como sugeria Platão ao falar da reminiscência. O mestre facilita esse reencontro com a luz interior ajudando o aprendiz a caminhar pelo próprio labirinto, sem jamais substituí-lo na jornada.

Na loja, a prancha de traçar se transforma em palco vivo onde metáforas se convertem em ferramentas de trabalho. Ideias são desenhadas, ajustadas, apagadas e reconstruídas, como se cada irmão fosse um arquiteto lapidando o projeto de sua própria existência. A física quântica pode até emprestar-nos uma imagem útil: assim como o observador influencia o comportamento das partículas, a simples presença consciente do mestre eleva o campo vibracional do ambiente e permite que outras consciências encontrem novas possibilidades de expressão. Ele não controla; ele inspira. Não determina; sugere. Sua força não reside na imposição, mas na profundidade de sua escuta, na serenidade de seu olhar e na coerência entre sua fala e sua prática.

O mestre trabalha com símbolos que funcionam como espelhos. O malho e o cinzel lembram ao aprendiz que o trabalho interior exige disciplina e delicadeza: força para romper as arestas e sutileza para não ferir a própria essência. O compasso revela o território íntimo que precisamos conhecer para estabelecer limites saudáveis e cultivar relações equilibradas. Já o esquadro aponta para a retidão moral que deve orientar decisões em casa, no trabalho e na sociedade. O mestre não explica esses símbolos como um professor explicaria uma fórmula. Ele os encarna. Ele os vive. Seu comportamento é a tradução silenciosa daquilo que o ritual apenas indica.

A filosofia clássica oferece fundamentos importantes para compreender sua postura. Sócrates, por exemplo, não ensinava verdades; ensinava a perguntar. O mestre maçom faz o mesmo: estimula o questionamento, provoca a reflexão e abre espaço para que os irmãos descubram o que realmente importa. Marco Aurélio, o filósofo-imperador, dizia que o poder autêntico nasce do governo de si mesmo. O mestre, ao servir com humildade, demonstra que a autoridade é a do exemplo. Ele sabe que o que transforma um homem não são discursos eloquentes, mas pequenas atitudes diárias colocadas em prática com constância e simplicidade.

Para a vida prática, o mestre oferece sugestões que não são regras, mas inspirações. Ele ensina, por exemplo, que a escuta ativa pode salvar relacionamentos familiares, prevenindo conflitos que nascem de pequenas incompreensões. Mostra que a régua da disciplina financeira é tão necessária quanto a régua simbólica sobre o altar: ambas ajudam a medir excessos e manter equilíbrio. Ensina que o compasso emocional é útil nas empresas para evitar decisões precipitadas motivadas pela raiva, pela ansiedade ou pela vaidade. Ensina ainda que a paciência, virtude tão presente no simbolismo maçônico, é a chave para suportar momentos de transição e crescimento.

No centro de tudo está o paradoxo iniciático: o mestre aprende ensinando e se transforma enquanto facilita a transformação dos outros. Ele percebe que cada pergunta dos irmãos é um convite para repensar suas próprias convicções. Cada debate em loja é oportunidade de afiar o próprio entendimento. Cada sessão é uma chance de polir uma nova faceta da própria pedra bruta. O mestre sabe que a trajetória humana é espiralada, não linear: ascende-se voltando a temas antigos com nova maturidade, como a serpente que muda de pele para continuar crescendo.

A mensagem final que emerge desse papel tão especial é simples e profunda: ninguém conduz outro à Luz se não cuidar de sua própria chama. O mestre maçom é guardião dessa chama, não como proprietário, mas como testemunha. Ele serve à humanidade porque compreende que a humanidade vive dentro dele. Facilita o despertar dos outros porque já iniciou o seu próprio despertar. É essa coerência silenciosa que faz dele uma figura tão importante na Maçonaria e tão necessária no mundo: alguém que ajuda a construir templos no coração dos homens, para que cada um possa, um dia, tornar-se mestre de si mesmo.

Bibliografia Comentada

1.      ANDERSON, James. Constituições de Anderson. Londres: Editora Maçônica, 1723. Esta obra inaugural da Maçonaria Especulativa apresenta os princípios éticos e organizacionais que moldam a postura do mestre maçom, mostrando como a função de facilitar o crescimento dos irmãos está enraizada na própria fundação da ordem;

2.      JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. Jung demonstra como símbolos estruturam a psique humana, oferecendo base psicológica para compreender o modo como o mestre utiliza símbolos maçônicos para provocar autoconhecimento e crescimento interior;

3.      KNOWLES, Malcolm. The Adult Learner. Boston: Routledge, 1984. Knowles desenvolve os princípios da andragogia, reforçando a ideia de que adultos aprendem de modo autônomo e experiencial, o que fundamenta a visão do mestre maçom como facilitador e não como instrutor tradicional;

4.      MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Martin Claret, 2014. O filósofo-estoico destaca a importância do autodomínio e da virtude, conceitos que iluminam a conduta do mestre maçom como exemplo vivo de equilíbrio, ética e liderança interior;

5.      PLATÃO. A República. São Paulo: abril Cultural, 1997. Neste clássico, Platão expõe a alegoria da caverna e a ideia da reminiscência, conceitos essenciais para compreender a jornada interior do aprendiz e o papel do mestre como mediador da luz e da verdade;

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