segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Entre a Inveja que Paralisa e o Amor que Liberta

 Charles Evaldo Boller

A experiência humana ensina, desde cedo, que nem todos os combates acontecem fora de nós. Alguns dos mais decisivos se travam no silêncio da consciência, onde sentimentos aparentemente invisíveis moldam destinos inteiros. A inveja e o amor fraterno são exemplos claros disso. Ambos nascem no íntimo, ambos se expandem como ondas, mas produzem efeitos opostos. A filosofia maçônica do Rito Escocês Antigo e Aceito sempre tratou essa questão de modo simbólico e profundo: aquilo que cultivamos dentro do templo interior determina a solidez ou a ruína da obra que erguemos.

A inveja pode ser comparada a um ácido guardado em um frasco frágil. Quem o segura acredita que poderá lançá-lo contra o outro, mas esquece que o recipiente é o próprio coração. Antes de atingir qualquer alvo externo, o ácido corrói as paredes internas. Aristóteles já advertia que a inveja não nasce do desejo de melhorar, mas do ressentimento diante do bem alheio. Ela não impulsiona; paralisa. O invejoso não caminha, manca. Não constrói, apenas observa com amargura a construção alheia.

Na linguagem simbólica da Maçonaria, é o obreiro que abandona o cinzel e passa a criticar a pedra polida do irmão. Em vez de trabalhar sua própria aspereza, tenta diminuir o brilho do outro. O resultado é previsível: a pedra permanece bruta e o espírito, pesado. Marco Aurélio, ecoando o estoicismo, afirmava que ninguém pode prejudicar nossa alma sem o nosso consentimento. A inveja é exatamente esse consentimento silencioso para a autodestruição.

O amor fraterno, por outro lado, age como uma chama que não se apaga ao ser compartilhada. Quanto mais se reparte, mais ilumina. A tradição iniciática sempre soube disso, muito antes de a ciência moderna falar em campos, energia e vibração. O amor não é perda; é circulação. Ele se assemelha a uma fonte: quanto mais água oferece, mais viva se mantém. No Rito Escocês Antigo e Aceito, o amor fraterno é um dos pilares que sustentam a egrégora da Loja, esse campo invisível onde consciências se encontram e se fortalecem mutuamente.

Platão ensinava que a justiça é a harmonia da alma. Poderíamos dizer o mesmo do amor. Quando ele é emitido, algo se organiza dentro de quem ama. Mesmo que o destinatário não acolha, o efeito principal já ocorreu. É como um músico que afina o próprio instrumento: ainda que ninguém ouça, a afinação permanece. A inveja desafina; o amor harmoniza.

A física contemporânea oferece uma metáfora interessante para compreender isso. Em um sistema fechado, a energia não desaparece; transforma-se. O ser humano, visto como um microcosmo, também funciona assim. Pensamentos e emoções não se dissolvem no nada. Eles retornam, ampliados, ao próprio emissor. Por isso, cultivar ressentimento é como aquecer a própria casa com fogo tóxico; cultivar fraternidade é aquecê-la com luz.

A filosofia clássica e a tradição maçônica convergem nesse ponto: o trabalho é interior. Sócrates afirmava que uma vida sem exame não merece ser vivida. Examinar-se, aqui, significa perguntar diariamente: que sentimentos estou alimentando? Estou lapidando minha pedra ou atirando poeira sobre a dos outros? Cada resposta molda o caráter e, pouco a pouco, o destino.

Na vida prática, essa escolha aparece de forma simples. No trabalho, podemos reagir ao sucesso alheio com intrigas ou com aprendizado. Na família, podemos competir ou cooperar. Na vida interior, podemos nos comparar ou nos aprimorar. Pequenas decisões constroem grandes resultados. Um gesto de reconhecimento sincero, uma palavra de incentivo, um silêncio respeitoso diante da conquista do outro são exercícios concretos de amor fraterno.

A Maçonaria não promete eliminar as paixões humanas, mas ensiná-las a servir à construção, não à destruição. O esquadro lembra a retidão; o compasso, a medida. Usados juntos, ajudam o obreiro a manter o centro, o ponto dentro do círculo. Entre a inveja que paralisa e o amor que liberta, a escolha é diária, silenciosa e profundamente transformadora. No fim, como já intuía Plotino, tudo retorna àquilo que escolhemos ser por dentro.

Bibliografia Comentada

1.     ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2014. Obra fundamental sobre virtudes e vícios, essencial para compreender a inveja como desordem moral;

2.     ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Contribui para a compreensão simbólica do templo interior e da experiência do sagrado;

3.     LEADBEATER, C. W. A Vida Oculta na Maçonaria. São Paulo: Pensamento, 2008. Aborda conceitos esotéricos como egrégora e os efeitos sutis da prática maçônica;

4.     MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Edipro, 2013. Pensamentos estoicos que reforçam a responsabilidade interior sobre o bem e o mal;

5.     PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. Reflexão clássica sobre justiça e harmonia da alma, base para a ética iniciática;



Amor Engorda, Inveja Manca

A inveja rosna, tropeça e cai no chão,

Quer ver o outro cair para sorrir;

Mas leva tombo dentro do coração

E manca a alma sem nunca prosseguir.

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