A experiência humana ensina, desde cedo, que nem todos os
combates acontecem fora de nós. Alguns dos mais decisivos se travam no silêncio
da consciência, onde sentimentos aparentemente invisíveis moldam destinos
inteiros. A inveja e o amor fraterno são exemplos claros disso. Ambos nascem no
íntimo, ambos se expandem como ondas, mas produzem efeitos opostos. A filosofia
maçônica do Rito Escocês Antigo e Aceito sempre tratou essa questão de modo
simbólico e profundo: aquilo que cultivamos dentro do templo interior
determina a solidez ou a ruína da obra que erguemos.
A inveja pode ser comparada a um ácido guardado em um frasco
frágil. Quem o segura acredita que poderá lançá-lo contra o outro, mas esquece
que o recipiente é o próprio coração. Antes de atingir qualquer alvo externo, o
ácido corrói as paredes internas. Aristóteles já advertia que a inveja não
nasce do desejo de melhorar, mas do ressentimento diante do bem alheio. Ela não
impulsiona; paralisa. O invejoso não caminha, manca. Não constrói, apenas
observa com amargura a construção alheia.
Na linguagem simbólica da Maçonaria, é o obreiro que abandona o
cinzel e passa a criticar a pedra polida do irmão. Em vez de trabalhar sua
própria aspereza, tenta diminuir o brilho do outro. O resultado é previsível: a
pedra permanece bruta e o espírito, pesado. Marco Aurélio, ecoando o
estoicismo, afirmava que ninguém pode prejudicar nossa alma sem o nosso
consentimento. A inveja é exatamente esse consentimento silencioso para a
autodestruição.
O amor fraterno, por outro lado, age como uma chama que não se
apaga ao ser compartilhada. Quanto mais se reparte, mais ilumina. A tradição
iniciática sempre soube disso, muito antes de a ciência moderna falar em
campos, energia e vibração. O amor não é perda; é circulação. Ele se assemelha
a uma fonte: quanto mais água oferece, mais viva se mantém. No Rito Escocês
Antigo e Aceito, o amor fraterno é um dos pilares que sustentam a egrégora da
Loja, esse campo invisível onde consciências se encontram e se fortalecem
mutuamente.
Platão ensinava que a justiça é a harmonia da alma. Poderíamos
dizer o mesmo do amor. Quando ele é emitido, algo se organiza dentro de quem
ama. Mesmo que o destinatário não acolha, o efeito principal já ocorreu. É como
um músico que afina o próprio instrumento: ainda que ninguém ouça, a afinação
permanece. A inveja desafina; o amor harmoniza.
A física contemporânea oferece uma metáfora interessante para
compreender isso. Em um sistema fechado, a energia não desaparece;
transforma-se. O ser humano, visto como um microcosmo, também funciona assim.
Pensamentos e emoções não se dissolvem no nada. Eles retornam, ampliados, ao
próprio emissor. Por isso, cultivar ressentimento é como aquecer a própria casa
com fogo tóxico; cultivar fraternidade é aquecê-la com luz.
A filosofia clássica e a tradição maçônica convergem nesse
ponto: o trabalho é interior. Sócrates afirmava que uma vida sem exame não
merece ser vivida. Examinar-se, aqui, significa perguntar diariamente: que
sentimentos estou alimentando? Estou lapidando minha pedra ou atirando poeira
sobre a dos outros? Cada resposta molda o caráter e, pouco a pouco, o destino.
Na vida prática, essa escolha aparece de forma simples. No
trabalho, podemos reagir ao sucesso alheio com intrigas ou com aprendizado. Na
família, podemos competir ou cooperar. Na vida interior, podemos nos comparar
ou nos aprimorar. Pequenas decisões constroem grandes resultados. Um gesto de
reconhecimento sincero, uma palavra de incentivo, um silêncio respeitoso diante
da conquista do outro são exercícios concretos de amor fraterno.
A Maçonaria não promete eliminar as paixões humanas, mas
ensiná-las a servir à construção, não à destruição. O esquadro lembra a
retidão; o compasso, a medida. Usados juntos, ajudam o obreiro a manter o
centro, o ponto dentro do círculo. Entre a inveja que paralisa e o amor que
liberta, a escolha é diária, silenciosa e profundamente transformadora. No fim,
como já intuía Plotino, tudo retorna àquilo que escolhemos ser por dentro.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin
Claret, 2014. Obra fundamental sobre virtudes e vícios, essencial para
compreender a inveja como desordem moral;
2.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São
Paulo: Martins Fontes, 2010. Contribui para a compreensão simbólica do templo
interior e da experiência do sagrado;
3.
LEADBEATER, C. W. A Vida Oculta na Maçonaria.
São Paulo: Pensamento, 2008. Aborda conceitos esotéricos como egrégora e os
efeitos sutis da prática maçônica;
4.
MARCO AURÉLIO. Meditações. São Paulo: Edipro,
2013. Pensamentos estoicos que reforçam a responsabilidade interior sobre o bem
e o mal;
5.
PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2010. Reflexão clássica sobre justiça e harmonia da alma, base para
a ética iniciática;
Amor Engorda, Inveja Manca
A inveja rosna, tropeça e cai no chão,Quer ver o outro cair para sorrir;
Mas leva tombo dentro do coração
E manca a alma sem nunca prosseguir.

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