sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Formação do Ambiente para Reconstrução Interna

A espiritualidade necessária para obtenção da liberdade;
Ferramentas utilizadas na construção de templos internos.

Charles Evaldo Boller


Com relação à proposta da Maçonaria de reconstruir o interior de um templo feito de carne e ossos, sendo esta extensão ou parte de todas as partículas do Universo animadas com a mesma força ativa, usa-se do exemplo da reconstrução do templo de Jerusalém, em forma de lenda, uma alegoria. A constante reconstrução é com respeito a capacidades racionais, psicológicas, emocionais, valores, princípios e a Metafísica do ser espiritual que cada homem desenvolvido é. O homem é um ser material com uma componente espiritual. A reconstrução diz respeito a uma reedificação interna constante devido à destruição efetuada por vícios e paixões desenfreadas, bem como, para relembrar valores adormecidos na memória. Este templo interior pode ser reconstruído indefinidas vezes, dependente apenas de constância na atividade. O local ideal para esta reconstrução interna deve constar de usufruto de amor e paz, porque é só na tranquilidade de um ambiente fraterno e amoroso que o homem se desenvolve para o bem. Esta construção interna, devidamente orientada, resulta no acumulo de inestimáveis tesouros que levam o homem a somar para a perenização da prevalência do bem no meio social em que vive.

Um ambiente cheio de angústia e terror quase impossibilita a reconstrução; apenas homens com alta capacidade de concentração progridem onde existe desorganização e agressividade. Num ambiente hostil e de alta concorrência o homem também não tem oportunidade para se reconstruir internamente. No mundo externo da Maçonaria, o aviltante sistema humano de escravidão drena toda a força ativa até sobrar apenas bagaço. A ordem maçônica tem como modificar esta realidade por provocar o maçom a efetuar reiteradas reconstruções de seu templo interior com vistas a libertá-lo dos grilhões da alienação do trabalho que escraviza e desvirtua a vida natural. Não que venha a partir de então a não trabalhar, mas o conscientiza das outras necessidades que dão sentido para a vida como: presença na família, diversão comedida, amizades e principalmente as necessidades internas de satisfação com a vida.

São provocações no campo intelectual e das sensibilidades, que despertam no indivíduo conhecimentos e percepções que ele já sabe, mas não aplica por estarem adormecidas. Estudiosos concluíram que é impossível levar educação de fora para dentro, daí a ênfase dada pela Maçonaria ao "conhece-te a ti mesmo", de Sócrates (468 a. C. - 399 a. C.). Pode-se introduzir conhecimento de fora para dentro, mas isto é impossível na educação das necessidades internas; aquelas que despertam potenciais internos sensitivos, emocionais e espirituais; esta informação já está lá, na assinatura genética, e só pode ser despertada.

Para Platão (428 a. C. - 347 a. C.) foi difícil definir aquilo que denominava alma inferior, ou os desejos e inclinações que levam à escravidão ao sensível, que de sua ótica levam sempre ao erro; na alma superior a racionalidade deveria desenvolver a capacidade de controlar paixões e desejos, senão seria impossível desenvolver comportamento moral, ou despertar o bem; é a noção de educação do homem naquilo com que a natureza já o proveu. O maçom já possui todas as características que dele fazem um homem moral, mas carece de aperfeiçoamento; é o que ele desenvolve nas constantes reconstruções de seu eu interior. Na ausência de valores na circunvizinhança, para não perecer ou submeter-se aos vícios e perigos, o homem que deseja reconstruir seu Universo interior tem praticamente impossibilitada a atividade de reconstrução interna porque precisa usar de toda a atenção e força para defender-se de ataques externos.

Quando o predador, o inimigo, está perto, toda atenção é dispensada para impossibilitar sua nefasta atuação. Situação vivida no dia-a-dia do trabalhador, onde no local de trabalho a concorrência e a maldade são permanentes caçadores de vítimas ao abate, para que outros possam beneficiar-se do espaço que ocupa. E existem aqueles que trabalham tanto que quase nada sobra para a convivência familiar, ou usufruir das coisas boas da vida no tempo certo e sem exageros.

O maçom usa de ferramentas na reconstrução. Uma delas é a trolha; pequena pá em forma triangular com a qual se assentam tijolos. A trolha é símbolo do trabalho honesto. Mas como usar uma trolha de pedreiro para reedificar internamente o homem? Tomada simbolicamente, esta pá de pedreiro tem um papel importante na reconstrução interna porque sem a utilização simbólica dela não é possível edificar o ambiente fraterno necessário para que cada um possa trabalhar em si. Daí o maçom designar o seu lugar de reunião de templo, um lugar de respeito onde trabalha em si mesmo e em seus relacionamentos apaziguados com a trolha e outras ferramentas. Mesmo o mais ingênuo não conspurca um local tão sagrado como o templo onde se reúne com outros irmãos e todos trabalham em seus templos, construindo e reconstruindo. Ao estender este raciocínio para o templo interior de cada um - o proprietário do mesmo nunca o sujaria! Apenas um louco ou afetado faria qualquer coisa para prejudicar o harmonioso funcionamento de seu templo. E destes existem multidões de desinformados, principalmente no que afeta a cultura e os valores.

Apesar deste raciocínio, mesmo numa loja maçônica existem atritos e tensões entre irmãos; todos são homens bons, mas imperfeitos; os mais sábios já reconstruíram diversas vezes seus templos internos; são os que estão na dianteira e iluminam o caminho aos menos experientes usando da trolha com maestria. Este instrumento de trabalho é o símbolo da tolerância e indulgência para com os erros dos irmãos; pequenas querelas que sempre acorrem entre os homens; principalmente onde se analisam questões sensíveis da dinâmica da sociedade. Normalmente estas discussões estão no plano das ideias e visando o bem da comunidade da loja. A trolha é usada simbolicamente para desconsiderar as pequenas imperfeições dos iguais. Ao "passar a trolha" por sobre as imperfeições de seus irmãos o maçom está trabalhando igualmente em seu templo interior e passa sobre eventual ofensa. Perdoa, esquece a injúria e elimina o ressentimento.

No usar da trolha o exercício espiritual é intenso, ainda mais que perdoar é característica de corajosos e não de fracos. O perdão é definitivo e não um exercício de dissimulação que quando uma oportunidade surgir, se existirem resquícios de ressentimento, estes eclodem em vingança. Ao "passar a trolha" o maçom obtém um locar fraterno onde reunir-se, em sendo homem bom, passa a permanentemente retrabalhar seu mundo interior afastado do mundo exterior onde um sistema aviltante o escraviza. Desenvolvendo virtudes como paciência e afabilidade criam-se ambientes propícios ao desenvolvimento espiritual, é a busca do amor fraterno, a única solução de todos os problemas da humanidade, conforme foi dito pelos grandes iniciados através dos tempos. Perdoar de fato é ato de heroísmo e o resplandecer do amor, é o desenvolvimento da nobreza da abnegação; de negar a si mesmo vantagens em nome do bem comum.

Ao invés da vingança, o ser espiritualizado julga o próximo com complacência e sem ódio, sabendo que também pode cometer os mesmos erros daquele que eventualmente ofendeu. Consciente de sua imperfeição corre em auxílio do próximo com mão de apoio e pratica a caridade. Com o despertar para a constante reconstrução interna glorifica a criação e destaca o poder e a glória da humanidade. Num mundo perfeito seria fácil usar da trolha para alisar os próprios defeitos e os dos semelhantes, mas a realidade não é assim.

Quem desenvolve seu mundo interior carece também de andar armado. Não para o ataque, mas para a defesa. Para reconstruir o templo interior é necessário fazer frente a terríveis e insidiosos inimigos. Cabe neste mundo real usar a trolha numa das mãos, enquanto na outra se porta uma arma de defesa.

O pior inimigo somos nós mesmos, que nos sabotarmos em resultado de vícios e paixões desenfreadas, e seguidamente destruímos nosso templo interior; daí a necessidade de permanentes ações de reconstrução. Aos inimigos externos até não é difícil combater; basta isolar-se daquela influência, mas não deixam de ser perigosos porque usam de nossas fraquezas para nos derrubar e enfraquecer. Normalmente são aqueles que estão mais perto, os amigos e familiares, que exploram nosso coração, instintos e emoções e nos fazem cair reiteradas vezes em erro. Como combater tais inimigos?

Sendo versátil. Numa mão a trolha e na outra a espada. É o trabalho em si com a trolha e ao mesmo tempo combater o mal que nos é imposto à convivência por influência do meio em que vivemos. Contra invejosos, insidiosos e traiçoeiros usa-se simbolicamente da espada da justiça, para os que erram contra nós usamos abnegada e carinhosamente da trolha; dois instrumentos muito importantes para a busca da paz social.

Trabalhar a pedra é bom quando suas faces são lisas e não causam atrito quando em contato com outras pedras. Por outro lado, como é natural e a maioria das pedras possuem asperezas, não assentando corretamente em seu espaço, invadindo o espaço que não lhes pertence, entra em ação a trolha. Aplica-se a massa da tolerância entre as duas pedras, o que reduz bastante o atrito com aqueles que ainda não obtiveram o grau de discernimento e postura adequados para não friccionar suas asperezas nos que estão próximos e desejam conviver para progredir na sua edificação interna. E se uma pedra insiste em prejudicar a outra, entra em ação a espada, que empunhada e movida com maestria, aplica a justiça e a diplomacia, o que espanta ou impede que as asperezas de terceiros abusados prejudiquem o brilho da pedra de cada um. Dizem que se as asperezas de uma pedra atritam a outra, e ambas persistem nesta provocação, então, ao invés de uma pedra cúbica e bem esquadrejada, o resultado será um pedra rolada de fundo de rio; sem forma definida e de comportamento que não adquire estabilidade; rola ao sabor dos eventos aleatórios em direção ao usufruto de uma vida vazia e sujeita a surpresas de chocar-se continuamente até sobrar apenas um pedregulho; isto se não dispersar em forma de areia, resultando um ser nulo, insignificante. A filosofia da Maçonaria possui cabedal de ideias para obtenção do ambiente propício ao desenvolvimento interno do construtor social; favorece o ambiente propício e calmo para trabalhar em paz o templo interior da pedra que reconhece que o Grande Arquiteto do Universo certamente muniu o homem com discernimento de avaliar a vantagem de praticar o amor fraterno em todas as instâncias da vida.


Bibliografia

1. ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni, História da Filosofia, do Humanismo a Kant, Volume 2, título original: Il Pensiero Occidentale Dalle Origini Ad Oggi, ISBN 85-349-0163-5, sexta edição, Paulus, 950 páginas, São Paulo, 1990;

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4. COMTE-SPONVILLE, André, O Espírito do Ateísmo, título original: L'esprit de L'théisme, tradução: Eduardo Brandão, ISBN 978-85-60156-66-5, primeira edição, Livraria Martins Fontes Editora limitada., 192 páginas, São Paulo, 2007;

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6. MICHEL, Oswaldo da Rocha, O Sentido da Vida e a Maçonaria, ISBN 978-85-7252-275-5, primeira edição, Editora Maçônica a Trolha limitada., 208 páginas, Londrina, 2010;

7. RIGHETTO, Armando, Maçonaria, uma Esperança, primeira edição, Editora Maçônica a Trolha limitada., 160 páginas, Londrina, 1992;

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