terça-feira, 4 de novembro de 2025

A Origem do Conhecimento, um Ensaio Filosófico-maçônico Sobre a Luz da Consciência

 Charles Evaldo Boller

O conhecimento é a Luz que une o homem ao cosmos, o pensamento à ação, o símbolo à realidade. Na senda maçônica, compreender é servir, e servir é iluminar. A origem do saber está tanto no olhar que vê quanto naquilo que é visto, e, acima de ambos, na chama invisível que faz ver.

Donde provêm as ideias que temos?

É uma das mais antigas e persistentes da filosofia. Desde os tempos de Platão e Aristóteles, a humanidade tenta compreender se o saber é revelado de fora para dentro ou se emerge das profundezas do espírito humano. Essa questão, aparentemente abstrata, é também o fundamento de toda a construção simbólica e moral da Maçonaria, cuja busca pela "Luz" representa a contínua tentativa de reconciliação entre o sujeito e o objeto, entre o espírito e a matéria, entre o visível e o invisível.

O problema epistemológico, ao ser traduzido na linguagem iniciática, converte-se na busca pela Verdade, não como dogma, mas como processo. O maçom, em seu caminho de autoaperfeiçoamento, procura compreender a origem do conhecimento não apenas por meio do intelecto, mas também pelo coração e pela vivência simbólica. Assim, o conhecimento torna-se iniciação, e a iniciação é o despertar da consciência para o que estava oculto.

A Tradição Platônica: o Conhecimento como Recordação da Luz

Platão, em seu mundo das ideias, propõe que todo conhecimento é reminiscência (anamnesis). A alma, antes de encarnar, habitava o Hiperurânio, o plano das realidades eternas. Ao entrar no corpo, ela esquece; e aprender é recordar. Essa concepção guarda relações diretas com a iniciação maçônica: o neófito que penetra no Templo para buscar a Luz não está adquirindo algo novo, mas rememorando o que sempre esteve em sua essência.

O mito da caverna, símbolo universal da ignorância sensível, reflete a mesma dialética: as sombras projetadas nas paredes representam o conhecimento limitado dos sentidos; a ascensão ao exterior é o caminho do intelecto e do espírito rumo à verdade solar. Na Maçonaria, esse movimento corresponde à passagem do aprendiz, que observa as sombras, ao companheiro e, por fim, ao mestre, aquele que contempla a Luz.

Platão inaugura, assim, uma epistemologia iniciática. O saber é iluminação, e a fonte do conhecimento não é o mundo sensível, mas o divino. A alma humana, portadora de uma centelha do Grande Arquiteto do Universo, reencontra na busca filosófica a recordação de sua origem luminosa.

Aristóteles: a Experiência como Pedra Bruta do Saber

Aristóteles, discípulo de Platão, rompe com a metafísica das ideias e constrói uma filosofia da imanência. Para ele, nada há no intelecto que não tenha passado pelos sentidos. A alma não preexiste ao corpo; ao contrário, a experiência sensível é o ponto de partida de toda abstração.

Se Platão vê o conhecimento como recordação da perfeição, Aristóteles o entende como lapidação da imperfeição. Assim como o maçom trabalha sua pedra bruta, o intelecto extrai da experiência o universal, o necessário e o essencial. A razão humana, dotada de intelecto ativo, separa o acidente da substância e apreende a forma pura das coisas.

Essa visão aristotélica surge no simbolismo maçônico da régua e do compasso: instrumentos da medida e da proporção que disciplinam a percepção sensível e conduzem à harmonia racional. A ordem nasce da observação atenta e do método; o saber não é revelado, mas conquistado.

Santo Agostinho e a Iluminação Divina: o Fogo do Espírito

Santo Agostinho, ao cristianizar a herança platônica, introduz a doutrina da illuminatio divina. O homem, sendo contingente e falível, não poderia gerar em si as ideias eternas; estas são infundidas por Deus na alma. O conhecimento é, portanto, iluminação interior.

Na linguagem maçônica, poder-se-ia dizer que Agostinho vê no Grande Arquiteto do Universo a fonte da Luz que guia o iniciado. Assim como o mestre da loja ilumina o caminho dos irmãos, Deus ilumina a mente humana para que reconheça o bem, o verdadeiro e o belo.

O conhecimento, aqui, é ato de humildade: a mente humana não cria, mas reflete a luz divina. Essa ideia encontra respaldo nas palavras que acompanham a iniciação maçônica: "Do Oriente vem a Luz". É o espírito superior que ilumina o interior do homem, conduzindo-o à sabedoria.

São Tomás de Aquino: a Harmonia Entre Fé e Razão

Tomás de Aquino, retomando Aristóteles, propõe uma síntese entre fé e razão. O intelecto humano é autônomo na abstração dos universais, mas a verdade última ainda pertence a Deus. O conhecimento, assim, é obra cooperativa: o homem observa, raciocina e abstrai; Deus sustenta a ordem e a inteligibilidade do mundo.

Essa harmonia é profundamente maçônica: a Loja é o microcosmo dessa colaboração. Cada obreiro contribui com sua experiência sensível, sua inteligência e seu labor, mas todos trabalham sob o plano do Grande Arquiteto do Universo. Assim como a Verdade é revelada ao homem pela razão e pela fé, a construção do templo se realiza pela união do trabalho humano e da inspiração divina.

O homem, nesse contexto, é tanto artífice quanto discípulo. Aprende com o mundo e com o espírito, com o visível e com o invisível. O saber é ato de construção e de adoração simultaneamente, ciência e arte, razão e amor.

O Despertar Moderno: a Razão Autônoma

Com o Renascimento e o advento da ciência moderna, o homem volta-se para si mesmo. Descartes declara: Cogito, ergo sum — "Penso, logo existo." O conhecimento passa a fundar-se no sujeito, não no objeto. Essa virada epistemológica, que Hegel levaria ao extremo com seu idealismo absoluto, libertou o pensamento da tutela teológica, mas trouxe um risco: o isolamento do sujeito em seu próprio labirinto mental.

No plano maçônico, esse perigo é conhecido: o homem que se julga centro do Universo torna-se tirano de si mesmo. A iniciação existe justamente para relembrar que o Eu é parte de uma ordem maior, que a liberdade racional deve ser equilibrada pela consciência moral e pela fraternidade.

O racionalismo cartesiano construiu os alicerces do método científico, mas a Maçonaria adverte que o conhecimento sem sabedoria é como o Templo sem Luz: uma estrutura sem alma. A razão deve servir à construção do bem, e não à dominação do outro.

Empirismo e Idealismo: o Espelho e o Sonho

Enquanto Locke e Hume defendem que todo conhecimento provém da experiência sensível, os idealistas, de Berkeley a Hegel, sustentam que o real é produto do pensamento. O empirista vê o mundo como espelho; o idealista, como sonho.

Para o maçom, ambos os caminhos são incompletos. O espelho reflete a aparência, o sonho projeta o desejo; o conhecimento nasce do encontro entre os dois. Assim como o Templo simbólico é construído na junção entre pedra e espírito, o saber se realiza na síntese entre a experiência concreta e a intuição transcendental.

Kant, ao propor sua "síntese transcendental", foi talvez o filósofo mais próximo do ideal maçônico. Para ele, o conhecimento resulta da interação entre o objeto (que fornece a matéria) e o sujeito (que fornece a forma). O homem não é mero receptor nem criador absoluto: é coautor do Universo cognoscível.

Essa visão é perfeitamente compatível com a máxima maçônica: o homem é construtor de si mesmo. Ele participa da obra divina não como servo cego, mas como cooperador consciente. Kant transformou o conhecimento em ato ético: compreender é ordenar o mundo de modo que a liberdade e a dignidade humanas sejam possíveis.

Do Iluminismo ao Existencialismo: o Saber como Liberdade

Com o Iluminismo, a Luz tornou-se metáfora central do progresso humano. Rousseau, Voltaire e Kant viam na razão esclarecida o antídoto contra a ignorância e a superstição. A Maçonaria, filha espiritual desse movimento, incorporou esse ideal: libertar o homem das trevas do dogmatismo e acender nele a chama da autonomia.

Contudo, o século XX trouxe novos desafios. A psicanálise revelou as sombras do inconsciente; o existencialismo, a angústia da liberdade; o estruturalismo, a influência das estruturas sociais e linguísticas sobre o pensamento. A origem do conhecimento deixou de ser um problema puramente filosófico e tornou-se também psicológico, histórico e cultural.

Heidegger e Gadamer, em especial, destacaram o caráter histórico do saber. O homem não conhece o mundo a partir de um ponto neutro: ele sempre o interpreta segundo sua tradição e linguagem. Essa concepção é encontrada no simbolismo maçônico da Tradição: o maçom não inventa a Verdade, mas a redescobre através dos ritos e símbolos transmitidos ao longo dos séculos.

A Síntese Maçônica: Luz que Une Sujeito e Objeto

A filosofia maçônica, enquanto síntese de sabedoria antiga e moderna, não toma partido exclusivo entre empirismo e racionalismo, entre fé e razão, entre sujeito e objeto. Ela reconhece que o conhecimento é sempre construção conjunta: o homem molda o mundo à medida que o mundo o molda.

O templo interior do maçom é, nesse sentido, a metáfora perfeita do processo cognitivo. Cada pedra, cada coluna e cada luz representam aspectos do saber humano. A coluna Boaz (força) simboliza o objeto: a realidade firme e tangível. A coluna Jachin (estabilidade) representa o sujeito: a consciência ordenadora. Entre ambas, erguendo-se em direção ao Oriente, surge a Luz do Grande Arquiteto do Universo, a síntese espiritual que transcende e harmoniza os opostos.

Assim, a origem do conhecimento é trina: matéria, mente e espírito. Sem o objeto não há estímulo; sem o sujeito não há compreensão; sem a Luz não há sentido. O maçom que trabalha no silêncio de sua consciência é, portanto, o filósofo em ação: observa, reflete e eleva seu saber ao plano do sagrado.

Exemplos Práticos e Aplicações Filosóficas

Na vida cotidiana, essa concepção integrada do conhecimento pode ser aplicada de múltiplas formas:

·         Na família, ao educar os filhos, o maçom reconhece que o saber não se impõe, constrói-se em diálogo. O mestre ensina, mas também aprende, e o discípulo não é mero receptor, mas participante ativo.

·         No trabalho, o profissional que aplica a "razão iluminada" evita o tecnicismo cego e busca compreender o propósito humano de sua atividade. O engenheiro que constrói uma ponte, o médico que cura, o juiz que julga, todos, ao reconhecer a dimensão simbólica e ética de seu fazer, transformam o ofício em arte real.

·         Na sociedade, a filosofia do conhecimento como cooperação entre sujeito e objeto inspira o diálogo e a tolerância. Reconhecer que ninguém possui toda a Verdade é o primeiro passo para a convivência fraterna, pedra angular da Maçonaria.

Esses exemplos ilustram o princípio maçônico da Luz compartilhada: o saber não é propriedade privada, mas bem comum.

Conhecer é Iluminar-se

O problema da origem do conhecimento, longe de ser mera especulação metafísica, é o coração da jornada iniciática. Conhecer é despertar; é relembrar a centelha divina que habita no interior do ser; é trabalhar a pedra bruta da experiência até revelar nela a forma do espírito.

Platão apontou para o céu, Aristóteles para a terra, Agostinho para Deus, Tomás para a razão, Descartes para o Eu, Kant para a síntese, e todos, sem saber, apontaram para o templo interior do homem. A Maçonaria, ao unir simbolicamente essas tradições, ensina que o conhecimento é aquele que integra o visível e o invisível, o sensível e o inteligível, o homem e o cosmos, o sujeito e o objeto.

Assim, o saber não é apenas um ato de pensamento, mas um ato de amor: amor à verdade, à justiça e à fraternidade. E o iniciado, ao trabalhar sob a Luz do Grande Arquiteto do Universo, descobre que conhecer é construir, e construir é servir à eterna harmonia do universo.

Bibliografia Comentada

1.      ARISTÓTELES. Metafísica e De Anima. Desenvolve a teoria da abstração e da relação entre forma e matéria, base da epistemologia empirista racional;

2.      BERKELEY, George. Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano. Afirma que ser é ser percebido (esse est percipi), deslocando a realidade para o campo do espírito;

3.      CAMINO, Rizzardo da. O Simbolismo Maçônico. Interpreta os graus simbólicos como estágios do conhecimento progressivo do homem;

4.      DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Fundamenta o racionalismo moderno e a autonomia do sujeito como fonte do conhecimento;

5.      GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Desenvolve a hermenêutica como diálogo contínuo entre tradição e compreensão;

6.      HEGEL, Georg W. F. Fenomenologia do Espírito. Apresenta o conhecimento como autodesenvolvimento do Espírito Absoluto;

7.      HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Introduz o fator histórico e existencial na compreensão do conhecimento;

8.      HUME, David. Investigação sobre o Entendimento Humano. Analisa o papel da sensação e da associação na formação das ideias;

9.      KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Propõe a síntese transcendental entre sujeito e objeto, fundando a epistemologia moderna;

10.  LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Defende o empirismo e o papel da experiência sensível como origem das ideias;

11.  PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Relaciona epistemologia, simbolismo e iniciação no contexto do Rito Escocês Antigo e Aceito;

12.  PLATÃO. A República e Mênon. Obras fundamentais sobre o conceito de anamnesis. Revelam o caráter espiritual do conhecimento como recordação da Verdade;

13.  SANTO AGOSTINHO. Confissões e De Magistro. Apresenta a doutrina da iluminação divina, mostrando o conhecimento como luz infundida por Deus;

14.  SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Sintetiza fé e razão, mostrando a cooperação entre o intelecto humano e a verdade divina;

15.  WIRTH, Oswald. O Livro do Aprendiz. Analisa o simbolismo maçônico como caminho cognitivo e espiritual;

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