O conhecimento é a Luz que une o homem ao cosmos, o pensamento
à ação, o símbolo à realidade. Na senda maçônica, compreender é servir, e
servir é iluminar. A origem do saber está tanto no olhar que vê quanto naquilo
que é visto, e, acima de ambos, na chama invisível que faz ver.
Donde provêm as ideias que temos?
É uma das mais antigas e persistentes da filosofia. Desde os
tempos de Platão e Aristóteles, a humanidade tenta compreender se o saber é
revelado de fora para dentro ou se emerge das profundezas do espírito humano.
Essa questão, aparentemente abstrata, é também o fundamento de toda a
construção simbólica e moral da Maçonaria, cuja busca pela "Luz" representa a contínua
tentativa de reconciliação entre o sujeito e o objeto, entre o espírito e a
matéria, entre o visível e o invisível.
O problema epistemológico, ao ser traduzido na linguagem
iniciática, converte-se na busca pela Verdade, não como dogma, mas como
processo. O maçom, em seu caminho de autoaperfeiçoamento, procura compreender a
origem do conhecimento não apenas por meio do intelecto, mas também pelo
coração e pela vivência simbólica. Assim, o conhecimento torna-se iniciação, e a iniciação é o despertar da consciência para o que estava
oculto.
A Tradição Platônica: o Conhecimento como Recordação da Luz
Platão, em seu mundo das ideias, propõe que todo conhecimento é
reminiscência (anamnesis). A alma, antes de encarnar, habitava o Hiperurânio, o
plano das realidades eternas. Ao entrar no corpo, ela esquece; e aprender é
recordar. Essa concepção guarda relações diretas com a iniciação maçônica: o
neófito que penetra no Templo para buscar a Luz não está adquirindo algo novo,
mas rememorando o que sempre esteve em sua essência.
O mito da caverna, símbolo universal da ignorância sensível,
reflete a mesma dialética: as sombras projetadas nas paredes representam o
conhecimento limitado dos sentidos; a ascensão ao exterior é o caminho do
intelecto e do espírito rumo à verdade solar. Na Maçonaria, esse movimento
corresponde à passagem do aprendiz, que observa as sombras, ao companheiro e,
por fim, ao mestre, aquele que contempla a Luz.
Platão inaugura, assim, uma epistemologia iniciática. O saber é
iluminação, e a fonte do conhecimento não é o mundo sensível, mas o divino. A alma humana, portadora de uma
centelha do Grande Arquiteto do Universo, reencontra na busca filosófica a
recordação de sua origem luminosa.
Aristóteles: a Experiência como Pedra Bruta do Saber
Aristóteles, discípulo de Platão, rompe com a metafísica das ideias
e constrói uma filosofia da imanência. Para ele, nada há no intelecto que não
tenha passado pelos sentidos. A alma não preexiste ao corpo; ao contrário, a
experiência sensível é o ponto de partida de toda abstração.
Se Platão vê o conhecimento como recordação da perfeição,
Aristóteles o entende como lapidação da imperfeição. Assim como o maçom
trabalha sua pedra bruta, o intelecto extrai da experiência o universal, o
necessário e o essencial. A razão
humana, dotada de intelecto ativo, separa o acidente da substância e apreende a
forma pura das coisas.
Essa visão aristotélica surge no simbolismo maçônico da régua e
do compasso: instrumentos da medida e da proporção que disciplinam a percepção
sensível e conduzem à harmonia racional. A ordem nasce da observação atenta e
do método; o saber não é revelado, mas conquistado.
Santo Agostinho e a Iluminação Divina: o Fogo do Espírito
Santo Agostinho, ao cristianizar a herança platônica, introduz
a doutrina da illuminatio divina. O homem, sendo contingente e falível, não
poderia gerar em si as ideias eternas; estas são infundidas por Deus na alma. O
conhecimento é, portanto, iluminação interior.
Na linguagem maçônica, poder-se-ia dizer que Agostinho vê no Grande
Arquiteto do Universo a fonte da Luz que guia o iniciado. Assim como o mestre
da loja ilumina o caminho dos irmãos, Deus ilumina a mente humana para que
reconheça o bem, o verdadeiro e o belo.
O conhecimento, aqui, é ato de humildade: a mente humana não
cria, mas reflete a luz divina. Essa ideia encontra respaldo nas palavras que
acompanham a iniciação maçônica: "Do
Oriente vem a Luz". É o espírito superior
que ilumina o interior do homem, conduzindo-o à sabedoria.
São Tomás de Aquino: a Harmonia Entre Fé e Razão
Tomás de Aquino, retomando Aristóteles, propõe uma síntese
entre fé e razão. O intelecto humano é autônomo na abstração dos universais,
mas a verdade última ainda pertence a Deus. O conhecimento, assim, é obra
cooperativa: o homem observa, raciocina e abstrai; Deus sustenta a ordem e a
inteligibilidade do mundo.
Essa harmonia é profundamente maçônica: a Loja é o microcosmo
dessa colaboração. Cada obreiro contribui com sua experiência sensível, sua
inteligência e seu labor, mas todos trabalham sob o plano do Grande Arquiteto
do Universo. Assim como a Verdade é revelada ao homem pela razão e pela fé, a
construção do templo se realiza pela união do trabalho humano e da inspiração
divina.
O homem, nesse contexto, é tanto artífice quanto discípulo.
Aprende com o mundo e com o espírito, com o visível e com o invisível. O saber
é ato de construção e de adoração simultaneamente, ciência e arte, razão e
amor.
O Despertar Moderno: a Razão Autônoma
Com o Renascimento e o advento da ciência moderna, o homem
volta-se para si mesmo. Descartes declara: Cogito, ergo sum — "Penso, logo existo." O conhecimento
passa a fundar-se no sujeito, não no objeto. Essa virada epistemológica, que
Hegel levaria ao extremo com seu idealismo absoluto, libertou o pensamento da
tutela teológica, mas trouxe um risco: o isolamento do sujeito em seu próprio
labirinto mental.
No plano maçônico, esse perigo é conhecido: o homem que se
julga centro do Universo torna-se tirano de si mesmo. A iniciação existe
justamente para relembrar que o Eu é parte de uma ordem maior, que a liberdade
racional deve ser equilibrada pela consciência moral e pela fraternidade.
O racionalismo cartesiano construiu os alicerces do método científico,
mas a Maçonaria adverte que o conhecimento sem sabedoria é como o Templo sem
Luz: uma estrutura sem alma. A razão deve servir à construção do bem, e
não à dominação do outro.
Empirismo e Idealismo: o Espelho e o Sonho
Enquanto Locke e Hume defendem que todo conhecimento provém da
experiência sensível, os idealistas, de Berkeley a Hegel, sustentam que o real
é produto do pensamento. O empirista vê o mundo como espelho; o idealista, como
sonho.
Para o maçom, ambos os caminhos são incompletos. O espelho
reflete a aparência, o sonho projeta o desejo; o conhecimento nasce do encontro
entre os dois. Assim como o Templo simbólico é construído na junção entre pedra
e espírito, o saber se realiza na síntese entre a experiência concreta e a
intuição transcendental.
Kant, ao propor sua "síntese
transcendental", foi talvez o filósofo mais próximo do ideal maçônico.
Para ele, o conhecimento resulta da interação entre o objeto (que fornece a
matéria) e o sujeito (que fornece a forma). O homem não é mero receptor nem
criador absoluto: é coautor do Universo cognoscível.
Essa visão é perfeitamente compatível com a máxima maçônica: o
homem é construtor de si mesmo. Ele participa da obra divina não como servo
cego, mas como cooperador consciente. Kant transformou o conhecimento em ato
ético: compreender é ordenar o mundo de modo que a liberdade e a dignidade
humanas sejam possíveis.
Do Iluminismo ao Existencialismo: o Saber como Liberdade
Com o Iluminismo, a Luz tornou-se metáfora central do progresso
humano. Rousseau, Voltaire e Kant viam na razão esclarecida o antídoto contra a
ignorância e a superstição. A Maçonaria, filha espiritual desse movimento,
incorporou esse ideal: libertar o homem das trevas do dogmatismo e acender
nele a chama da autonomia.
Contudo, o século XX trouxe novos desafios. A psicanálise
revelou as sombras do inconsciente; o existencialismo, a angústia da liberdade;
o estruturalismo, a influência das estruturas sociais e linguísticas sobre o
pensamento. A origem do conhecimento deixou de ser um problema puramente
filosófico e tornou-se também psicológico, histórico e cultural.
Heidegger e Gadamer, em especial, destacaram o caráter
histórico do saber. O homem não conhece o mundo a partir de um ponto neutro:
ele sempre o interpreta segundo sua tradição e linguagem. Essa concepção é
encontrada no simbolismo maçônico da Tradição: o maçom não inventa a
Verdade, mas a redescobre através dos
ritos e símbolos transmitidos ao longo dos séculos.
A Síntese Maçônica: Luz que Une Sujeito e Objeto
A filosofia maçônica, enquanto síntese de sabedoria antiga e
moderna, não toma partido exclusivo entre empirismo e racionalismo, entre fé e
razão, entre sujeito e objeto. Ela reconhece que o conhecimento é sempre
construção conjunta: o homem molda o mundo à medida que o mundo o molda.
O templo interior do maçom é, nesse sentido, a metáfora
perfeita do processo cognitivo. Cada pedra, cada coluna e cada luz representam
aspectos do saber humano. A coluna Boaz (força) simboliza o objeto: a realidade
firme e tangível. A coluna Jachin (estabilidade) representa o sujeito: a
consciência ordenadora. Entre ambas, erguendo-se em direção ao Oriente, surge a
Luz do Grande Arquiteto do Universo, a síntese espiritual que transcende e
harmoniza os opostos.
Assim, a origem do conhecimento é trina: matéria, mente e
espírito. Sem o objeto não há estímulo; sem o sujeito não há compreensão; sem a
Luz não há sentido. O maçom que trabalha no silêncio de sua consciência é,
portanto, o filósofo em ação: observa, reflete e eleva seu saber ao plano do
sagrado.
Exemplos Práticos e Aplicações Filosóficas
Na vida cotidiana, essa concepção integrada do conhecimento
pode ser aplicada de múltiplas formas:
·
Na família, ao educar os filhos, o maçom
reconhece que o saber não se impõe, constrói-se em diálogo. O mestre ensina,
mas também aprende, e o discípulo não é mero receptor, mas participante ativo.
·
No trabalho, o profissional que aplica a "razão iluminada" evita o tecnicismo
cego e busca compreender o propósito humano de sua atividade. O engenheiro que
constrói uma ponte, o médico que cura, o juiz que julga, todos, ao reconhecer a
dimensão simbólica e ética de seu fazer, transformam o ofício em arte real.
·
Na sociedade, a filosofia do conhecimento
como cooperação entre sujeito e objeto inspira o diálogo e a tolerância.
Reconhecer que ninguém possui toda a Verdade é o primeiro passo para a
convivência fraterna, pedra angular da Maçonaria.
Esses exemplos ilustram o princípio maçônico da Luz
compartilhada: o saber não é propriedade privada, mas bem comum.
Conhecer é Iluminar-se
O problema da origem do conhecimento, longe de ser mera
especulação metafísica, é o coração da jornada
iniciática. Conhecer é despertar; é relembrar a centelha divina que
habita no interior do ser; é trabalhar a pedra bruta da experiência até revelar
nela a forma do espírito.
Platão apontou para o céu, Aristóteles para a terra,
Agostinho para Deus, Tomás para a razão, Descartes para o Eu,
Kant para a síntese, e todos, sem saber, apontaram para o templo interior do homem. A Maçonaria, ao unir
simbolicamente essas tradições, ensina que o conhecimento é aquele que integra
o visível e o invisível, o sensível e o inteligível, o homem e o cosmos, o
sujeito e o objeto.
Assim, o saber não é apenas um ato de pensamento, mas um ato de
amor: amor à verdade, à justiça e à fraternidade. E o iniciado, ao trabalhar
sob a Luz do Grande Arquiteto do Universo, descobre que conhecer é construir, e
construir é servir à eterna harmonia do universo.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Metafísica e De Anima. Desenvolve a
teoria da abstração e da relação entre forma e matéria, base da epistemologia
empirista racional;
2.
BERKELEY, George. Tratado sobre os Princípios do
Conhecimento Humano. Afirma que ser é ser percebido (esse est percipi),
deslocando a realidade para o campo do espírito;
3.
CAMINO, Rizzardo da. O Simbolismo Maçônico.
Interpreta os graus simbólicos como estágios do conhecimento progressivo do
homem;
4.
DESCARTES, René. Meditações Metafísicas.
Fundamenta o racionalismo moderno e a autonomia do sujeito como fonte do
conhecimento;
5.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método.
Desenvolve a hermenêutica como diálogo contínuo entre tradição e compreensão;
6.
HEGEL, Georg W. F. Fenomenologia do Espírito.
Apresenta o conhecimento como autodesenvolvimento do Espírito Absoluto;
7.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Introduz o fator
histórico e existencial na compreensão do conhecimento;
8.
HUME, David. Investigação sobre o Entendimento
Humano. Analisa o papel da sensação e da associação na formação das ideias;
9.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Propõe a
síntese transcendental entre sujeito e objeto, fundando a epistemologia
moderna;
10. LOCKE,
John. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Defende o empirismo e o papel da
experiência sensível como origem das ideias;
11. PIKE, Albert. Morals and Dogma of the
Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Relaciona
epistemologia, simbolismo e iniciação no contexto do Rito Escocês Antigo e
Aceito;
12. PLATÃO.
A República e Mênon. Obras fundamentais sobre o conceito de anamnesis. Revelam
o caráter espiritual do conhecimento como recordação da Verdade;
13. SANTO
AGOSTINHO. Confissões e De Magistro. Apresenta a doutrina da iluminação divina,
mostrando o conhecimento como luz infundida por Deus;
14. SÃO
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Sintetiza fé e razão, mostrando a cooperação
entre o intelecto humano e a verdade divina;
15. WIRTH,
Oswald. O Livro do Aprendiz. Analisa o simbolismo maçônico como caminho
cognitivo e espiritual;

Nenhum comentário:
Postar um comentário