terça-feira, 7 de outubro de 2025

Aplicação da Política na Visão Maçônica

 Charles Evaldo Boller

Um Animal Político

A Maçonaria, uma instituição de filosofia moral e ciência da busca pela verdade, propõe ao homem uma reflexão profunda sobre o papel da política como exercício da virtude e da razão. Para o maçom, a política não é a arena vulgar dos interesses partidários, mas a arte nobre de governar a si mesmo e à comunidade, inspirando-se na ética, na justiça e na fraternidade. Como dizia Aristóteles, "o homem é por natureza um animal político"; logo, não há aperfeiçoamento humano sem participação no destino coletivo. O maçom, que trabalha incessantemente pela lapidação da Pedra Bruta, não pode isentar-se do dever de construir também a harmonia social, pois a Loja é microcosmo do Estado, e o Estado, macrocosmo da Loja.

O presente ensaio busca desenvolver uma análise filosófico-maçônica da política como expressão da ética aplicada, considerando fundamentos metafísicos, epistemológicos e morais que orientam o agir consciente do iniciado. A política maçônica, compreendida sob esta ótica, é o exercício da responsabilidade moral em favor da coletividade; é a sabedoria transformada em serviço; é o dever tornado ação.

A Dimensão Filosófica da Política

A filosofia política clássica, de Platão a Rousseau, sempre considerou o governo da cidade como o reflexo do governo da alma. A ordem social, dizia Platão em A República, somente será justa quando cada parte da alma, razão, coragem e desejo, ocupar o seu devido lugar. O Estado é, portanto, a projeção ampliada da moral individual. Se o homem interior é desordenado, também o será o corpo político. Essa é uma das mais profundas lições que a Maçonaria absorve da tradição filosófica: o aperfeiçoamento da sociedade depende do aperfeiçoamento de cada cidadão.

O maçom, ao estudar os fenômenos sociais e políticos, reconhece que as desigualdades não são apenas fatos econômicos, mas sintomas de uma desordem moral. A ignorância, a ambição desmedida e o egoísmo formam o tripé da injustiça. Assim, combater as causas da miséria é mais nobre que mitigar seus efeitos imediatos. A ação política, sob o ponto de vista maçônico, exige visão sistêmica: é necessário compreender que os males sociais nascem da corrupção das virtudes.

Na perspectiva de Aristóteles, a política é a "ciência suprema", porque busca o bem comum. O maçom, ao adotar esse ideal, vê na política o exercício prático da virtude da "phronesis", a prudência, que modera os excessos e guia a ação justa. A prudência política é, portanto, a extensão da prudência moral.

A Ética Como Fundamento da Política Maçônica

A política, despojada de ética, degenera em tirania ou demagogia. A ética, sem a política, torna-se idealismo inócuo. É na intersecção dessas duas dimensões que se edifica o trabalho do maçom na sociedade. Inspirado por Kant, o iniciado compreende que a ação moral deve ser guiada por princípios universais, o imperativo categórico: agir de modo que a máxima da própria ação possa ser erigida em lei universal. Aplicada à política, essa máxima transforma o governante em servo da humanidade e não de facções.

Na Loja, o maçom aprende que a obediência à Lei, símbolo da ordem cósmica, é a base da liberdade. O mesmo se dá no corpo político: a liberdade sem lei é anarquia; a lei sem liberdade é despotismo. O equilíbrio entre ambas é a expressão da sabedoria. Assim, a política maçônica busca o ponto de harmonia onde a liberdade individual se concilia com o bem coletivo, do mesmo modo que o compasso regula a justa medida entre o homem e o universo.

A ética maçônica é também uma técnica de ensino da consciência. Ela não impõe dogmas, mas desperta o raciocínio crítico. O maçom não segue líderes cegamente, mas orienta-se pela luz da razão e da moral. Por isso, sua ação política deve ser fundamentada na educação: não há Democracia sem esclarecimento. Como ensinava Condorcet, "a instrução é a salvaguarda da liberdade". A Loja, portanto, torna-se um laboratório da cidadania.

A Política Como Expressão da Justiça e da Fraternidade

A política, para o maçom, é antes de tudo a arte de distribuir equitativamente os bens e oportunidades entre os homens. A justiça é o fio de prumo que regula a construção do edifício social. Na simbologia maçônica, o esquadro representa a retidão dos juízos; o nível, a igualdade entre os irmãos; e o prumo, a firmeza da consciência. Aplicados à vida pública, esses instrumentos traduzem-se em três virtudes cívicas: equidade, solidariedade e integridade.

O maçom combate as causas das injustiças, não apenas seus sintomas. Ele compreende que a caridade não é a esmola que perpetua a dependência, mas a ação educativa que emancipa. Por isso, sua política é uma orientação para a liberdade: ensina o homem a pensar, a criar, a agir por si mesmo. Assim como o aprendiz transforma sua pedra bruta com esforço próprio, também o cidadão deve transformar sua realidade social pelo trabalho e pela educação.

A fraternidade, terceiro pilar da tríade maçônica, é o princípio unificador da vida política. Sem fraternidade, a igualdade torna-se ressentimento e a liberdade converte-se em egoísmo. A fraternidade é o cimento do edifício humano, o laço invisível que une as diferenças em torno de um propósito comum. O maçom, consciente dessa verdade, não vê no adversário um inimigo, mas um interlocutor; não busca vencer pela força, mas convencer pela razão.

Metafísica e Política: o Governo da Ordem Universal

A visão maçônica da política transcende o campo humano e adentra o metafísico. O Estado ideal é aquele que reflete, em sua estrutura e harmonia, a ordem do cosmos, obra do Grande Arquiteto do Universo. Assim como o Universo obedece a leis imutáveis, a sociedade justa deve submeter-se a princípios universais: verdade, justiça, amor e liberdade. A desordem política é, em essência, reflexo da desordem espiritual.

Nessa perspectiva, governar é imitar o Criador. O governante sábio, como o arquiteto que traça planos com o compasso, deve equilibrar forças opostas, prever as consequências de cada ato e respeitar o plano divino inscrito na natureza humana. A política, então, torna-se um sacerdócio, não no sentido religioso, mas filosófico: o dever de harmonizar o microcosmo humano com o macrocosmo universal.

Spinoza, em sua Ética, afirma que a liberdade consiste em agir conforme a necessidade de nossa própria natureza. A política maçônica entende o mesmo: o homem livre é aquele que age segundo a razão, não segundo as paixões. A sociedade livre é aquela cujas leis refletem a racionalidade coletiva, e não os caprichos de uma minoria. Assim, a política se torna uma extensão da metafísica: o campo em que a harmonia universal se manifesta na ordem civil.

Epistemologia e Educação Política Maçônica

A epistemologia, a teoria do conhecimento, ocupa lugar central na reflexão política maçônica. O ignorante é presa fácil da manipulação; o sábio é cidadão ativo. A Maçonaria combate a ignorância porque ela é a mãe da servidão. Só o homem que conhece é capaz de escolher livremente. Por isso, o estudo dos fenômenos sociais e das causas da desigualdade é, para o maçom, uma forma de libertação interior.

A libertação do homem passa pelo diálogo e pela consciência crítica. Essa ideia ressoa nos princípios andragógicos da Maçonaria, que vê no debate em Loja uma forma de aprendizagem ativa. A instrução maçônica não transmite dogmas, mas provoca reflexões. Cada sessão é uma escola de política e de filosofia, onde se aprende a pensar o mundo para melhorá-lo.

O maçom, ao compreender as estruturas de poder, torna-se um educador social. Sua missão é iluminar, não dominar. Assim, o conhecimento deixa de ser privilégio e torna-se bem público. Na política, essa visão se traduz em programas de inclusão educacional, ética administrativa e participação comunitária. O estadista é aquele que faz da educação a base de todas as políticas públicas.

Filosofia Política e Ação Transformadora

A política maçônica não é contemplativa, mas operativa. O maçom, como operário simbólico, deve agir no mundo. A ação, contudo, deve ser guiada pela razão e pela virtude, nunca pela paixão ou pelo interesse. Maquiavel, muitas vezes incompreendido, advertia que o governante deve conhecer tanto a arte da guerra quanto a da paz, ou seja, compreender a natureza humana em sua totalidade para governar com eficácia. A Maçonaria, porém, vai além: ensina que o poder sem moral é destrutivo; a força sem sabedoria é tirania.

O maçom aplica na vida pública o mesmo método que aplica na construção do templo interior: observação, reflexão, ação e revisão. Esse processo filosófico é uma forma de dialética socrática aplicada à política. Cada decisão deve ser fruto do diálogo entre razão e consciência. Assim, o governo maçônico não se impõe, ele se constrói no consenso, como na harmonia das colunas do templo.

O exemplo de Cícero, em "De Officiis", é paradigmático: o político virtuoso é aquele que serve à República com honestidade, mesmo quando isso lhe custa o poder. Tal conduta é rara em tempos de oportunismo, mas é o ideal maçônico por excelência: o serviço desinteressado à humanidade. A honra é o escudo do estadista.

Crítica à Política Contemporânea e a Missão Maçônica

Vivemos uma era em que a política perdeu o sentido ético e espiritual. Transformou-se em mercado de interesses, espetáculo de vaidades, campo de polarizações destrutivas. O discurso cedeu lugar à retórica; o serviço, à ambição. Nesse cenário, a Maçonaria tem papel regenerador: recordar à humanidade que a política é arte da concórdia, não da divisão.

A crítica maçônica não é destrutiva, mas instrutiva. O maçom denuncia a corrupção não apenas como crime jurídico, mas como doença moral. Propõe, em contraposição, o retorno às virtudes clássicas: prudência, temperança, coragem e justiça. O homem público deve ser exemplo, não escândalo; servidor, não dono. O poder é empréstimo, não posse. O governante que se julga senhor de seus súditos viola o primeiro princípio da Ordem: a liberdade.

Cabe ao maçom, portanto, atuar como luz entre sombras, orientando a sociedade pela razão e pela moral. A Loja torna-se o espaço de ensaio dessa nova política, sem bandeiras, mas com princípios; sem partidos, mas com ideais. O maçom não vota por conveniência, mas por consciência. Sua escolha é expressão de seu juramento de fidelidade à verdade.

A Política Como Serviço à Humanidade

Na visão maçônica, a política é o prolongamento da iniciação. Assim como o iniciado ascende do caos à Luz, também o corpo social deve ascender da ignorância à justiça. O Estado é um grande templo em construção, e cada cidadão é um pedreiro responsável por sua pedra. A harmonia universal será alcançada quando todos os homens compreenderem que governar é servir e que servir é amar.

O maçom, ciente de seus deveres, trabalha silenciosamente pela regeneração moral do mundo. Sua política não se mede por discursos, mas por obras; não por ambições, mas por virtudes. Ele sabe que o governo começa no domínio de si mesmo, e que o maior poder é o poder da consciência iluminada. Assim, o ideal maçônico de política é a síntese de todas as ciências morais: Metafísica que busca o bem supremo, ética que orienta o agir justo, e filosofia política que constrói o mundo como reflexo da ordem divina.

Bibliografia Comentada

1.      ARISTÓTELES. Política. Obra fundamental da filosofia clássica sobre a organização da cidade e a natureza política do homem. Inspira a ideia maçônica de que a sociedade é reflexo da moral individual;

2.      CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres (De Officiis). Reflexão romana sobre virtude, dever e serviço público. Reforça a visão do político como servidor da República e da moral pública;

3.      CONDORCET, Jean-Antoine-Nicolas. Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano. Obra iluminista que relaciona instrução e progresso moral, em perfeita sintonia com o ideal maçônico de educação como base da Democracia;

4.      KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Estabelece o princípio do dever e o imperativo categórico, base ética para a ação política do maçom, guiada pela universalidade e pela razão;

5.      MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Apesar de controverso, é leitura essencial para compreender a relação entre poder e virtude. Sua análise realista fornece ao maçom a compreensão dos riscos morais do poder;

6.      PLATÃO. A República. Descreve o Estado ideal e o conceito de justiça como harmonia entre as partes da alma. Fundamenta a visão simbólica da Loja como microcosmo da cidade justa;

7.      SPINOZA, Baruch. Ética Demonstrada Segundo a Ordem Geométrica. Relaciona liberdade à razão e à necessidade da natureza, servindo de base à concepção maçônica de política como harmonia entre leis naturais e civis;

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